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25 de maio de 2022

20 Anos de Circulação do Euro: Passado, Presente e Futuro – Impactos sobre os sectores produtivos nacionais da nossa adesão ao Euro


A criação da União Económica e Monetária e a nossa adesão ao Euro, vendidas aos portugueses como a possibilidade de fazerem parte de um mercado de centenas de milhões de consumidores e como um escudo protector, face à instabilidade monetária e financeira do resto do mundo e facilitadores das trocas comerciais dentro da EU e que consequentemente trariam ao nosso país o tão almejado desenvolvimento, mostraram-se ao longo destes 20 anos em que o euro está em circulação, desastrosas para a nossa economia, principais responsáveis pela destruição de grande parte do nosso aparelho produtivo e pelo mais longo período de recessão e estagnação económica que vivemos desde a revolução de Abril.

Portugal permanece hoje como um dos países mais pobres, mais desigual e mais dependentes da Europa.

São muitos os indicadores que provam esta triste realidade com que o nosso país se confronta após a adesão à UEM, ao Euro e com o início da circulação da Moeda Única.

Þ    O Produto Interno Bruto (PIB) praticamente estagnou desde a nossa adesão ao euro (1999) e em particular desde a entrada em circulação da moeda única (2002). Neste período crescemos a uma média anual de apenas 0,4%, enquanto a média da zona euro foi de 1% e da União Europeia foi de 1,2%. Desta forma o nosso país em vez de convergir, como nos prometeram, divergiu do resto da União Europeia.

Þ    O Investimento, apesar dos muitos milhares de milhões de euros de fundos comunitários que neste período afluíram à nossa economia (cerca de 88 mil milhões de euros), foi a variável de despesa nacional que mais sofreu com a nossa adesão ao Euro. Se em vésperas de entrada em circulação da moeda única, em 2001, o Investimento total na nossa economia representava 27% do PIB – Portugal era nessa altura o país da zona Euro em que este rácio era mais elevado – vinte anos depois esse peso é de apenas 20%. E Portugal é agora dos países da Zona Euro que menos peso tem do investimento no PIB, pior que nós só a Grécia, Chipre, Eslováquia e Luxemburgo. A dimensão do desastre é tal que, mesmo a preços correntes Portugal investe hoje, quase tanto como investia em 2001 e, consequentemente a preços constantes, isto é, em termos reais, a queda do investimento foi neste período de 16%. Só a Grécia conseguiu ver cair mais o seu investimento nestes últimos 20 anos.

Esta queda do investimento total analisada de forma desagregada mostra-nos que as quedas mais abruptas se registaram em duas componentes do investimento – equipamento de transportes e construção. Ambas caíram cerca de 40% em termos absolutos, reflexo do impacto que a adesão ao euro teve sobre o nosso aparelho produtivo, em especial Agricultura, Indústria e Construção.

Þ    Após a euforia dos anos noventa – período de forte crescimento económico e quase pleno-emprego - em que fruto das duas 1ªs fases da União Económica e Monetária (UEM) os mercados financeiros foram liberalizados, as privatizações de grandes económicos se sucederam e em que a banca nacional então privatizada se pode endividar quase sem limites para financiar a compra de habitação própria, o sector da construção civil e o consumo privado, nos últimos 20 anos a nossa economia foi confrontada com a outra face da moeda da UEM e com a necessidade de cumprir com os critérios de convergência (taxa de inflação, nível de dívida pública e défice orçamental). Só que agora o Estado Português, como resultado da adesão à UEM, já não tem os instrumentos de política monetária – taxa de câmbio e taxa de Juro – e a política orçamental está condicionada com um nível de défice de 3%. 

Þ    Com o nosso aparelho produtivo exposto à concorrência internacional desprotegido (o chamado sectores de bens transaccionáveis), resultado de uma taxa de câmbio fixa e sobrevalorizada com os nossos principais parceiros comerciais (Espanha, Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Itália), o nosso país perdeu capacidade de competir nestes sectores, quer no mercado nacional, quer no mercado internacional.

Þ     A evolução do peso quer do valor acrescentado bruto (VAB), quer do emprego destes sectores – agricultura, indústria e construção – no PIB e no emprego total do nosso país espelham bem o impacto que a UEM e a moeda única tiveram sobre o nossa aparelho produtivo e como foram determinantes para a desindustrialização da nossa economia.

Þ    Nestes últimos 20 anos, a indústria transformadora perdeu cerca de 250 mil empregos e viu o seu peso no PIB cair de 16,2% para 13,7%, o sector da construção caiu de 7,6% do PIB para 5,0% e perdeu cerca de 265 mil postos de trabalho e o sector agrícola caiu de 3,1% do PIB para 2,5% e perdeu 231 mil postos de trabalho. No seu conjunto estes três sectores produtivos perderam cerca de 755 mil postos de trabalho e viram o seu peso no PIB cair 5,7 pontos percentuais.  

Þ    À desindustrialização dos nossos sectores económicos, com os sectores de bens transaccionáveis a perderem peso na produção nacional sucedeu uma clara terciarização da nossa economia, com a ascensão dos sectores do turismo, das actividades administrativas e dos serviços de apoio, serviços de informação e comunicação, serviços de consultoria, serviços de saúde e apoio social e actividades imobiliárias, actividades que viram o emprego crescer em cerca de 435 mil postos de trabalho e o seu contributo para o PIB crescer em 5,2 pontos percentuais.

