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13 de março de 2018

Os motores do crescimento portugiuês

Alexandre Abreu
Ficámos recentemente a conhecer os dados preliminares das Contas Nacionais relativos a 2017. Esses dados permitem-nos fazer um primeiro balanço em relação a como evoluíram na primeira metade da actual legislatura as componentes do produto – consumo privado, consumo público, investimento, exportações e importações – e de que forma contribuíram para o crescimento nestes dois anos, que foi, em termos reais, de 1,6% em 2016 e 2,7% em 2017.

A este propósito, voltou a ganhar vigor um debate que vem grassando há algum tempo acerca de qual tem sido o verdadeiro motor do crescimento da economia portuguesa. Em causa está saber até que ponto é que o crescimento tem assentado mais na procura interna ou na procura externa, mais no consumo ou mais no investimento. A questão não é meramente analítica mas também claramente política: na impossibilidade de argumentar que a política económica deste governo não tem produzido bons resultados, uma parte da direita passou a afirmar que o sucesso verificado se deveu ao governo ter feito o contrário do que anunciara, seguindo uma política económica “de direita” e apostando no investimento e nas exportações em detrimento do consumo privado.


A controvérsia é alimentada adicionalmente por uma questão técnica. É que, das componentes que referi em cima, quatro contribuem positivamente para o PIB mas uma (as importações) contribui negativamente, não havendo consenso relativamente à forma mais correcta de considerar esta última. O INE, por exemplo, agrupa as importações juntamente com as exportações para calcular a procura externa líquida. Já o Banco de Portugal considera que o consumo público e privado, o investimento e as exportações têm todos uma parte importada e por esse motivo “distribui” as importações por cada uma das outras componentes, de modo a aferir o contributo líquido destas. É devido a esta diferença de metodologia que o INE pôde concluir, no Destaque recentemente distribuído e citado nos jornais, que a procura externa líquida teve um contributo negativo (-0,2%) para o crescimento do ano passado, ao passo que o Banco de Portugal, no mais recente Boletim Económico (Dezembro de 2017), projectava para 2017 contributos positivos da procura interna e externa de 1,1% e 1,5% respectivamente. E é também por isso que o Fórum para a Competitividade, um think tank de direita, tem criticado o INE por apresentar os dados do PIB “de forma enganadora, (...) levando os decisores políticos a cometer erros muito graves, de privilegiar a procura interna, quando a chave do crescimento está nas exportações”.


No que diz respeito à metodologia, neste caso são o Banco de Portugal e o Fórum para a Competitividade, e não o INE, quem tem mais razão. Não faz sentido imputar a totalidade das importações às exportações e concluir que a procura externa teve um contributo menor ou negativo para o crescimento, quando boa parte do aumento das importações se deveu à expansão da procura interna e não teve nada a ver com as exportações.

Mas a razão da direita fica-se por aqui. É que se alguma coisa os dados dos dois últimos anos mostram é que o crescimento robusto se deveu tanto à procura interna como às exportações, não havendo contradição ou rivalidade entre uma coisa e a outra.
Olhando para os dados das contas nacionais agora disponibilizados, vemos que, no conjunto dos dois anos, o consumo e as exportações tiveram contributos brutos (isto é, não deduzindo as importações) relativamente idênticos para o crescimento verificado: 41% e 46%, respectivamente. Os restantes 13% vieram do investimento, principalmente em 2017. A questão técnica de como passar daqui para os contributos líquidos pode ser discutida, mas será sempre mais favorável à procura interna, visto que é geralmente reconhecido que as exportações têm um maior conteúdo importado do que as outras componentes. A conclusão é, portanto, que o crescimento dos dois últimos anos não teve um motor único, mas sim dois: a procura interna e a procura externa, com contributos relativamente semelhantes. Sem uma ou a outra, o crescimento teria sido muito menor do que foi.

Porém, ainda mais importante do que isso é a conclusão, inegável, que a política de valorização de salários e pensões não só não impediu o crescimento vigoroso do investimento e das exportações, como muito provavelmente foi decisiva para restaurar a confiança que impulsionou o investimento. A direita está errada quando alega que estes resultados validam a sua estratégia. É exactamente o contrário: são uma refutação categórica das ideias de desvalorização interna e austeridade expansionista que durante anos assombraram o debate público.



Adenda - cálculos:

Os valores referidos em cima têm por base os dados anuais nominais das Contas Nacionais recentemente publicado pelo INE e disponíveis aqui (ficheiro A.1.2.5.1, o primeiro da lista). Neles verificamos que o consumo público e privado (C+G), o investimento (I), as exportações (X), as importações (M) e o PIB (C+G+I+X-M) apresentaram os seguintes valores em 2015, 2016 e 2017 (em milhões de Euros): 


C+G
I
X
M
C+G+I+X
PIB (C+G+I+X-M)
2015
150,310.6
28,451.5
72,647.6
71,600.6
251,409.7
179,809.1
2016Po
154,697.8
28,718.1
74,436.3
72,358.3
257,852.3
185,494.0
2017Pe
159,685.1
31,471.0
83,227.2
81,261.4
274,383.3
193,121.9

A partir destes dados, podemos calcular a variação absoluta de cada uma destas componentes entre 2015-2016, 2016-2017 e no biénio 2015-2017:


C+G
I
X
M
C+G+I+X
PIB (C+G+I+X-M)
Variação 2015-2016
4,387.3
266.6
1,788.8
757.7
6,442.6
5,684.9
Variação 2016-2017
4,987.3
2,752.9
8,790.8
8,903.0
16,531.0
7,627.9
Variação 2015-2017
9,374.5
3,019.5
10,579.6
9,660.8
22,973.6
13,312.8

E a partir daqui calculamos o peso relativo da variação de (C+G), I e X, respectivamente, na variação total de C+G+I+X, i.e., nas componentes positivas do PIB. Não deduzir as importações equivale a distribuí-las proporcionalmente pelas componentes positivas, i.e., assumir que têm idênticos conteúdos importados em termos relativos, o que, quando muito, favorece as exportações, que habitualmente têm maior conteúdo importado. Os resultados são os seguintes:


C+G
I
X
C+G+I+X
Var. 2015-2016 (%)
68.1%
4.1%
27.8%
100.0%
Var. 2016-2017 (%)
30.2%
16.7%
53.2%
100.0%
Var. 2015-2017 (%)
40.8%
13.1%
46.1%
100.0%

De onde se conclui que o contributo do consumo para o crescimento durante os primeiros dois anos da legislatura foi de 41%, o do investimento foi de 13% e o das exportações foi de 46%, tal como referido no texto. Vemos também que as contribuições relativas se alteraram bastante do primeiro ano para o segundo, mas isso não se deveu ao consumo ter tido um contributo absoluto menor no segundo ano (se olharmos para a primeira coluna da segunda tabela, vemos que esse contributo foi até um pouco maior). O que aconteceu foi que em 2017 tanto as exportações como o investimento tiveram crescimentos extraordinários, que fizeram com que um crescimento semelhante do consumo tivesse um peso relativo menor. E o mais importante de tudo, como referi no texto, é que estes aumentos extraordinários das exportações e do investimento não só não foram impedidos pela devolução de rendimentos como, especialmente no caso do investimento, foram muito provavelmente impulsionados por ela. Blog Ladrões de Bicicletes .

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