ALENTEJO: O CHEGA, A CDU E OS CONTADORES DE HISTÓRIAS
Josué Caldeira
Na
abertura do seu livro sobre a questão do valor na teoria económica,
Mariana Mazzucato, professora de Economia da Inovação e Valor Público,
na University College London, lembra-nos que as lengalengas sobre as
questões económicas e sociais são elementos fundamentais do exercício do
poder (pelos poderosos).
Recuperando
uma observação de Platão, Mazzucato sublinha que os contadores de
histórias são quem governa o mundo. E o livro que Mazzucato escreveu, “O
valor de tudo” (Temas e Debates, 2018), tem como objetivo, segundo a
própria autora, discutir e combater as lengalengas sobre a criação de
riqueza no capitalismo moderno. Vale a pena ler.
Esta nota é também sobre uma lengalenga que os poderosos aqui do retângulo têm vindo a contar, à
exaustão,
e que, como todas as lengalengas usadas pelos poderosos, tem motivações
políticas, pretende ter efeitos políticos e, naturalmente, condicionar a
ação e as opões eleitorais de cada um de nós. Falo da lengalenga que o
comentariado nacional difunde sobre a alteração do mapa eleitoral do
Alentejo, assente no argumento de que a quebra do eleitorado da CDU é o
fator explicativo da subida galopante do Chega.
A
lengalenga foi profusamente utilizada em 2024, ano do grande
sobressalto causado pelo crescimento do partido de André Ventura, e
continua a ser manipulado depois do passado dia 18 de maio.
Ventura,
num comentário grosseiramente asqueroso, marcou o ponto na noite
eleitoral: “O Chega matou o partido de Álvaro Cunhal”. Ascenso Simões
alimenta a mesma leitura no seu “O Chega sempre esteve dentro do CDS, do
PSD e do PCP”, publicado no Expresso online, e, em certa medida, também
Pacheco Pereira vai no mesmo balanço quando escreve no Público
(24.05.2025) “O mapa eleitoral do Chega é muito parecido em várias
partes do país com o do PCP”.
Defenderei
que esta lengalenga é um exemplo do que Mariana Mazzucato nos explica
no seu livro: uma narrativa que os poderosos inventam e difundem (pela
voz do comentariado de serviço) para melhor atingirem os seus objetivos
políticos, isto é, de poder. Contudo, também esta lengalenga merece o
selo de “aldrabice”. Certamente, uma aldrabice assumida porque tem um
fim claro: criar uma ideia (sem qualquer suporte de evidência) de
definhamento e apagamento da CDU até nos “tradicionais bastiões
comunistas”.
Mas, sim, é uma aldrabice e esta até facilmente desmontável. A
ideia do crescimento do Chega por via da quebra eleitoral da CDU não
tem suporte nem nos resultados de 2024, nem nos resultados de 2025. Para
não ser maçador, apresento os dados com os efeitos conjugados das
eleições de 2024 e de 2025, isto é, as variações do número de votantes
em cada partido entre 2022 e 2025 (cobrindo, assim, os resultados
eleitorais das duas últimas eleições):
No distrito de Beja, a CDU perdeu 2.442 votos, o Chega cresceu 13.515 votos.
No distrito de Évora, a CDU perdeu 2.857 votos, o Chega cresceu 13.858 votos.
No distrito de Portalegre, a CDU perdeu 1.081, o Chega ganhou 11.084.
E no distrito de Setúbal, a CDU perdeu, no mesmo período, 8.573 votos ao passo que o Chega ganhou 90.434 votos.
Com
base estes resultados, conseguirá o comentariado nacional sustentar,
com verdade, a mentira de que o Chega sobe, de forma galopante, à custa
do eleitorado CDU? Bom, se forem “gente de bem”, não (há limites para a
mentira…). Se formarem um bando de aldrabões e manipuladores da opinião
pública, vozes do dono, sim, conseguem, em direto e sem qualquer
problema.
Contudo, vale a
pena avançar na exploração das evidências disponíveis. Vou deixar de
lado o comportamento da IL no Alentejo porque é irrelevante. A economia
regional não tem perfil para os fanfarrões meritocráticos. Também vou
deixar de lado o sidecar do PS, o Livre, por também não ser muito
expressivo na região.
Mas vale a pena fazer a pergunta: de onde vem, então, o crescimento do Chega e (em menor escala) da AD?
É
verdade que o resultado agregado das transferências de votos é difícil
de identificar no sobe e desce dos votos nos vários partidos. A coisa é
mais complexa e exige trabalho de filigrana a desenvolver noutros
contextos (os competentes analistas políticos tratarão, certamente, do
assunto).
Mesmo assim, é
curioso verificar que a configuração das variações agregadas dos
eleitorados dos vários partidos no Alentejo, por distrito, produz um
padrão que é perfeito e do qual resulta com particular evidência os
seguintes movimentos (convido a ver os gráficos):
O
somatório da subida de votos do Chega e da subida da AD é sempre
acompanhado por uma brutal descida dos votos do PS e também por uma
significativa subida de novos votantes (gente que estava na abstenção e
novos eleitores). Estes dois somatórios (isto é, subida do CH e da AD,
por um lado, e queda do PS e subida de votantes, por outro) quase se
igualam em números absolutos nos três distritos. Naturalmente isto não
esgota a leitura que é necessária desenvolver.
Mas
os dados disponívieis sustentam serem estes movimentos (subida do CH e
da AD, descida abrupta do PS e subida de votantes) os movimentos que
estruturalmente marcam a alteração da geografia eleitoral do Alentejo,
criando uma configuração eleitoral (para as legislativas) em terreno
totalmente desconhecido.
Não
excluo a hipótese de deslocação eleitoral da CDU para o CH. A perda de
votos da CDU continua a constituir um problema no Alentejo. Contudo, a
dimensão desta perda de votos não consegue explicar (nem torcendo as
estatísticas eleitoriais) a subida de votos do CH.
O Alentejo vestiu a camisola do Chega mas não é da CDU a camisola que ficou no chão.
Mas
esta é a lengalenga que os poderosos, pela boca do comentariado
nacional, continuarão a contar. Porque “os contadores de histórias são
quem governa o mundo”.
O que fazer neste quadro? Bom… o comunicado do Comité Central do PCP, estabelece um guião de luta a prosseguir.
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