A OCDE «descobriu» que o «elevador social» das principais
sociedades capitalistas (da OCDE a 24 países) está «avariado» (1). Isso mesmo:
«avariado»!
A OCDE descobriu que «(…) a
situação económica das pessoas em Portugal se transmite fortemente entre
gerações (…)». Que «(…) em Portugal
pode levar aproximadamente 5 gerações para que crianças nascidas em famílias na
parte baixa da distribuição de rendimento alcancem o rendimento médio (…)».
Mas não estamos mal acompanhados. Se cá demora 5 gerações a
chegar à «classe média», estamos perto da média da OCDE (4,5 gerações), no
mesmo patamar que os EUA, Inglaterra e Itália, e melhor que a França e
Alemanha, que demoram 6 gerações! O que não deixa de ser interessante para os
que, diariamente, atribuem, explicam, todos os males e desgraças do país pelos
feitios, vícios, temperamentos, idiossincrasias (e outras fantasias), da «raça
portuguesa»!
A OCDE descobriu, nestes tempos tumultuosos que atravessam as
sociedades capitalistas, que a receita da social-democracia e da democracia
cristã, pregada há 100 anos (talvez melhor, desde que irrompeu o «espectro do
comunismo» na Europa (2) e, mais assumidamente, depois da revolução russa de
1917), é falsa. Isto é, o dito «elevador social» movido a educação, segurança
social e emprego, sob o jugo do capital, não eleva ninguém! É certo, há
excepções para confirmar a regra. A OCDE valida, assim, certamente depois de
laboriosos estudos e complexos cálculos matemáticos, ao arrepio da sua
ideologia, o que os comunistas há muito afirmam: na sociedade de classes do
capitalismo, cada classe reproduz a sua classe. Diz a insuspeita OCDE: «(…) 55% dos filhos de trabalhadores manuais
crescem para se tornarem trabalhadores manuais.», «Ao mesmo tempo, filhos de gerentes têm cinco vezes mais possibilidades
de se tornarem gerentes do que filhos de trabalhadores manuais». E podia
dizer mesmo mais: que os filhos do Belmiro têm todas as possibilidades de serem
novos belmiros, os filhos do Amorim, novos amorins, tal como os Espírito Santo
foram/são filhos dos espíritos santos…( mesmo se o Belmiro e o Amorim são das
tais excepções). Não é por acaso que tanto falam e tanto gostam das (grandes)
«empresas familiares», das ditas «dinastias empresariais». O capitalismo não só
produz (e «alimenta-se» das) desigualdades (sociais e territoriais), como as
reproduz, agravando-as mesmo.
Mas a OCDE descobriu também os remédios, isto é, os mesmos
velhíssimos remédios das velhíssimas receitas atrás referidas da
social-democracia e da democracia cristã (aliás, medidas propostas por muitos
socialistas utópicos): a educação! Que agora, segundo a OCDE, deve ser focada
na educação pré-escolar e na qualificação dos adultos. Mas há (oh!) inovação: «A falta de mobilidade na parte baixa [do
rendimento] em Portugal pode estar relacionada com o elevado nível de
desemprego de longa duração (DLD) e a segmentação do mercado de trabalho».
Logo, segundo a OCDE reforçar «novos e
serviços de emprego e PAMT (Políticas Activas do Mercado de Trabalho) aos mais
necessitados». Remédios que, como é sabido, têm dado resultados
extraordinários: cada vez há mais DLD, e só não há mais porque a reforma ou a
reforma antecipada retiram muitos dessa estatística.
Notável a perspicácia OCDEza. Mas há dilemas e questões difíceis
sobre que a OCDE terá ainda de reflectir: os do fundo não sobem porque são DLD
ou são DLD porque são do/estão no fundo? E então, os do fundo, empregados e
desempregados de curta duração, não sobem porquê? Uma coisa é certa, os do
topo, não chegam a DLD, porque nem a empregados chegam… são ricos a tempo
inteiro e de longa duração!
