NO dia 7 de dezembro, o HTS e a Turquia tomaram a prisão de Saïdnaya. A prisão de Saïdnaya foi um dos principais alvos da propaganda de guerra, que a apelidou de “matadouro humano”. Afirma-se que milhares de pessoas foram aí torturadas e executadas e que os seus cadáveres foram incinerados num crematório. Durante três dias, os Capacetes Brancos, uma ONG que que participou em massacres, vasculharam a prisão e os seus arredores à procura de passagens subterrâneas secretas, câmaras de tortura e um crematório. Infelizmente, não encontraram provas dos crimes que tinham denunciado. No final, a jornalista Clarissa Ward encenou para a CNN a libertação de um prisioneiro que não via a luz do dia há três meses, mas que estava limpo, bem vestido e com as unhas aparadas [9].
As acusações de tortura e de execuções sumárias são tanto mais difíceis de suportar quanto Bashar al-Assad emitiu instruções em 2011 proibindo todas as formas de tortura, criou um Ministério da Reconciliação Nacional encarregado de reintegrar os sírios que se juntaram aos jihadistas e aplicou amnistias gerais cerca de quarenta vezes.
A 8 de dezembro, o presidente Bashar al-Assad ordenou aos seus homens que depusessem as armas. Damasco caiu sem um único golpe. Os jihadistas desfraldaram imediatamente cartazes impressos com antecedência e afixaram o símbolo do novo regime nos seus uniformes. O antigo combatente da Al-Qaeda, depois número 2 do Daesh, Abu Mohammed al-Jolani, cujo verdadeiro nome é Ahmad el-Shara, tomou o poder. Rodeado de conselheiros de comunicação britânicos, faz um discurso na Grande Mesquita Umayyad, inspirado no discurso do califa do Daesh, Abu Bakr al-Baghdadi, na Grande Mesquita Al-Nuri, em Mossul, em 2019.
O HTS trata atualmente os cristãos como mustamin (classificação islâmica para estrangeiros não muçulmanos que residem de forma limitada em território muçulmano), poupando-os ao pacto dhimmi (uma série de direitos e deveres reservados aos não muçulmanos) e ao pagamento do imposto jizya.
Em setembro de 2022, pela primeira vez numa década, realizou-se uma cerimónia em honra de Santa Ana na igreja arménia de al-Yacoubiyah, na zona rural de Jisr al-Shugur, a oeste de Idlib.
Três mil soldados do Exército Árabe Sírio exilam-se no Iraque. São desarmados e alojados em tendas no posto fronteiriço de Al-Qaim, sendo depois transferidos para uma base militar em Rutba. Bagdade anunciou que estava a tentar obter garantias de que poderiam regressar a casa [10].
As Forças de Defesa de Israel (FDI) lançaram uma operação para destruir os equipamentos e as fortificações do Exército Árabe Sírio. Em quatro dias, 480 bombardeamentos afundaram a frota e incendiaram os arsenais e os armazéns. Ao mesmo tempo, equipas terrestres assassinaram os principais cientistas do país.
Depois de mostrar aos jornalistas as fortificações sírias vazias ao longo da costa, Benny Kata, um comandante militar local, disse aos seus convidados: “É evidente que vamos ficar aqui durante algum tempo. Estamos preparados para isso.”
As FDI já estão a invadir a Síria um pouco mais longe, para além da linha de cessar-fogo nos Montes Golã, que ocupam. Anunciam a criação de uma nova zona tampão em território sírio, para proteger a atual zona tampão, em suma, para a anexar. Anexaram também o Monte Hermon para poderem vigiar toda a região.
A 9 de dezembro, o general Michael Kurilla, comandante-em-chefe das forças americanas no Médio Oriente Alargado (CentCom), deslocou-se a Amã para se encontrar com o general Yousef Al-H’naity, presidente do Estado-Maior jordano. Reafirmou o empenhamento dos Estados Unidos em apoiar a Jordânia caso surjam ameaças provenientes da Síria durante o atual período de transição.
