O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO – 23.1 – SALÁRIO DE SUBSISTÊNCIA - I
A noção de salário de subsistência aparece agora de forma recorrente devido às imposições - e imposturas – do neoliberalismo e correspondente submissão à finança internacional e seus agentes.
O salário de subsistência corresponde ao necessário para manter e reproduzir a força de trabalho e tem um conteúdo histórico e social. Isto é, o salário de subsistência não será o mesmo em Portugal, na Bélgica, na Suíça, na Índia ou no Brasil. O salário de subsistência não é, pois, o mínimo fisiológico para um trabalhador se manter vivo e operacional, durante um certo tempo. Isto estaria ao nível do campo de trabalhos forçados. Nem na escravatura será este o paradigma que se verifica. E dizemos “verifica”, pois, como a seu tempo veremos, a escravatura ainda existe.
O salário de subsistência consistirá no necessário para vestir, alimentar, alojar adequadamente um casal de trabalhadores e no mínimo – para garantir a reprodução da força de trabalho – os seus dois filhos. Tem além disso em conta hábitos sociais de consumo ou lazer que se transformaram em necessidades. “É totalmente indiferente se do ponto de vista fisiológico um meio de consumo é necessário ou não, basta que em conformidade com o hábito um tal meio de consumo se torne necessário” (Marx).
Um outro aspecto a considerar é que na medida em que se reduzem as prestações e os direitos sociais o salário terá de ser mais elevado para o mesmo nível de existência. É o caso dos custos com a saúde, educação, transportes (existência e facilidade de transportes públicos), etc. A própria segurança no emprego e na terceira idade importa, sendo necessário que o trabalhador caso não disponha desses direitos, tenha o necessário para garantir justamente a sua manutenção e a da sua família em previsíveis condições futuras. Consideremos por exemplo, um casal de operários, o salário conjunto, no caso de ambos trabalharem, deveria corresponder ao necessário para a existência de aparelhagens e de contratações para a facilitação e a realização dos trabalhos domésticos, caso contrário a sua jornada de trabalho não seriam oito horas, mas ficaria ao nível do que havia no século XIX – e em muitos países neste século XXI, sob o efeito da globalização neoliberal que coloca trabalhadores e trabalhadoras ao nível da smiescravatura.
Falámos em reprodução da força de trabalho e num casal de operários. O seu salário deverá então corresponder à formação de dois novos operários? As coisas não podem passar-se exactamente assim. Isto seria verdade numa sociedade sem desenvolvimento tecnológico e sem crescimento, isto é, de reprodução económica simples e não de reprodução alargada. Nas condições de reprodução alargada e desenvolvimento tecnológico os filhos destes operários terão de ter em crescente proporção uma licenciatura ou no mínimo uma formação escolar mais alargada. O salário do casal terá portanto que permitir custear as despesas com esses estudos, que serão crescentes na medida em que se reduzem as prestações sociais.
Portanto a noção de salário de subsistência é tanto uma questão social como um importante elemento do desenvolvimento económico.
A afirmação de que “pobreza, gera pobreza” é, como se vê, assim justificada.
Não só em Portugal, mas genericamente na UE a generalidade dos jovens de hoje não dispõe, nem de salário nem segurança para constituir família, criar e manter adequadamente dois filhos. Vivem na dependência dos pais e na precariedade com salários de miséria. É assim que na UE em 2008 cerca de 46% dos jovens continuavam a viver em casa dos pais, apesar de mais de metade ter um emprego a tempo inteiro ou parcial. Em Portugal a percentagem de jovens entre os 18 e os 34 anos que viviam com os pais ronda os 59%. Além disto na UE o risco de pobreza dos jovens eleva-se a 15,7 % e 35,8 % dos jovens com emprego tinham contratos a prazo. Em Portugal esta percentagem ultrapassava os 50 por cento. Como se vê, a "flexibilidade” traduz-se pela redução das condições de subsistência.
Pela mão subserviente dos governos que se submetem à finança internacional – mesmo com o qualificativo de “socialistas” (1) os salários foram levados para níveis inferiores ao de subsistência. Esta a trágica realidade traduzida no “memorando de política económica” do FMI, BCE, CE para Portugal.
Não pode, infelizmente, ser mais oportuna esta passagem de F. Engels, na sua “Crítica ao Programa de Erfurt”, em 1891: “É possível que a organização dos trabalhadores e a sua resistência oponham uma certa barreira ao crescimento da miséria. Mas o que aumenta certamente (em capitalismo) é a incerteza da existência”.
1- Ver neste “dicionário” – tema 2 – “Socialismo do século XXI”
A seguir – Salário de Subsistência – II
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