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24 de junho de 2022

A UE vista a partir de Moscovo

 A sobranceria de políticos e "comentadores" de há alguns tempos, dá lugar a uma espécie de caramunha, o refúgio em "valores", solidariedade europeia com a Ucrânia e o horror de uma guerra na Europa. Portanto, os horrores dos 76 dias de bombardeamentos sobre alvos civis na Jugoslávia não se passavam na Europa... Quanto à solidariedade aplica-se acima de tudo à finança, que o digam os povos sujeitos às troikas e subordinados às "regras" e sanções da UE. Sabemos o que na UE se pensa da Rússia, mas vale a pena atentar no que na Rússia se pensa da UE.

Diz Lavrov numa entrevista: "A UE é um projeto exclusivamente geopolítico, que já foi praticamente esmagado pelos EUA. Eles discutem há muito tempo uma possível componente militar que seria independente da NATO ou dos Estados Unidos. Mas a discussão acabou degenerando em interação com a NATO. As duas organizações elaboraram um plano segundo o qual os países da UE que não são membros da NATO concordam em disponibilizar seu território para o movimento de tropas e armas da NATO. É, de fato, uma das principais manifestações de uma aliança político-militar. Quanto à independência da Europa, Austin (Secretário de Defesa dos EUA) disse numa conferência recente que vão alargar a presença militar americana na Europa mas que ainda não tinham decidido se seria permanente ou transitória. Isto é, ainda não decidiram, mas quando o fizerem, a Europa receberá ordens."

Diz Putin no Fórum Económico de S. Petersburgo (1): "Os políticos europeus, já aplicaram duros golpes contra suas próprias economias. Vemos o agravamento dos problemas sociais e económicos na Europa e também nos EUA; aumentam os preços dos alimentos, da eletricidade e dos combustíveis, enquanto cai a qualidade de vida e as empresas perdem posições de mercado. De acordo com especialistas, as perdas diretas e calculáveis da UE geradas pela febre das sanções podem ultrapassar, esse ano, os 400 mil milhões de dólares. Este é o preço das decisões que se distanciam da realidade e contrariam o bom senso."

"Na UE, essas perdas recaem diretamente sobre pessoas e empresas. A taxa de inflação em alguns países da zona do euro ultrapassou 20%. (taxa de inflação homóloga segundo Eurostat: Estónia 20,1%, Lituânia 18,5%, Letónia 16,8%) A inflação nos EUA também é inaceitável – a mais alta dos últimos 40 anos. A inflação na Rússia também está hoje na casa dos dois dígitos(...) depois de atingir o pico de 17,8%, agora está em 16,7%. Mas corrigimos os benefícios sociais e as pensões para compensar a inflação e aumentamos os salários mínimos e de subsistência, protegendo assim os grupos mais vulneráveis da população."

"Esta é a nossa principal diferença em relação aos países da UE, onde o aumento da inflação reduz diretamente o rendimento real das pessoas e consume as poupanças pessoais, as atuais manifestações da crise afetam hoje, sobretudo, os grupos de baixo rendimento. Em resultado das ações dos políticos da UE este ano, a desigualdade aumentará nesses países, o que, por sua vez, dividirá ainda mais as sociedades europeias."

"Os procedimentos democráticos, as eleições na Europa e as forças que chegam ao poder parecem só fachada, porque partidos políticos quase idênticos vêm e vão, enquanto no fundo as coisas permanecem as mesmas. Os reais interesses das pessoas e das empresas nacionais estão sendo cada vez mais deslocados para a periferia. O resultado óbvio, será a perda de competitividade global e declínio, em todo o sistema, no ritmo de crescimento das economias europeias nos próximos anos. Tal desconexão entre a realidade e as exigências da sociedade levará inevitavelmente a um surto de populismo e de movimentos extremistas e radicais, a grandes mudanças socioeconómicos, à degradação e mudança de elites no curto prazo. Como se pode ver, partidos tradicionais são derrotados repetidas vezes. Novas entidades estão vindo à tona, mas têm poucas hipóteses de sobreviver, se não forem muito diferentes das existentes."

"As tentativas de manter as aparências e a conversa em nome de alguma pseudo unidade não podem esconder o principal: a UE perdeu a soberania política, e as suas elites burocráticas dançam hoje ao som de banda alheia, fazendo tudo o que as mandam fazer, prejudicando o próprio povo, economia e empresas."

"Nos últimos dois anos, a oferta de dinheiro nos EUA cresceu mais de 38%, 5,9 milhões de milhões de dólares. A massa monetária da UE também aumentou dramaticamente durante o mesmo período: cerca de 20%, ou 2,5 milhões de milhões de euros. A UE aumenta ainda mais rapidamente (que os EUA) as próprias importações. Obviamente, aumento tão acentuado da procura, não coberto pela oferta de bens, desencadeou uma onda de escassez e inflação global. Aí precisamente origina-se a inflação global."

"Quanto à política energética fracassada, apostando cegamente em energias renováveis e fornecimentos pontuais de gás natural, causaram aumentos de preços de energia desde o terceiro trimestre do ano passado, muito antes da operação no Donbass. Os preços dispararam por reação às ações do atual governo dos EUA e da burocracia europeia. Agora, aí estão, mais uma vez, procurando alguém para culpar."

"Os erros de cálculo do Ocidente não afetaram só o custo líquido de bens e serviços: também resultaram na diminuição da produção de fertilizantes, principalmente fertilizantes de nitratos feitos de gás natural. No geral, os preços globais de fertilizantes aumentaram mais de 70%, de meados de 2021 a fevereiro de 2022."

"É importante lembrar que os EUA impuseram sanções aos nossos fertilizantes; os europeus seguiram o exemplo. Os EUA cancelaram as sanções, porque viram a que poderiam levar. Mas os europeus não recuaram. A burocracia da UE é tão lenta como um moinho de farinha do século XVIII. Por outras palavras: sabem que cometeram uma estupidez, mas, por razões burocráticas, é-lhes demasiado difícil desfazer a estupidez cometida."

1 - Texto completo 25º Fórum Económico Internacional de São Petersburgo (resistir.info)

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