No dia 10 de dezembro, o general Michael Kurilla visitou as suas tropas e as das Forças Democráticas Sírias (mercenários curdos) em várias bases na Síria. Concebeu um plano para garantir que o Daesh não saísse da zona que lhe foi atribuída pelo Pentágono e não interferisse na mudança de regime em Damasco. Os bombardeamentos intensos impediram imediatamente a aproximação do Daesh.
O HTS nomeou Mohammed al-Bashir, antigo “governador” jihadista de Idlib, como primeiro-ministro do novo regime. É membro da Irmandade Muçulmana, patrocinada pelo MI6 britânico. A França, que tinha negociado a nomeação de Riad Hijab (antigo secretário do Conselho de Ministros em 2012) com o seu enviado especial, Jean-Yves Le Drian, apercebeu-se de que tinha sido enganada.
Nessa mesma noite, já não estava em causa a possibilidade de Jean-Yves Le Drian se tornar primeiro-ministro de França. Em vez disso, o Eliseu convidou o procurador antiterrorista de Paris a aparecer no noticiário da France 2. Este pôs fim à aclamação do novo poder em Damasco e lamentou o facto de o HTS ter estado envolvido no assassinato do professor francês Samuel Patty (2020) e no massacre de Nice (86 mortos, em 2016). A imprensa francesa mudou de tom e começou a questionar o novo poder que a imprensa internacional continuava a apresentar como respeitável.
A 11 de dezembro, as principais facções palestinianas presentes na Síria (Frente de Libertação da Palestina, Frente Democrática para a Libertação da Palestina, Movimento Jihad Islâmica, Frente de Luta Popular Palestiniana e Comando Geral) reuniram-se em Yarmouk (Damasco) na presença de delegados do HTS (Departamento de Operações Militares). A Fatah e o Hamas não participaram na reunião. Foi-lhes pedido que fizessem a paz com o seu aliado israelita. Foi decidido que nenhuma fação teria um estatuto privilegiado e que todas seriam tratadas em pé de igualdade. Cada grupo comprometeu-se a depor as armas.
O general Michael Kurilla deslocou-se sucessivamente ao Líbano e a Israel durante três dias. Em Beirute, encontrou-se com o general Joseph Aoun, comandante das forças armadas libanesas, e sobretudo com o seu colega, o general americano Jasper Jeffers III. Em Telavive, encontrou-se com todos os chefes de Estado-Maior israelitas e com o ministro da Defesa, Israel Katz. Afirmou:
A minha visita a Israel, bem como à Jordânia, à Síria, ao Iraque e ao Líbano nos últimos seis dias, sublinhou a importância de ver os desafios e as oportunidades actuais através dos olhos dos nossos parceiros, dos nossos comandantes no terreno e dos nossos militares. Precisamos de manter parcerias fortes para enfrentar as ameaças actuais e futuras à região.
A 12 de dezembro, Ibrahim Kalin, diretor da Organização Nacional de Informações Turca (Millî İstihbarat Teşkilatı – MIT), é o primeiro alto funcionário estrangeiro a visitar o novo poder em Damasco. No mesmo dia, os mercenários curdos, que administram o nordeste da Síria para o exército de ocupação norte-americano, içam a nova bandeira verde, branca e preta de três estrelas do país, a do mandato francês. Kalin será seguido, a 15 de dezembro, por uma delegação do Catar.
Para validar as acusações de tortura contra o antigo regime, Clarissa Ward, definitivamente em forma, encena para a CNN cadáveres encontrados na morgue de um hospital de Damasco, tal como a mesma CNN tinha encenado os de uma morgue em Timisoara durante o derrube do regime de Ceausescu em 1989 [11].
Entretanto, de acordo com as Nações Unidas, mais de um milhão de sírios estão a tentar fugir do seu país. Não acreditam que os jihadistas do HTS se tenham tornado subitamente civilizados.
Fonte aqui.
Sem comentários:
Enviar um comentário