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9 de outubro de 2017

A coragem para normalizar a política monetária

Três salvas de palmas para os bancos centrais! Isto pode parecer estranho vindo de uma pessoa que há muito critica as autoridades monetárias mundiais. Mas aplaudo o compromisso há muito esperado da Reserva Federal dos EUA com a normalização dos juros e do seu balanço. Digo o mesmo em relação ao Banco de Inglaterra e aos sinais relutantes do Banco Central Europeu de que caminha nessa mesma direcção. O risco, contudo, é que estes movimentos não sejam suficientes e cheguem tarde demais. 

As políticas monetárias não convencionais dos bancos centrais - nomeadamente taxas de juro zero e compras massivas de activos - foram implementadas no pico da crise financeira de 2008-2009. Foi uma operação de emergência, para dizer o mínimo. Com as suas ferramentas políticas tradicionais quase esgotadas, as autoridades tiveram que ser excepcionalmente criativas para enfrentar o colapso nos mercados financeiros e uma implosão iminente da economia real. Os bancos centrais, ao que parece, não tiveram escolha senão optar pelas injecções maciças de liquidez conhecidas como "flexibilização quantitativa".

Esta estratégia impediu a queda livre nos mercados. Mas fez pouco para estimular uma recuperação económica significativa. As economias do G7 (Estados Unidos, Japão, Canadá, Alemanha, Reino Unido, França e Itália) cresceram a uma taxa média anual de apenas 1,8% no período pós-crise de 2010-2017. Isso é muito abaixo do crescimento médio de 3,2% registado em intervalos comparáveis de oito anos durante as duas recuperações da década de 1980 e 1990.

Infelizmente, os banqueiros centrais interpretaram mal a eficácia das suas políticas pós-2008. Agiram como se a estratégia que ajudou a acabar com a crise pudesse alcançar a mesma força na promoção de uma recuperação cíclica na economia real. Na verdade, duplicaram a aposta no cocktail de juros zero e crescimento do balanço.

E que grande aposta foi aquela. De acordo com o Banco de Pagamentos Internacionais, o valor total dos activos detidos pelos bancos centrais nas maiores economias avançadas (Estados Unidos, Zona Euro e Japão) subiu 8,3 biliões de dólares nos últimos nove anos, de 4,6 biliões em 2008 para 12,9 biliões em 2017.

No entanto, esta expansão maciça do balanço teve pouco reflexo. Ao longo do mesmo período de nove anos, o PIB nominal nessas economias aumentou em apenas 2,1 biliões de dólares. Isso implica uma injecção de excesso de liquidez de 6,2 biliões de dólares - a diferença entre o crescimento dos activos do banco central e o PIB nominal - que não foi absorvida pela economia real e que, em vez disso, está a espalhar-se nos mercados financeiros globais, distorcendo os preços dos activos em todo o espectro de risco.

A normalização é uma resolução há muito adiada dessas distorções. Dez anos após o início da Grande Crise Financeira, parece mais do que apropriado retirar as alavancas da política monetária das suas configurações de emergência. Um mundo em recuperação - por mais anémica que seja essa recuperação - não requer uma abordagem da política monetária semelhante à exigida pela crise.

As autoridades monetárias aceitaram isto com relutância. A geração actual de banqueiros centrais é quase religiosa no seu compromisso com as metas de inflação - mesmo no mundo sem inflação de hoje. Ainda que o pêndulo tenha oscilado entre acabar com a inflação elevada e evitar a deflação, a estabilidade dos preços continua a ser a condição sine qua non nos círculos dos bancos centrais.

A fixação com a inflação não é fácil de quebrar. Pude comprovar isso pessoalmente. Como economista da equipa da Fed na década de 1970, testemunhei em primeira mão o nascimento da Grande Inflação - e o papel desempenhado pelo inepto banco central na sua criação. Durante anos, se não décadas, depois dessa experiência, estive convencido de que uma inflação renovada estava ao virar da esquina.

A geração actual de banqueiros centrais posicionou-se, de forma determinada, no extremo oposto do espectro da inflação. Ligados a uma mentalidade de "curva de Phillips" condicionada pelo presumido "trade-off" entre a folga económica e a inflação, os banqueiros centrais permanecem firmes na sua visão de que uma inclinação para a política acomodatícia é apropriada, desde que a inflação esteja aquém da meta.

Este é o maior risco de hoje. A normalização não deve ser vista como uma operação dependente da inflação. A inflação abaixo da meta não é uma desculpa para uma longa e prolongada normalização. De forma a reconstruir o arsenal de políticas para a próxima crise ou recessão - que é inevitável – é muito preferível uma restauração rápida e metódica da política monetária para as configurações pré-crise.

O facto de não se ter feito isto foi o grande problema durante o período que antecedeu a última crise, no início dos anos 2000. A Fed cometeu o erro mais flagrante de todos. Depois de ter rebentado a bolha das dotcom no início de 2000, e com os receios de um cenário como o do Japão a pesar no debate das políticas, a Fed optou por uma estratégia de normalização gradual - aumentando os juros 17 vezes em pequenos movimentos de 25 pontos base ao longo de um período de 24 meses entre meados de 2004 e meados de 2006. No entanto, foi precisamente nesse período que os mercados financeiros estiveram a plantar as sementes do desastre que logo se seguiu.

Para o período actual, a Fed esboçou uma estratégia que não alcança a normalização do balanço até 2022-2023 no mínimo - 2,5 a 3 vezes mais longa do que a campanha mal concebida de meados dos anos 2000. Para os mercados de hoje, isto é pedir problemas. Para o bem da estabilidade financeira, há um argumento convincente para uma normalização mais rápida, que complete a tarefa em metade do tempo que a Fed está a sugerir actualmente.

Os bancos centrais independentes não foram projectados para ganhar concursos de popularidade. Paul Volcker sabia disso quando liderou a luta contra a inflação elevada no início dos anos 80. Mas a abordagem assumida pelos seus sucessores, Alan Greenspan e Ben Bernanke, foi muito diferente, permitindo que os mercados financeiros e uma economia cada vez mais dependente de activos assumissem o controlo da Fed. Para Janet Yellen - ou o seu sucessor - será preciso coragem para tomar um caminho diferente. Com mais de 6 biliões de dólares de excesso de liquidez nos mercados financeiros globais, essa coragem já vai chegar tarde. 

Stephen S. Roach, membro da Universidade de Yale e antigo chairman do Morgan Stanley Asia, é o autor de Unbalanced: The Codependency of America and China. Negocios

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