De Nuno Teles uma importante reflexão sobre o Euro
"O Euro começou a circular em Portugal há 20 anos e o seu aniversário foi quase ignorado pela generalidade da imprensa portuguesa e europeia. A moeda única impôs um colete de forças monetário e orçamental aos Estados mais pobres que a ela aderiram. Depois da euforia inicial, da crise e da austeridade, porque desapareceu o Euro do debate público?
Acriação do Euro como unidade de conta europeia data de 1999, mas foi há vinte anos que, com pompa e cirscunstância, as moedas e notas começaram a circular. Curiosamente, os vinte anos da moeda única foram quase ignorados pela generalidade da imprensa europeia. O caso é ainda mais estranho em Portugal, um dos países mais afectados pela crise do euro, com eleições legislativas a 30 de janeiro, onde as questões económicas são normalmante parte do debate.
A ausência de discussão sobre o euro é, aliás, sintoma de uma quase ausência das questões europeias nestas eleições. O debate político ignora os limites impostos por Bruxelas e Frankfurt, o que resulta num necessário empobrecimento. A análise das possibilidades de país que queremos não pode deixar de lado o papel histórico do euro na sociedade portuguesa e os caminhos que, a partir dele, se desenham no futuro próximo.
VINTE ANOS DE ESTAGNAÇÃO
Num recente debate eleitoral, António Costa, quando confrontado com a estagnação da economia portuguesa nos últimos vinte anos, respondeu: “a história explica”. António Costa tem razão, embora se tenha poupado a elaborar esta hipótese genérica. A história da integração monetária é central para entender a estagnação da economia portuguesa nos últimos vinte anos, mas para isso temos que recuar não vinte, mas trinta anos, aquando da assinatura do Tratado de Maastricht em 1992. Este tratado estabeleceu o roteiro para a União Monetária Europeia (UEM).
Com a liberalização dos mercados financeiros e a segurança que a UEM dava ao capital internacional, a recém-privatizada banca portuguesa conseguiu endividar-se nos mercados europeus.
Pacto de Estabilidade e Crescimento (acordo que tinha complementado os critérios de Maastricht, no final da década de noventa), obrigando a um progressivo corte do investimento público, tendo caído de 5% do PIB, em 2001 para pouco mais de 3%, em 2007.
Esta quebra naturalmente conduziu a uma equivalente quebra do investimento privado, sobretudo no sector da construção e imobiliário, agora condenado a um longo período de estagnação, que só não se traduziu em crise dado o contínuo acesso ao endividamento, nacional e internacional, que o euro possibilitava. A crise financeira de 2008-09 veio por fim à bóia do endividamento que permitia colocar à tona a economia portuguesa.
CRISE DO EURO
Os problemas estruturais da economia portuguesa e da restante periferia europeia provocados pela adesão ao euro tornaram-se salientes em 2011. Depois do momento “keynesiano”, em 2009-10, de aumento da despesa pública como forma combater os efeitos da estrondosa crise financeira em Wall Street, os mercados financeiros internacionais começaram a desconfiar da capacidade de pagamento dos países sobreendividados de uma zona euro sem orçamento próprio redistributivo relevante e sem um banco central que assegurasse o financiamento dos Estados no combate à crise.
As atenções viraram-se para os países mais frágeis, do Sul da Europa, com um endividamento externo acumulado (público e privado) extraordinário, agora impedidos de se refinanciar nos mercados financeiros.
Neste cenário, embora a banca tenha beneficado do crédito do Banco Central Europeu para não “esbarrar no muro”, como um então banqueiro português qualificava a situação, os Estados não beneficiaram da mesma generosidade. O diagnóstico dominante da crise eximia a UEM, na sua arquitectura, de qualquer responsabilidade. O problema do endividamento externo teria sido provocado pela irresponsabilidade salarial e por uma intervenção excesssiva do Estados periféricos na economia, que não permitia aos mercados equilibrarem-se face a choques como o da crise de 2008-09. Isto com uma boa pitada de xenofobia, dirigida aos irresponsáveis povos do Sul que trabalhariam pouco e mal.
A par da austeridade orçamental, cortar salários, promover a reforma laboral e reduzir apoios sociais seriam a única forma de promover a necessária desvalorização interna e, assim, aumentar da competitividade externa. Esta foi, pois, uma oportunidade para, ao abrigo de acordos condicionais para empréstimos oficiais, sujeitar as economias periféricas a um programa de liberalização de mercados, privatização e austeridade, para o qual a UE não tinha antes qualquer legitimidade.
A execução dos programas foi, no curto-prazo, um sucesso político, mas um desastre económico e social para os países que o empreenderam. A quebra na procura condenou os países do Sul a uma pronunciada contração da actividade económica, com aumento brutal do desemprego e da pobreza. O efeito financeiro de curto de prazo foi, pois, um aumento do endividamento destes países em percentagem do PIB, abrindo a possibilidade do não pagamento da dívida e consequente saída do euro. Combinado com um aumento demasiado precoce das taxas de juro para toda a Zona Euro, toda a União Europeia caiu em nova recessão em 2012. A viabilidade do Euro parecia em risco, com os mercados financeiros a apostarem crescentemente na saída de um ou mais países.
Se a instabilidade económica e social do Sul da Europa foi ignorada pela UE, o mesmo não aconteceu com a instabilidade financeira. O BCE empreendeu um programa de empréstimos de longo-prazo a taxas de juro perto do zero à banca europeia. A medida mostrou-se insuficiente. A crise tinha mostrado que a moeda era única, mas os bancos nacionais, estavam dependentes de cada Estado de origem nos seus resgates e aumentos de capital. (...)
https://setentaequatro.pt/ensaio/vinte-anos-de-euro-historia-explica
Sem comentários:
Enviar um comentário