Soberania monetária – riscos e possibilidades abertas pela sua recuperação
Octavio Teixeira
1- Nestes mais de 18 anos de sujeição ao Euro, o custo para a economia portuguesa foi muito elevado, em termos de crescimento perdido, de défice e divida públicos, de desindustrialização do país, com consequências muito pesadas para o emprego, os salários e as PME’s. E custos também nas prestações sociais, na educação e na saúde.
Mas o Euro não é apenas uma instituição económica. É também um modo de governação, estabelecendo a superioridade dos princípios tecnocráticos em relação aos princípios democráticos, bem como a superioridade de instituições não eleitas em relação ao voto dos eleitores
E como o desmantelamento ordenado do Euro ou a substituição do Euro-moeda única por um Euro-moeda comum não dependem da nossa vontade nem se perspectivam, impõe-se a saída unilateral do Euro, desejavelmente tão negociada quanto possível, com a consequente recuperação da soberania monetária.
Sem soberania monetária não dispomos de instrumentos essenciais da política económica para prosseguir os interesses nacionais; por não termos um prestamista de última instância, não podemos controlar o sistema financeiro e sujeitamos as necessidades financeiras do Estado à dependência dos mercados financeiros; não temos efectiva autonomia nas decisões orçamentais e, em consequência, não temos verdadeira possibilidade de escolha de politicas alternativas decorrentes da vontade popular, o que significa não termos real soberania democrática.
A recuperação da soberania monetária apresenta-se, pois, como uma necessidade objectiva para travar a devastação a que Portugal e os portugueses têm estado sujeitos, e para permitir um futuro para o país.
2 - A recuperação da soberania monetária é um meio, mas não um fim em si mesma. Tendo de ser complementada com outras políticas económicas e sociais, ela permite, no entanto, criar as condições necessárias ao desenvolvimento do país.
São múltiplas e significativas as vantagens da saída do Euro. Designada, mas não exaustivamente.
Com a desvalorização, reconstitui-se rapidamente a competitividade das empresas portuguesas, tanto na exportação como no mercado interno. É o impacto de competitividade de que a economia, e em particular a indústria, tem necessidade. Mas não só a indústria beneficiará como o seu efeito se fará sentir nos serviços, nos associados à indústria e nos mais sensíveis a alterações de preços, como o turismo, a hotelaria, a restauração, e também no sector agropecuário. E o aumento da competitividade na industria será um factor de atracção do investimento estrangeiro no sector.
Desvalorização que contribuirá, igualmente, para uma redução do peso da dívida, quer pela redenominação de grande parte da dívida pública, mas também da privada, quer pelo efeito das receitas fiscais acrescidas geradas pelo crescimento.
E a desvalorização cambial substituirá o processo em curso da desvalorização interna, económica e socialmente doloroso, prolongado no tempo, que impõe a redução das remunerações e das pensões de reforma, com efeitos negativos sobre a redistribuição do rendimento, a prestação de serviços públicos e o emprego, e que não resolve os problemas de fundo.
Por outro lado, a recuperação da soberania monetária permite reduzir substancialmente os constrangimentos orçamentais ditados pelo Tratado Orçamental, possibilitando o aumento do investimento público, a sustentabilidade e melhoria das funções sociais que ao Estado incumbem, e a redução da carga fiscal.
Com a recuperação pelo Banco de Portugal das funções plenas de um banco central (que tal como a moeda é um bem público), o Estado deixará de estar exclusivamente dependente dos mercados externos para eventuais necessidades de financiamento, e o sistema bancário terá assegurada a liquidez interna necessária ao exercício das suas actividades não especulativas.
Certamente uma das mais importantes vantagens, com mais crescimento económico teremos a criação de mais e melhor emprego, mais bem remunerado, e a redução maciça do desemprego e da emigração forçada.
Finalmente, teremos a vantagem de poder implementar uma política económica que promova uma alteração na distribuição do valor acrescentado, entre patronato e trabalhadores como entre sector financeiro e sectores produtivos de bens e serviços transacionáveis, e que assuma como prioridades a promoção do crescimento, do emprego, da estabilidade económica e financeira e do bem-estar dos cidadãos.
3 - É certo que, a par das vantagens, existem custos, riscos e dificuldades associados à recuperação da soberania monetária e consequente desvalorização da moeda, que importa não subestimar nem ocultar. Mas eles são bastante menores que os muitas vezes propagados e, principalmente, menores que os decorrentes da desvalorização interna, e têm a grande e determinante vantagem de permitirem uma saída da crise estrutural em que estamos atolados. E os custos são de curto prazo, comparando favoravelmente com os da agonia prolongada da desvalorização interna que a permanência no Euro impõe.
