J Lourenço
Basta de demagogia com a
devolução do IRS pelos municípios!
Com a
aproximação das eleições autárquicas regressa em força a campanha, com cartazes
e tudo, protagonizada pela direita (PSD/CDS), pelo PS e até mesmo pelo BE em
torno da defesa da devolução por parte dos municípios dos 5% de IRS liquidado
pelos respectivos munícipes, conforme previsto na Lei das Finanças Locais desde
2007.
De acordo com o
Jornal de Negócios do passado dia 12 de Junho serão 104 os municípios que
decidiram em 2017 prescindir de parte do IRS que constitui receita municipal,
para fazer essa devolução aos munícipes com IRS liquidado.
Dito desta
forma, parece pouco compreensível que haja tantos municípios que perante a
enorme carga fiscal que recai sobre as famílias e em especial as famílias de
trabalhadores e reformados, não usem essa faculdade que foi concedida pela Lei
a partir de 2007 para reporem alguma justiça fiscal, como dizia o legislador na
altura, o governo PS de então.
Vejamos então
porque razão se está perante mais uma medida que parecendo contribuir para uma
maior justiça fiscal, afinal contribui para o seu agravamento.
Se é verdade que
a nossa Constituição consagra o princípio de que «o regime das finanças locais
visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas Autarquias
e a necessária correcção das desigualdades», também é verdade que as sucessivas
revisões à Lei das Finanças Locais têm esvaziado esse conceito e antes têm
contribuído para a crescente subalternização e asfixia financeira das
autarquias locais.
Ora vejamos,
enquanto na Lei das Finanças Locais nº42/98 se determina que a repartição dos
recursos públicos entre o Estado e os municípios é obtida através da
participação destes nas receitas provenientes de impostos do Estado, num
montante equivalente a 30,5% da média aritmética simples da receita proveniente
dos impostos sobre rendimentos das pessoas singulares (IRS), sobre rendimentos
de pessoas colectivas (IRC) e sobre o valor acrescentado, já na Lei das
Finanças Locais nº2/2007 e na actual lei em vigor nº73/2013 essa participação
baixa para 19,5%, a que se somam 2% da média aritmética simples da receita
proveniente dos mesmos impostos para uma subvenção específica, determinada a
partir do Fundo Social Municipal (FSM) e cujo valor corresponde às despesas
relativas às atribuições e competências transferidas da administração central
para os municípios e ainda uma participação variável de 5% no IRS dos sujeitos
passivos com domicílio fiscal no município.
Somando as três
parcelas facilmente se conclui que a partir de 2007, os municípios viram a sua
participação nas receitas provenientes de impostos do Estado baixar entre 4
pontos percentuais de 30,5% para 26,5%, caso absorvessem na totalidade a
parcela dos 5% da participação variável no IRS e 9 pontos percentuais se
devolvessem na totalidade a parcela variável aos munícipes do seu concelho.
De uma assentada
e de forma demagógica o governo de então, PS, em vez de aumentar a justiça
fiscal reduzindo a carga fiscal que incidia sobre todas famílias, seja através
da redução do IRS, seja através do aumento das deduções fiscais por despesas de
saúde, educação ou habitação, seja através da redução do IVA sobre bens e
serviços essenciais, não apenas cortou de imediato em 4 pontos percentuais as
transferências para os municípios das receitas dos impostos cobrados pelo
Estado, o que representou cerca de 350 milhões de euros por ano de
transferências a menos, como pretendeu passar para eles o onús de poderem
contribuir para uma aparente maior justiça fiscal, reduzindo em contrapartida ainda
mais as suas receitas fiscais, de que carecem para cumprirem com as
competências que legalmente lhes estão consagradas.
Falo em aparente
maior justiça fiscal porque na verdade os municípios que decidem participar
nesta medida demagógica que é a devolução do IRS, não só não contribuem para
aumentar a justiça fiscal como antes agravam a injustiça fiscal no seu
município. Isto acontece porque a devolução de IRS apenas é feita aos agregados
familiares que procedem à liquidação de IRS, ou seja aos agregados familiares
que tendo pago IRS num determinado ano, no início do ano seguinte ao procederem
à entrega do seu IRS do ano anterior ou recebem parte do imposto que pagaram
antecipadamente porque pagaram mais do que deviam ou pagam a diferença no caso
contrário.
Todos os
agregados familiares que por terem rendimentos muito baixos não pagam IRS e são
mais de 50% da totalidade dos agregados familiares, não recebem qualquer
devolução deste imposto porque não pagaram e entre aqueles que recebem alguma
devolução, essa devolução é tanto maior quanto maior o imposto pago.
Desta forma as
famílias com rendimentos mais baixos continuam com rendimentos mais baixos e
aquelas que têm rendimentos mais elevados e por isso pagam IRS, vêem o seu
município devolver-lhe parte desse rendimento.
A injustiça
fiscal aumenta directamente e a injustiça social aumenta indirectamente nestes
municípios, directamente a injustiça fiscal aumenta na medida que se aumentam
os rendimentos dos agregados familiares que pagam IRS e outros mantêm o seu
rendimento inalterável e indirectamente a injustiça social aumenta porque os
municípios ao verem reduzidas as suas receitas fiscais, têm menos capacidade
para poderem investir em equipamentos sociais, educativos, culturais e outros,
de que todos os munícipes poderiam vir a beneficiar e a que os agregados
familiares com menos rendimentos só desta forma têm acesso.
Para termos uma
ideia dos valores em causa estes 5% do IRS, que devolvido na totalidade significam
em média pouco mais de 100 euros por agregado familiar com liquidação de IRS,
representam uma capacidade de investimento de 62 milhões de euros em Lisboa, de
21,4 milhões de euros no Porto, de 19 milhões de euros em Cascais, de 10
milhões de euros em Almada, de 9,8 milhões de euros em Loures, de 7,5 milhões
de euros no Seixal, de 2,3 milhões de euros no Montijo, etc..
É tudo isto que
está em causa quando apesar de todos os sucessivos cortes nas transferências
financeiras do Estado a que os municípios têm direito, ainda existem autarcas
que demagogicamente prometem proceder à devolução de IRS no seu município se
forem eleitos.
José Alberto
Lourenço
CAE, 14 Junho de
2017 Abril Abril
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