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21 de outubro de 2017

Foi dito em 2003

Os defensores do Estado mínimo , da sacralização do défice  e das políticas ditas de austeridade para encherem banqueiros e grandes accionistsas é que deviam pedir desculpa aos portugueses .


Intervenção de Carlos Carvalhas na Comissão Permanente da AR
Quarta, 13 Agosto 2003
Sr. Presidente
Srs. Deputados
Ao iniciarmos  esta intervenção queremos desde já reafirmar os nossos pêsames às famílias das vítimas e a nossa homenagem às populações, à sua luta solidária, bem assim como aos bombeiros, aos autarcas, à GNR e às forças militares.
Anteontem o sr. primeiro-ministro afirmou que os bombeiros têm sido verdadeiros heróis, o que é verdade. Mas queremos aqui recordar que o Projecto de lei que o PCP apresentou reforçando os direitos da Liga dos Bombeiros Portugueses foi chumbado pela maioria. Agora temos boas palavras, mas na altura funcionou a arrogância, o desinteresse e a incompreensão.
Do mesmo modo nos poderíamos referir aos parques florestais para a madeira ardida e as respectivas medidas de apoio aos proprietários, que a maioria chumbou e o primeiro-ministro agora propõe. Mais vale tarde do que nunca...
Durante esta tragédia, que infelizmente ainda decorre, entendemos os apelos do Senhor Presidente da República à unidade nacional como sendo no sentido da convergência de esforços, vontades e energias, com o objectivo de combater os incêndios, prestar socorro às populações, minorar prejuízos, levar uma palavra de conforto às vítimas. Não entendemos as palavras do Senhor Presidente da República nem no sentido da diluição das responsabilidades, nem no sentido da suspensão do direito de crítica e de discordância. Nem aceitamos a treta de outros de que somos todos culpados.
A vastidão e a intensidade dos incêndios deste ano tem causas climatéricas excepcionais, atrasos nas respostas, insensibilidade face aos avisos meteorológicos, descoordenação nos combates, mas tem também outras causas mais distantes e mais próximas.
Há responsabilidades graves que dizem respeito a este Governo e aos sucessivos governos do PSD e do PS, designadamente no protelamento de uma política florestal há muito identificada e aprovada.
Responsabilidades do governo PS nos atrasos sucessivos na implementação da Lei de Bases da Floresta aprovada na base de um projecto do PCP, nos atrasos da concretização dos planos regionais de ordenamento florestal, na instituição do Fundo Financeiro Florestal, no levar à prática a Resolução do Conselho de Ministros de Abril de 1999: o dito Plano Sustentável da Floresta Portuguesa. 
Responsabilidades ainda no desmantelamento dos meios de combate aos fogos da Força Aérea. A privatização, a delegação para os privados, mostrou agora as suas fragilidades e vulnerabilidades. Os privados e a «indústria do fogo» têm interesses próprios, nem sempre coincidentes com o interesse geral.
E sobre tudo isto temos autoridade para  o referir e sublinhar. Por várias vezes aqui chamámos a atenção para os erros que estavam a cometer-se.
Mas há também as responsabilidades graves não só do PSD e da maioria, como deste Governo.
No Outono do ano passado, depois de várias iniciativas (Lousã, Almoçageme,...), afirmámos aqui que era no Inverno que se devia tratar dos incêndios de Verão. Apresentámos nesta Assembleia da República, em 27 de Novembro, uma Resolução sobre a prevenção e combate aos fogos florestais, que foi aprovada por unanimidade. Porque é que não foi levada à prática?
Ao longo do ano alertámos por várias vezes o Governo para a necessidade de dar cumprimento à Resolução e, designadamente, em relação ao reforço dos meios de vigilância neste Verão. E porquê? Porque é que o PCP, tanto na Resolução aprovada na Assembleia da República como noutras intervenções, chamou a atenção com veemência para o reforço da prevenção e vigilância este ano? Porque tínhamos tido um ano muito húmido, o que fazia prever a acumulação de muito silvado e material lenhoso, que seria pólvora sobre pólvora, tornando este Verão particularmente perigoso.
