Ricardo Paes Mamede
Os cinco erros da direita sobre o crescimento económico em Portugal
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Os partidos de direita apresentam-se a estas eleições com um discurso simples sobre a economia portuguesa. Afirmam que Portugal apresenta um crescimento medíocre comparado com os países do Leste europeu, que eram pobres e hoje são mais ricos que nós. E que essa diferença se deve às políticas adoptadas: liberais naqueles países, “socialistas” aqui. Logo, segundo a direita, é preciso liberalizar, privatizar e desregulamentar para Portugal crescer.
Este discurso é simples e eficaz. É também errado, por cinco razões.
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#1. O desempenho das economias de Leste é menos diferente do português do que parece
As economias não crescem sempre ao mesmo ritmo – há momentos em que aceleram, outros em que abrandam. Nas economias menos avançadas, as acelerações devem-se quase sempre a factores externos e nem sempre são virtuosas.
Na UE, todos os novos Estados membros passaram por um período de rápido crescimento económico nos anos que se seguiram à integração. Tal deve-se a três motivos principais: a abundância de fundos de coesão, a liberalização dos movimentos financeiros internacionais e os fluxos de investimento estrangeiro (que exploram as novas oportunidades de investimento e de produção a baixos custos).
Isto aconteceu também a Portugal na década e meia que se seguiu à entrada na então CEE, em 1986. A este nível, Portugal não compara nada mal com os oito países da Europa de Leste que aderiram à UE em 2004: destes, só a Polónia teve uma taxa anual de crescimento superior à portuguesa nos 15 anos posteriores à integração europeia (ver gráfico).
O problema vem depois – e não é por acaso. À medida que os rendimentos médios aumentam, o montante de fundos europeus diminui e as vantagens competitivas associadas aos baixos custos também. Os fluxos de financiamento externo invertem-se, então: se no início o capital entra para emprestar a juros baixos e investir em diferentes actividades, na fase seguinte o capital sai sob a forma de lucros, juros e amortização dos empréstimos entretanto contraídos.
Quem julga que os elevados ritmos de crescimento dos países de Leste se vão manter ad eaternum enquanto a economia portuguesa estagna não presta muita atenção à história do crescimento económico.
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#2. Os países de Leste tinham condições para crescer que nada têm que ver com “medidas liberais”
A direita defende que o rápido crescimento dos países do Leste europeu se deve a políticas liberais, em particular impostos baixos e um Estado de dimensões reduzida. Qualquer explicação para o crescimento económico que se baseia num único factor é de desconfiar – se assim fosse, os economistas não andavam há 250 anos a tentar compreender o fenómeno. Neste caso concreto, a explicação apresentada esquece alguns dos elementos essenciais.
A ideia de que os países de Leste tinham menos condições do que Portugal para crescer é simplesmente errada. Se há coisa que se sabe sobre o crescimento económico é que este tende a beneficiar muito das qualificações das pessoas – e os países de Leste têm desde há muitas décadas os níveis mais elevados de educação entre as nações europeias.
Outro facto bem conhecido dos processos de crescimento diz respeito à importância do perfil de especialização dos países. E, ao contrário do que muitos sugerem, as economias que mais têm crescido no Leste europeu não eram pouco desenvolvidas: uma década antes de aderirem à UE (ou seja, quando ainda estavam na transição para o capitalismo), países como a Estónia, a Eslovénia, a República Checa, a Eslováquia e a Polónia tinham já um perfil de exportação mais sofisticado do que o de Portugal (ver outro gráfico, sobre o índice da complexidade económica da Universidade de Harvard, roubado ao Guilherme Rodrigues).
Às vantagens na educação e ao perfil de especialização, alguns países do Leste somam a proximidade histórica e geográfica a economias muito mais avançadas, de cuja força tendem a beneficiar. Os casos mais óbvios são a República Checa (que se tornou uma extensão da indústria transformadora alemã) e a Estónia (que se tornou um prolongamento da economia finlandesa).
Ignorar todos estes factores – o impacto da integração europeia, os níveis de educação e de sofisticação tecnológica de partida, ou a proximidade a economias mais avançadas – para insistir na tese da abordagem liberal como factor de sucesso económico, só pode ser resultado de ignorância ou má fé.
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#3. A estagnação económica em Portugal nada tem a ver com a “falta de liberalismo”
Falar em falta de liberalismo em Portugal como estando na origem da estagnação económica é um contrassenso. A “agenda liberal” tem estado bem presente nas políticas seguidas por sucessivos governos ao longo das últimas décadas. Nos últimos 30 anos:
• privatizou-se quase tudo o que havia para privatizar em Portugal: empresas industriais, bancos, seguradoras, empresas de transportes e de energia, até o tratamento de resíduos;
• liberalizou-se o sistema financeiro e a circulação de capitais;
• desregulamentaram-se por três vezes as leis do trabalho, facilitando os despedimentos, os horários flexíveis e os contratos atípicos;
• abriram-se as portas aos privados na saúde e na educação;
• abdicou-se de uma moeda própria, deixando o financiamento do Estado nas mãos de especuladores privados internacionais.
