A “lei da oferta e procura” constitui um dos fundamentos da dogmática liberal. A partir desta lei estabelece-se o postulado do equilíbrio económico, da eficiência dos “mercados perfeitos” e da sua auto-regulação. Perante a opinião pública é divulgada como uma regra inultrapassável, inexcedível, contra a qual os pobres mortais (sobretudo os pobres...) nada podem fazer.
A conhecida “lei” diz-nos que se a oferta (O) aumenta ou se a procura (P) sobe, os preços descem e vice-versa. A forma como sobem ou como descem tem que ver com o andamento das curvas que representam os preços em função das quantidades, isto é, as suas maiores ou menores "elasticidade" ou "rigidez".
Mas não será isto, pergunta-se, a verdade mais evidente? Respondemos, muito simplesmente: sim, é possível…dentro de determinadas circunstâncias e de formas dificilmente controláveis, muito menos no designado “mercado livre”.
Isto de chamar “gases perfeitos” (como se houvesse gases imperfeitos…) quando obedeciam a uma “lei” que a insuficiência de conhecimentos queria transformar em universal, era de facto uma ideia muito do século XVIII, porém a economia neoliberal não vai mais longe. Chamar “mercado perfeito” a algo que só por excepção existiu, existe ou existirá – pelo menos no horizonte visível – não passa de raciocínio escolástico, aplicado à maximização do lucro dos monopólios e oligopólios e ao favorecimento da especulação financeira.
Podemos aliás considerar a lei da O e da P, como sendo afinal um caso particular das famosas teorias marginalistas, razão pela qual grandes variações das grandezas económicas, como as crises, nunca são nem a tempo nem adequadamente previstas. Algo que não parece incomodar absolutamente nada a congregação da defesa da fé neoliberal.
Não se trata de negar ou contestar a O ou a P, que existe e existirá em qualquer tipo de sociedade (esclavagista, feudal, capitalista, socialista ou mesmo, imaginemos, comunista).
A questão é que como não há nem mercado nem gases “perfeitos”, a “lei” torna-se simplesmente falsa e errada na sua aplicação ao comportamento macroeconómico das economias. A O e a P condicionam o funcionamento económico das sociedades humanas, mas não como nos fazem crer através da referida “lei”, ao afirmar-se que sob a acção da lei da O e P se atinge a máxima eficiência económica e tudo o que se fizer para tentar alterar o seu resultado piora o conjunto.
A primeira questão a considerar, será: de que eficiência falamos? Lucro privado ou benefícios sociais? (ver “É mais barato importar?”- março.2011)
Ora não há um padrão de O e de P tal como o que teoricamente define a eficiência (mercado perfeito, concorrência perfeita). As distorções da lei variam por duas razões principais: poder de mercado e especulação. O poder de mercado, dá-se por acção de monopólios, oligopólios e cartelização dos mercados do lado da oferta em que as hipóteses de eficiência global não mais se verificam, embora existam benefícios acrescidos (e de que maneira!) para aqueles agentes.
O poder de mercado verifica-se também do lado da procura no caso dos monopsónios ou dos oligopsónios, como é o caso da acção de certo tipo de intermediários e das empresas proprietárias das grandes superfícies comerciais, vulgo hipermercados, das grandes empresas transnacionais relativamente aos seus subfornecedores. Neste caso há uma deformação da procura em detrimento dos micro, pequenos e médios produtores/empresas e obviamente dos consumidores – embora estes devido á massiva publicidade e apuradas técnicas de marketing sejam convencidos de que quanto mais gastam mais poupam…
Em qualquer dos casos a maior capacidade financeira das megaempresas é um decisivo factor do seu poder de mercado quer a nível nacional mas também a nível internacional, captando desta forma as maiores vantagens quanto a contratos de exportação ou aumentando os lucros – e destruindo economias nacionais – pela livre circulação de capitais e “deslocalizações”.
Assim, o poder de mercado que as estruturas monopolistas e as megaempresas transnacionais adquirem anulam a pretendida eficiência económica que a livre ação da lei da O e P dizia permitir. Veremos que no caso da especulação - hoje dominante - a referida “lei” tal como é enunciada nem sequer se aplica.
Se quisermos ter uma imagem do que ocorre considere-se a chamada “lei dos gases perfeitos” que relaciona de forma inversamente proporcional o volume com a pressão a que um gás está submetido, mantendo-se constante a temperatura. Ora, isto só se verifica para relativamente pequenas variações daquelas grandezas. A partir de determinados valores a lei não se verifica e para além de determinados limites o gás deixa de ser gás, pode passar ao estado líquido, mesmo solidificar, e, com uma pressão muito baixa ou temperatura muito alta, passar para um quarto estado da matéria, transformando-se em plasma. A hipótese destes fenómenos se processarem sem variação de temperatura (variações adiabáticas) deixa também de ter sentido para além de certos limites – precisamente como não têm sentido real as condições de funcionamento dos “mercados perfeitos”.
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