Estes avisos e alertas estão vertidos nos Diários desta Assembleia da República.
O que é que fez o Governo?
Em vez de reforçar os meios de vigilância, como o PCP insistentemente apontava, optou por uma política de cega contenção de despesas neste domínio. Os cortes orçamentais diminuíram substancialmente os meios de vigilância de prevenção. Cortes substanciais «na criação de equipas de sapadores florestais» e na protecção das florestas contra incêndios, cortes nas equipas de vigilância, e tudo isto num ano em que já tínhamos alertado que poderia ser muito perigoso.
Este Governo não é responsável pela incúria dos governos do PSD e do PS que lhe antecederam, nem pelas condições climatéricas, mas é particularmente responsável por não ter dado ouvidos às muitas chamadas de atenção que lhe foram feitas, e é particularmente responsável por não ter concretizado o proposto pela Resolução aqui aprovada por unanimidade.
O Governo cometeu um crime por negligência e agora trata de sacudir a água do capote. Os cortes feitos na prevenção são indesculpáveis.
Um só incêndio que se tivesse evitado compensaria de longe as poupançazecas orçamentais e pagaria a vigilância de vários anos.
E estas poupanças são ainda particularmente chocantes quando assistimos, já com os fogos em pleno desenvolvimento, ao sr. ministro da Administração Interna, integrado numa operação de marketing, a mostrar a preparação das forças da GNR para o Iraque, em que vão gastar-se mais de 8 milhões de euros!
O mesmo ministro, acompanhado do primeiro-ministro, que uns dias antes afirmara que havia meios suficientes de combate aos incêndios quando, de forma cruel, as imagens nos mostravam vilas e aldeias a combater os incêndios com mangueiras de jardim, e militares armados de sofisticados ramos, uns e outros cercados pelas chamas!
Quanto aos meios aéreos militares, tivemos que pedir auxílio a Espanha, a Itália, e até a Marrocos...
Depois da operação de marketing do Conselho de Ministros no Porto, o primeiro-ministro levou quatro dias a perceber que o País estava a arder, e isto para não falar das inconcebíveis intervenções do ministro Figueiredo Lopes e de Amílcar Theias, com a sua tese do armamento dos ex-combatentes e a evidente descoordenação estratégica no combate aos incêndios, denunciada pelas populações e pelos autarcas.
Atrasos também nos pedidos de auxílio à União Europeia.
Agora não basta uma política assistencialista às populações, com o ministro dos Assuntos Sociais por um lado, o ministro da Agricultura por outro, e os ministros da Economia e das Finanças à distância. É necessário um plano coordenado de ataque às diversas vertentes desta tragédia. São necessárias medidas gerais e medidas que tenham em conta as especificidades dos diversos concelhos, e até medidas pontuais de apoio.
Depois é necessário cumprir e avançar com a legislação que está aprovada em relação à política florestal. Não é preciso esperar por Outubro e por mais uma estratégia de reflorestação. O que é necessário é cumprir a legislação existente. Passar à prática.
A compartimentação, as áreas de folhosas, a diversificação, os corredores, a limpeza das matas, os estímulos à associação dos proprietários, estão há muito identificados e desenhados. É necessário tirar de vez as lições desta tragédia. Ao menos que agora se cumpra o adágio popular: depois de casa roubada, trancas à porta!
Mas é também evidente que este Governo, que nem sequer assume as suas responsabilidades, está, com a sua política, a colocar o País na situação de «tanga» efectiva, a tal que falava no início desta legislatura.
A floresta portuguesa contribui para a existência de mais de 7 mil empresas, correspondente a mais de 164 mil postos de trabalho. E agora? Será que a culpa vai mais uma vez morrer solteira? Fazemos votos para que se tirem as ilações desta catástrofe e se tomem medidas a sério em relação às populações, às actividades económicas que vivem da floresta e à política florestal no concreto.
Cumpra-se a legislação, passe-se à prática. É tempo, mais que tempo sr. primeiro-ministro!


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