Neste contexto, dizer que o mau desempenho da economia portuguesa nas últimas décadas se deve a falta de "liberdade económica" e ao excesso de intervenção do Estado, faz mesmo muito pouco sentido.
Para além disso, ignora aspectos cruciais para perceber a estagnação da economia portuguesa, como sejam:
• o processo de endividamento privado, decorrente da liberalização financeira e dos erros de supervisão bancária;
• os choques competitivos associados à entrada da China na OMC e o ao alargamento a Leste;
• a forte apreciação do euro face ao dólar até 2008; ou
• a forma desastrosa como as lideranças europeias lidaram com a crise da zona euro entre 2010 e 2012.
Só por indigência ou desonestidade intelectual se podem ignorar todos estes factores quando se explica a evolução da economia portuguesa nas últimas décadas.
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#4. Baixar os impostos e esperar que chova não nos vai salvar
Dificilmente um mau diagnóstico dá origem a uma boa prescrição. Quem tem uma má explicação para a estagnação da economia portuguesa não terá boas soluções para a resolver.
Os partidos da direita acreditam tanto que o fraco crescimento relativo de Portugal se deve à “falta de liberdade económica” que a sua receita para o crescimento é pouco mais o que baixar os impostos, reduzir os custos de contexto e esperar que chova.
O pressuposto é de que o crescimento depende do investimento privado e que o investimento privado depende dos custos de fazer negócios – custos fiscais, laborais, administrativos e outros.
É óbvio que nenhuma economia atrai investimento se as condições de fazer negócios forem miseráveis. Mas essa não é a situação de Portugal. Em nenhum dos domínios referidos Portugal apresenta indicadores muito distintos da média europeia. O conhecimento existente não nos permite afirmar que a redução dos impostos traria mais crescimento. Quanto à redução dos salários ainda menos: o seu impacto na procura interna seria imediato, enquanto o seu efeito na competitividade da maioria dos sectores exportadores seria residual.
É possível e necessário melhorar muitos aspectos que afectam a vida das empresas: os custos da energia, alguma burocracia excessiva, a lentidão da justiça, entre outros. Mas estes problemas estão identificados há muito tempo e têm vindo a melhorar. Exija-se que melhorem ainda mais, claro, mas não se espere que venha daqui um salto qualitativo da economia portuguesa.
Os principais entraves ao crescimento económico em Portugal são, em primeiro lugar, o perfil de especialização produtiva (baseado em actividades de baixo valor acrescentado e que enfrentam fortes pressões da concorrência externa) e, em segundo lugar, o elevado endividamento externo (que leva a que uma parte importante dos rendimentos gerados todos os anos seja canalizado para o exterior).
Em quaisquer circunstâncias, seria sempre difícil ultrapassar estes obstáculos. No contexto português actual, estas dificuldades são acrescidas pelo facto de o país não dispor de instrumentos de política económica que outros usaram no passado – como a política monetária e cambial ou a política de comércio externo – estando o uso de outros instrumentos muito limitado pelas regras da UE (como a política orçamental, as empresas públicas ou as compras públicas).
Mais uma vez, só por indigência ou desonestidade intelectual se pode afirmar que todas estas dificuldades se resolvem aumentando a “liberdade económica”.
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#5. Se a história nos ensina alguma coisa é que é preciso mais – e não menos – intervenção pública
A direita defende a redução da presença do Estado na economia, vendo-a como um problema e não como parte da solução. Também este discurso é simplista. Na verdade, o Estado está sempre presente – como produtor, regulador, comprador ou prestador de serviços – e é sempre indispensável.
O que distingue a direita liberal é a noção de que o Estado deve manter uma distância higiénica das empresas privadas, limitando-se a regulá-las de forma a promover a concorrência (ou simulá-la, quando ela não pode existir). Mas a história do desenvolvimento económico mostra-nos que a mudança estrutural e o reforço das capacidades produtivas dos países exigiram sempre um Estado muito mais interventivo, contribuindo activamente para a acumulação de conhecimentos e competências, e apoiando de forma estratégica sectores que se revelavam em cada contexto mais promissores. Isto aconteceu em países com regimes políticos muito distintos, em circunstâncias históricas diversas. É esta a história da Inglaterra da dinastia Tudor, dos EUA desde a independência até hoje, da Alemanha, da Coreia do Sul, do Taiwan, da China e de tantos outros.
O problema de Portugal hoje não é Estado a mais nem Estado a menos. O problema é ninguém parecer saber muito bem o que fazer com o Estado e como – e aqui o problema não é só da direita. Mas isso fica para outra ocasião.
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