Para mim, talvez o maior risco seja o da inflação despoletada pela necessária desvalorização. Não tenho dúvidas que ela deve ser uma preocupação e merecer a maior vigilância e controlo. E há meios para o fazer.
Mas tenha-se presente que as economias têm uma taxa de inflação dita “estrutural” que corresponde às suas estruturas produtivas, financeiras e sociais. Ignorar isso só causa danos à economia e à sociedade, porque, como temos experimentado nestes 18 anos, a imposição de taxas de inflação praticamente iguais a países com estruturas diferentes conduz à persistente perda de níveis de competitividade dos países com taxas de inflação “estruturais” mais elevadas e à consequente retracção do crescimento económico ou mesmo recessão.
Por outro lado, a inflação importada será apenas cerca de ¼ da taxa da desvalorização que se verificar. Isto no limite, porque a evolução da taxa de câmbio se transmite de forma parcial e diferida no tempo e nem sempre na sua totalidade. E o choque será apenas inicial, rapidamente regressando ao nível da inflação “estrutural”.
E, contrariamente ao propalado pelos aduladores do “bezerro de oiro” Euro, nada obriga a que os salários tenham de ser reduzidos em termos reais por efeito do aumento da inflação. É possível indexar os salários, (tal como as pensões de reforma) à taxa de inflação, de forma a manter intacto o seu poder de compra e, simultaneamente, reforçar a legislação laboral e o nível de emprego que tenderão ao aumento sustentado dos salários.
Um segundo risco é o das dificuldades em obter financiamento externo. Mas tenha-se presente que a praticamente certa contracção desse financiamento é, como estudos do FMI o mostram, de curta duração. E que a necessidade desse financiamento se reduzirá substancialmente, pois a desvalorização conduzirá a um maior e sustentado saldo positivo da balança corrente e ao aumento da capacidade líquida de financiamento da economia portuguesa.
Quanto à divida externa existente, o reconhecimento da legislação monetária dos Estados é um princípio do direito internacional universalmente aceite e seguido, e que, se necessário fosse, foi assumido pela UE em diploma legal. O que significa que a dívida emitida sob jurisdição nacional pode ser redenominada na nova moeda e com garantia da estabilidade dos contratos.
Recorde-se, aliás, que foi isso que sucedeu quando da passagem das moedas nacionais para o Euro. E o mesmo sucederia se o Euro implodisse e todos os países da Zona regressassem às suas moedas.
Isto significa que pelo menos 75% da dívida pública é redenominável. Quanto à divida privada, não tenho elementos sobre a quota-parte emitida sob jurisdição nacional. (Há um estudo de autores franceses que aponta para 48%). Mas uma coisa é certa: parte dessa dívida também poderá ser redenominada. Acresce que a divida privada é fundamentalmente do sector financeiro e de grandes empresas que, para além de débitos, também têm créditos externos.
Mas poderá vir a ser necessário que o poder público conceda empréstimos a algumas grandes empresas e a bancos, em particular devido ao aumento das taxas de juro para novos contratos.
No que respeita ao risco de fuga de capitais, a resposta está no estabelecimento de um rigoroso controlo de capitais, permitido pelos Tratados da UE, e que dá sentido à recuperação da soberania monetária permitindo estabelecer a relação adequada entre a taxa de câmbio e as taxas de juro.
Quanto ao risco de eventual especulação cambial, que existe sempre, quanto mais a taxa de câmbio da moeda refectir os fundamentos económicos do país, menor é risco dessa especulação.
E podem antever-se dificuldades políticas. Em particular, a decorrente de a saída do Euro não implicar a saída da UE. O BCE já deixou em aberto a possibilidade de um país sair do euro por “enfrentar extraordinárias dificuldades em cumprir as obrigações decorrentes da participação no Euro”. E há poucos anos o ministro das finanças da Alemanha sugeriu à Grécia que abandonasse a Zona Euro, mas não a UE.
Mas o essencial é que o que está em causa é uma negociação política. Que da parte de Portugal exige, por um lado, determinação quanto à saída do Euro e, por outro lado, só receio de ter medo. Porque essas dificuldades políticas parecem-me menores que as colocadas pela via (directa ou encapotada) do federalismo ou pela espera de uma milagrosa ruptura voluntária das orientações politico-ideológicas que norteiam a Zona Euro.
4 – Em definitivo, a melhor solução para Portugal é a saída unilateral do Euro. Não podemos cometer o erro da Grécia, ao pensar que seria possível acabar com a austeridade dentro do Euro. Estão a pagá-lo “com sangue, suor e lágrimas”.
O pior, o intolerável, é que ao comprovadamente desastroso erro da adesão ao Euro se venha somar a funesta irresponsabilidade de permanência no Euro.
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