Þ    Com a destruição do nosso aparelho produtivo registada nas últimas décadas, bem patente nos dados acima apresentados, o défice da nossa balança de bens permanece muito elevado, cerca de 7,4% do PIB no último ano e o nível de dependência do nosso país acentua-se de ano para ano. É de tal forma assim que se em 1999, as importações do sector agrícola representavam 31% da produção nacional deste sector, de acordo com o INE, em 2017 esse peso é já de 43%. Mas se é assim na agricultura, na indústria transformadora a situação é ainda muito mais grave, já que se as importações representavam 55% da produção deste sector, em 2017 elas representam já 65% da sua produção. Essa mesma dependência espelha-se nas componentes da Procura Final – Consumo Privado e Público, Investimento e Exportações – cada vez mais dependente da produção importada.

Þ    Depois do que acabámos de afirmar não é difícil concluir que o baixo crescimento económico, a estagnação e a recessão que vivemos nos últimos 20 anos acompanhada pela destruição de muito do nosso aparelho produtivo tiveram um duro impacto na evolução do emprego, do desemprego e da emigração. Foi assim que Portugal viu neste período reduzir-se o emprego em mais de 320 mil postos de trabalho, o desemprego subir e a emigração só desde 2011 até 2015 atingir cerca de 600 mil portugueses.

Þ    A perda de soberania do nosso país, para a qual a adesão à CEE/União Europeia e em particular a liberalização da circulação de capitais muito contribuíram, conheceu com a adesão à UEM e ao euro e o início do processo de privatizações em 1999, um nível nunca antes visto.

Þ    Empresas estratégicas do nosso país, algumas monopólios naturais, passaram integralmente para as mãos do grande capital privado fundamentalmente estrangeiro.

Þ    Ao mesmo tempo que processo de privatizações acelerava, a livre circulação de capitais a adesão à UEM e ao euro permitiu que o número de filiais de empresas estrangeiras nas últimas décadas crescesse a ritmo muito elevado. Estas filiais de empresas estrangeiras, de acordo com os últimos dados, são responsáveis por 40% do total das nossas exportações de bens, representam 26,3% do VAB do total do sector empresarial e 75% deste VAB gerado por filiais de empresas estrangeiras diz respeito a sociedades de entidades de sediadas em países da União Europeia. A presença de capital estrangeiro, que domina ainda mais de 50% das grandes empresas, estende-se muito para lá da titularidade directa, designadamente com a integração de muitas delas nas cadeias de valor de transnacionais; a subcontratação; a presença de fundos de investimento, como a BlackRock (o maior grupo financeiro mundial com posições em seis das grandes empresas do PSI-20);

Þ    O reverso da medalha da liberalização da circulação de capitais, da criação da UEM e da adesão ao euro, reflecte-se no cada vez maior saldo negativo da nossa balança de rendimentos primários, que espelha fundamentalmente os lucros e dividendos e juros que os investidores privados estrangeiros arrecadam anualmente e que transferem para os seus países – entre 1997 e 2020 o saldo negativo desta balança foi em média de 3,3 mil milhões de euros ano (1,6% do PIB em 2019).

Þ    Se em termos líquidos, Portugal recebeu da União Europeia desde 1986 cerca de 72 mil milhões de euros de apoios em fundos comunitários, também em termos líquidos o nosso país viu sair em parte desse período para o qual há informação do Banco de Portugal, entre 1995 e 2021, de lucros distribuídos, dividendos e juros cerca de 104,5 mil milhões de euros.

Þ    Se é verdade que e como tem sido dito, Portugal nos anos mais próximos vai receber da União Europeia muito dinheiro, o que é bem perceptível na movimentação dos representantes dos grandes interesses económicos, nomeadamente das grandes confederações patronais, é importante que por um lado não esquecermos o que aconteceu nos últimos 34 anos e por outro percebermos que a dimensão da crise que vivemos não tem precedentes, pela sua dimensão económica e sanitária e que se quisermos minimizar os seus impactos vai ser necessário muito investimento público.

Þ    Muito mais do que tem sido realizado nos últimos anos e basta comparar esse nível de investimento com a média dos fundos comunitários recebidos para verificarmos que os 15,3 mil milhões de euros previstos pelo Fundo de Recuperação e Resiliência para Portugal, não chegam para compensar o muito pouco que se investiu nestes anos. Desde 2010 até 2021, a redução do investimento público foi tal, que o montante de entrada de fundos comunitários foi superior à totalidade do investimento público. Não existem elementos para aferir com rigor qual o montante de fundos comunitários que é absorvido pelo investimento público, mas não existem dúvidas de que o investimento público nos últimos anos se reduziu na sua quase totalidade, ao mínimo indispensável para complementar a entrada de fundos comunitários.

Þ    É pois, importante que esse dinheiro para investimento público chegue e venha liberto de quaisquer formas de condicionalidade económica e política que pretendam interferir em decisões soberanas dos Estados, designadamente ao nível das opções, programação e execução dos fundos;

Þ    E simultaneamente que sejam adoptadas medidas que garantam que as verbas a mobilizar nos próximos anos sejam colocadas ao serviço da valorização do trabalho e dos trabalhadores, da defesa e promoção da produção nacional, da recuperação para o sector público dos sectores básicos e estratégicos da economia, da garantia de uma administração e serviços públicos ao serviço do povo e do país e do desenvolvimento soberano de Portugal.

Þ    O nosso país precisa de crescer a um ritmo mais elevado do que o tem feito, nomeadamente desde a adesão ao euro e ao início da circulação desta moeda no espaço comunitário em 2002. Precisa que esse ritmo de crescimento seja sustentado e suportado numa muito maior produção nacional e menos dependente das importações.

Þ    Só a afirmação de uma política soberana, que faça prevalecer os interesses dos trabalhadores e do povo português sobre as imposições e constrangimentos que emanam da UE, pode responder adequadamente às necessidades com que o país se confronta.

 

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