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6 de junho de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO – 20.3 – DIVIDAS III – O processo neocolonial em curso (O PNEC)

Na antiguidade o cidadão livre podia ser reduzido à escravatura pelas suas dívidas. Actualmente as instituições financeiras internacionais (IFI) procedem desta forma para nações inteiras: é como se em benefício da finança especuladora que lançou os países na crise e no empobrecimento lhes sejam aplicadas as leis de Hamurabi ou de Dracon.
A dívida transforma-se, pois, num processo de dependência neocolonialista que as IFI se encarregam de gerir. As IFI que deveriam regular o sistema financeiro e prevenir as crises, nada previram, colaboraram activamente no seu desencadear: em 2006 o FMI assegurava que o crescimento económico mundial se iria manter e as agências de notação financeira davam classificações máximas a bancos que iriam falir pouco depois.
Os maiores bancos mundiais venderam biliões de dólares (triliões americanos) de produtos derivados fraudulentos. Constituíram-se, como organismos de fraude financeira organizada. Os planos de resgate e as “ajudas” tipo FMI são a forma de transferir valor para os que originaram a crise financeira e afundaram a economia. A especulação criou contas de milhares de milhões a partir do nada, dominou a sociedade através das privatizações de sectores estratégicos e contratos milionários com os Estados, fosse em infraestruturas, fosse na indústria militar.
A dívida federal dos EUA atingiu a bela soma de 14,3 biliões de dólares. Pagando 10 milhões de dólares por dia demorariam 3 900 anos para a saldar – sem juros - porém em 2010 o défice federal cresceu: 1, 58 biliões de dólares, ou seja os EUA precisaram de 4 300 milhões de dólares por dia …que no entanto as famigeradas agências de rating classificam com a notação máxima de AAA.
A economia dos EUA comporta-se como um “buraco negro”, que, como se sabe, em astronomia é um corpo celeste que tem a particularidade de absorver toda a energia e matéria na sua zona de influência. É o que falta ao resto do mundo. Esta absorção de capital financeiro vai ser empregado para entregar às empresas monopolistas, salvar bancos falidos, assegurar o prosseguimento da especulação e para as despesas militares.
O pagamento das dívidas é pois uma ficção que serve de instrumento neocolonial para atingir os países mais fracos economicamente através de uma absurda pressão sobre montantes de dívida irrisórios face aos abissais défices dos países dominantes (ver Dividas – II).
A manipulação das taxas de juro no interesse dos países dominantes (ah! os mercados…) conduziu a que os países em desenvolvimento (PED) passassem a sua dívida externa de 70 mil milhões de dólares em 1970 para 520 em 1980, atingindo em 2009 3 545 mil milhões (1). Para este processo contribuíram igualmente conspirações e golpes de estado apoiados do exterior, eliminando dirigentes progressistas que pretendiam seguir uma via de desenvolvimento independente, colocando no poder gente corrupta com máscara de democratas e cruéis ditaduras a mando dos interesses imperialistas.
O dinheiro correu então facilmente a juros baixos. Na América Latina, nos anos 70 houve taxas reais muito baixas, mesmo negativas. Quando a dívida tinha crescido o suficiente passou em termos reais para 27,5% em 1981, e 17,4% em 1983. Este procedimento tem de facto analogias com o que o crime organizado utiliza para a difusão das drogas ilícitas. Neste caso, os seus defensores foram em vários casos galardoados com prémios internacionais de economia…
Desde a década de 60 até ao início do século XXI os bens primários exportados pelos PED não deixaram de baixar. Em nome da “modernidade” e das vantagens comparativas (tema 5) foram desincentivados de prosseguirem políticas de desenvolvimento equilibrado e sustentável. Ao serviço destas políticas os ditadores e seus sicários acumularam fortunas imensas algumas da ordem das dívidas dos seus países.
Em 1980 o serviço de dívida dos PED era de 80 mil milhões de dólares, em 2009 este valor elevava-se a 536 mil milhões de dólares. Assim entre 1970 e 2009 os PED reembolsaram o equivalente a 110 vezes o que deviam, porém a sua dívida foi multiplicada por 50 vezes.
O processo de neocolonialismo faz-se ainda pela transferência de capitais sem controlo a bem da “livre concorrência”. Em 2009 as ajudas públicas e a remessa de emigrantes (trabalho semiescravo nos países ricos?) para os PED atingiram 363 mil milhões de dólares; porém o serviço de dívida e a transferência de lucros das transnacionais elevou-se a 417 mil milhões de dólares, isto é, mais 54 mil milhões de dólares. Graças às políticas de subserviência ao grande capital internacional, os depósitos bancários de cidadãos dos PED nos países ricos, foram avaliados em 2007 no montante de 2,38 biliões de dólares. É a outra face do mecanismo de exploração que impõe medidas de austeridade sobre as populações que “consomem acima dos seus meios”.
Há algo camuflado na questão das dívidas. Comparemos a dívida dos PED com as dívidas dos chamados países ricos em 2009: Dívidas públicas dos países ricos – 40 biliões de dólares (40x1012), dos quais: EUA – 13,8 biliões; Zona Euro: 9,4 biliões; Reino Unido – 1,4 biliões; Dívida total dos EUA 53,3 biliões de dólares. Considerando apenas as dívidas públicas externas: EUA – 3,5 biliões de dólares; França – 1,2 biliões; PED – 1,46 biliões. Porém os “mercados” (!) só atacam com as economias mais frágeis…Dir-se-ia que seguem as tácticas dos predadores na selva.
Em 167 AC a Grécia tornou-se um protetorado romano; em 146 AC tornou-se província romana. Hoje a Grécia, cuja independência data de 1832, não terá mais autonomia que sob o domínio romano. Portugal vai pelo mesmo caminho.
É para este futuro que o partido único neoliberal, ao qual a “esquerda moderna” aderiu – alegremente…- encaminha Portugal. É assim que, à falta de argumentos, a defesa consequente da soberania nacional é qualificada como de “extrema-esquerda”. O ridículo não mata, podia pelo menos pagar imposto
1 – Os dados que apresentamos seguidamente são retirados de “Les chiffres de la dette 2011" autores: Damien Millet, Daneil Munevar, Éric Toussaint (www.cadtm).
A seguir – Economia de sucesso

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