A OCDE não explica como «as suas receitas» são concretizadas,
compatibilizadas com as suas orientações de políticas económicas, financeiras e
orçamentais que desencadeiam cortes nos orçamentos da educação e da saúde, nos
apoios sociais, a desvalorização do trabalho e dos trabalhadores, despedimentos
e desemprego, a instabilidade profissional e maior precariedade. Como se
compatibilizam «as suas receitas» com as ditas e celebradas «reformas», sempre
presentes nos relatórios e recomendações da mesma OCDE (e FMI, e CE, e etc.)
dirigidas aos países seus associados! Aliás, é notável a desfaçatez com que
aborda «as reformas» da legislação laboral do anterior governo PSD/CDS: «(…)reformas do mercado de trabalho, reduzindo
as diferenças na Legislação de Protecção do Emprego [juro, que é assim que
está escrito!!!] entre trabalhadores
temporários e permanentes, ao mesmo tempo que estimulando a mobilidade
profissional.». Então não foi! Reduziram, sim senhor: passaram milhares de
permanentes a temporários e, logo, reduziram «as diferenças» para todos os que passaram a precários; enviaram
milhares de trabalhadores para o desemprego e, logo, um futuro de DLD ou de
trabalho precário, ou de biscates e, logo, estimularam «a mobilidade profissional». E quando todos os trabalhadores forem
precários, é certo: acaba-se a dita «segmentação
do trabalho». Descaramento. Mas a avaliação («rigorosa», «científica») da
OCDE não se fica por aqui: «As reformas
ampliaram a rede de segurança proporcionada pelos benefícios aos desempregados,
fortaleceram o seu quadro de activação e aumentaram a oferta de programas de
treinamento de curto prazo e a contratação de subsídios para os desempregados».
Para lá do «português ocde», a mentira pura e simples. Então não foi! Reduziram
a indemnização por despedimento, que foi facilitado, reduziram a abrangência
temporal do subsídio de desemprego e, logo, ampliaram a «rede de segurança» e os «benefícios»
dos desempregados! Passaram milhares de trabalhadores de uma actividade laboral
regular e estável para a precariedade e o desemprego, isto é, para o activismo
do corre, corre, para os centros de emprego e a via-sacra das visitas a
empresas (sem trabalho) para obter um carimbo e, logo, fortaleceram o «seu
quadro de activação»! Descaramento absoluto.
E, para cúmulo, a OCDE, de vez em quando, manda-nos o Álvaro,
o ex-dito ministro Álvaro, o autor da tal «Legislação de Protecção do Emprego»
de que a OCDE tanto gosta, aconselhar-nos a fazer mais das ditas «reformas».
Mas ele não precisa de vir, e pode assim poupar dinheiro à OCDE em viagens e
alojamento. Como sabemos o primeiro-ministro A. Costa, do Governo PS, tem em
curso, com a ajuda do grande patronato, um esforço sério para consolidar a dita
reforma que o próprio Álvaro, ministro da Economia, do governo PSD/CDS, fez.
Legislação em que o primeiro-ministro A. Costa não quer mexer, no essencial,
porque está de acordo.
A OCDE também não explica porque é que o «elevador» está cada
vez mais avariado, apesar da manutenção e reparações a esmo por conselho e por
conta dos peritos da OCDE, e de outros da mesma laia. Terá alguma coisa a ver
com troikas e companhia, de dentro e de fora?
Nós percebemos bem as preocupações da OCDE. Como explica o
Público, que se farta de reproduzir e insistir nas suas páginas (o que outros
media também fazem) sobre as vantagens das receitas da OCDE, «Como os perigos decorrentes da estagnação
social não são nada negligenciáveis, nomeadamente porque reforçam o risco de
aparecimento de movimentos extremistas e populistas que põem as democracias em
risco (…)» (Público, 16JUN18).
De facto, como dizia, citando ou por conta própria, o Eng.
António Guterres, nos inícios da sua carreira de primeiro-ministro, nos tempos
idos de meados da década de 90 (ainda longe do pântano onde mergulhou para
ressurgir fénix renascida como Comissário da ONU, antes de ser eleito
Secretário-Geral: «Se nós não tratarmos
dos pobres, um dia, os pobres tratam de nós».
(1) Na tradução literal do comunicado da OCDE (15JUN18) em
português, escreveu-se «quebrado»: «Um elevador social quebrado»
(2) «Anda um espectro pela Europa - o espectro do Comunismo»,
Manifesto Comunista, 1872)
Texto de Agostinho Lopes publicado no Jornal Económico da passada sexta-feira.
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