Os diferentes poderes de mercado de cada agente económico produzem distorções que anulam a hipotética eficiência da “lei da O e da P”, conforme apresentamos na 1ª parte.
O poder de mercado é uma consequência lógica (diríamos dialéctica) da própria concorrência, exercida com a protecção dos poderes políticos nacionais e supranacionais, como o FMI, BM, OMC e claro, a UE e o BCE, que, qual papado medieval da finança europeia, excede tudo o que seria concebível em fundamentalismo neoliberal, muito para além dos procedimentos da Reserva Federal dos EUA, a favor da banca especuladora que provocou a crise em que hoje os países se encontram.
Nos mercados especulativos, muito simplesmente a “lei” funciona ao contrário do que nos dizem! Isto é: à medida que o preço da O sobe a P não desce, pelo contrário, aumenta, daí o preço da O voltar a subir. E se os preços descem, a procura não aumenta, desce, geralmente em pânico. Esta a razão das bolhas financeiras e das crises provocadas pela especulação sobre o imobiliário, sobre produtos financeiros ditos derivados, valores de acções ou obrigações, etc. Um exemplo que ilustra bem quer o poder de mercado quer a especulação, é o dos preços das matérias-primas e bens da indústria alimentar. A partir do momento em que as megasociedades transnacionais com o patrocínio do FMI e da OMC se apossaram do controlo destes produtos, tornaram-se matéria de especulação em seu benefício e em prejuízo da população de todo o planeta com o consequente aumento da pobreza, da fome, da miséria. São os “mercados” a funcionar! “As coisas são como são”! É o que nos dizem os comentadores do costume. Eis uma explicação de elevada profundidade técnica…
Especular, consiste, segundo a etimologia da palavra, em conjecturar de forma alheia à experiência; em economia, o seu significado original tem que ver com a obtenção de lucros exagerados e pouco legítimos. O neoliberalismo consagrou a especulação como uma virtude, num ritual inquestionável, ao qual todos nos devemos curvar. Quanto às suas consequências é para serem aceites como uma espécie de força da Natureza ou “act of God”, contra a qual os povos nada podem.
Perante as graves distorções da O e da P que o próprio sistema reconhece, que se passa na prática? Na prática, os protagonistas políticos limitam-se às mistificadoras indignações do populismo (quem recorda os inflamados ataques do sr. Sarkozy, aos “especuladores”?!) ou às vãs promessas saídas das reuniões do G 20, ou às inócuas declarações – e falsidades - da Comissão Europeia, quando prometia medidas para combater a especulação e “regular” os mercados…
Os comentadores de serviço dão uma ajuda com piedosos apelos à “ética nos negócios”, enquanto as fortunas dos grandes beneficiários da fraude e da especulação são salvas. As histórias destes processos são esclarecedoras, mas a Comissão Europeia excedeu-se no seu zelo de defesa da irregularidade e ineficiência destes mercados – cuja distorção brevemente enunciámos – ao declarar que os Estados devem salvar com dinheiros públicos os bancos em dificuldades. Assim, já a intervenção do Estrado é bem vinda.
Não se esperava tão grande pontapé nos seus dogmas quanto à eficiência dos mercados, ao mesmo tempo que se instituem na prática cartéis financeiros – camuflados com o charlatanismo das “agências de rating” sobre as dívidas públicas.
Não se esperava tão grande pontapé nos seus dogmas quanto à eficiência dos mercados, ao mesmo tempo que se instituem na prática cartéis financeiros – camuflados com o charlatanismo das “agências de rating” sobre as dívidas públicas.
A especulação destrói pela base os mitos da economia neoliberal, embora esta a transforme numa espécie tabu.
Ouve-se porventura alguém do arco neoliberal defender que a sua “lei” se torne efectiva atacando os monopólios e a sua expressão transnacional ou medidas para limitar o poder de mercado de certos intervenientes? Não. Limitam-se a declarações em vagos termos mistificadores como: “temos de”, “deve-se fazer”, ou “reduzir custos de contexto”, sem nunca mencionar que por detrás do que timidamente criticam está a acção de monopólios, oligopólios, cartéis. Nestes casos “é o mercado a funcionar”, o resto é indiferente: reduzam-se os salários e as prestações sociais, afinal na prática o “contexto”, reduz-se a isto! Encobre-se a realidade com diáfanas considerações sobre os “bens não transaccionáveis”, dos quais de concreto só se menciona aquilo de que se ocupa o Estado, com o objectivo de reduzir ou eliminar as suas funções sociais, privatizar serviços públicos…transformando-os em monopólios privados. Assim vai o mundo da eficiência neoliberal!
Dizia certo filósofo da sabedoria oriental, salvo erro, que a decadência das sociedades verifica quando deixa de se chamar as coisas pelos seus nomes. Aqui chegámos!
Pelo que vimos, o grande capital, que hoje comanda as sociedades, não se incomoda nada com as deformações produzidas pelos oligopólios e pela especulação financeira em relação à sua “lei”, que supostamente introduziria a racionalidade na economia.
É caso então para perguntar, como nas histórias policiais: a quem aproveita o crime?
Em conclusão, não há uma “lei da O e P”: há padrões de O e de P, mais ou menos eficientes ou ineficientes, dependendo dos contextos macroeconómicos e objectivos sociais e ideológicos prosseguidos. Refira-se ainda que nem sequer estes padrões são estáveis e muito menos lineares como é assumido.
O mais próximo do que se chama de “lei da O e P” ocorre ao nível das MPME, embora estas estejam sujeitas ao poder de mercado dos que dominam os diversos sectores.
Eis o que Marx nos dizia sobre este tema:
“A justa proporção entre oferta e procura (…) deixou de existir há muito. Só foi possível nas épocas em que os meios de produção eram muito limitados em que a troca se agitava dentro de limites extremamente restritos. Com o nascimento da grande indústria esta justa proporção teve de cessar e a produção é fatalmente constrangida a passar numa sucessão perpétua de depressão, de crise, de estagnação, de prosperidade e assim sucessivamente” (Marx- Miséria da Filosofia – p.64)
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