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7 de julho de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO – 24.2A REPARTIÇÃO DO RENDIMENTO – I I (*)
Certo escritor do séc. XVIII regressava a Paris após ausência de uma dezena de anos, ficou chocado com o aumento das desigualdades: aumentara o luxo gritante dos que se passeavam de coche perante o olhar dos cada vez mais miseráveis cuja consolação parecia ser apenas olha-los: “a miséria para aliviar o desgosto corria em multidão a divertir-se nas novas avenidas que a política e a cobiça tinham construído sob as falsas muralhas da grande cidade. O luxo daqueles que se passeavam apenas de carruagem não parecia feito senão para contraste. As duas extremidades (sociais) eram alternadamente e reciprocamente espectáculo e espectadores”. Estava-se em 1767…e trata-se de um escritor já citado nestes textos. Compare-se com os dias de hoje, com a absurda mediatização de caricatos “casamentos reais” (!) ou com as inqualificáveis e ridículas revistas sobre as andanças do “jet-set”.
“Com maior ou menor detalhe todos sabem dos tremendos contrastes que apresenta o capitalismo na sua crise actual, quando a opulência e acelerado enriquecimento dos ricos convive com o empobrecimento das grandes maiorias sociais”. “No que respeita aos banqueiros a era da contenção salarial terminou. Em 2010, enquanto no mundo continuava a sua queda livre para o desemprego em massa, as execuções hipotecárias e o empobrecimento generalizado da população a retribuição média dos responsáveis dos 15 maiores banco europeus e dos EUA aumentou uns 36% alcançando uma média anual de 9,7 milhões de dólares (segundo o Financial Times) (1) Em Portugal o vencimento médio  dos presidentes das empresas do PSI 20 foi em 2009 de “apenas” 1 130 000 euros, ou seja, 209 vezes o salário mínimo no caso de um trabalhador precário.
“Sob a aparência de uma crise financeira, esta crise é com efeito fundamentalmente uma crise da repartição dos rendimentos” (Jacques Sapir – www.legrandsoir).
Uma das mais importantes funções dos impostos deve ser a de assegurar a redistribuição do rendimento. Vimos na parte I como a sob acção do neoliberalismo esta redistribuição se processou em sentido contrário empobrecendo de uma forma geral os assalariados.
As ilusões da “prosperidade partilhada”, da “solidariedade”, de “criar mais riqueza para melhor a distribuir” foram miragens com que se foi minando a redistribuição do rendimento e a insegurança dos assalariados. O endividamento foi uma forma de camuflar a redistribuição do rendimento a favor dos grandes detentores de capital, obtendo também assim fabulosos lucros, acabando cinicamente por responsabilizar as pessoas que se deixaram – e deixam – seduzir pelas suas mistificações.
Segundo o economista James Galbraith, antes da crise, os rendimentos obtidos fora do salário representavam 40% do rendimento doméstico dos norte-americanos. Na realidade, tudo o que ocorreu nos últimos 25 a 30 anos sob o neoliberalismo veio também neste caso confirmar Marx: “O crédito medeia, acelera e eleva a concentração de capital. (O Capital – Livro II – Tomo IV – p. 255)
Ora, qual é a proposta actual, apresentada como “realista”, “responsável”, “corajosa” do sistema?
Responde o vice-presidente da famigerada Goldman Sachs (acusada de fraude pela Câmara de Valors Mobiliários dos EUA – recorde-se): “A opinião pública deve aprender a tolerar a desigualdade como meio de uma maior prosperidade para todos” (Lord Griffiths, vice-président de Goldman Sachs, The Guardian, 21 octobre 2009 – citado por Jérôme Duval – Austérité et prospérité en temps de crise www.legrandsoir – 18.11-2010).
De facto, uma maior prosperidade – mas não para todos. “Goldman Sachs um dos maiores artífices da crise actual está mais rico que nunca: Acaba de anunciar 17,5 mil milhões de resultados, como o seu presidente Lloyd Blankfein recebendo 12,6 milhões de bónus enquanto que o seu salário base mais que triplicou” (Noam Chomsky – Privatizing the Planet – www.counterpunch.org 22-04-2011).
Os salários e bónus dos financeiros da Wall Street já estão acima do nível anterior à crise. Em 2006 o seu total foi de 130 milhões de dólares; em 2007 devido à crise foi “apenas” de 117 milhões (pelo que o governo teve de acudir em socorro destes necessitados…) sendo em 2010 – segundo o Wall Stree Journal de 144 milhões de dólares! Entretanto, aumenta o desemprego, a pobreza e o endividamento nos EUA e por todo o lado onde se seguem estas políticas. Segundo cálculos do Economic Report of the President para 2007 em termos reais os ganhos salariais eram inferiores aos de 1973. Eis o resultado “da maior prosperidade para todos”.

Em Portugal esta “prosperidade” também se traduz-se no empobrecimento do país e da sua população. Em 3 anos, entre 2008 e 2010, saíram do país 54 987 milhões de euros (Banco de Portugal, Boletim Estatístico - Junho de 2011) por pagamento de juros, transferência de lucros de empresas privatizadas (um aspecto nunca referido pelos srs. comentadores…) e saídas para off-shores sem pagar imposto – ou seja, cerca de 30% da dívida (líquida) do País em 2010 - que não serviram para investimento, criar emprego, dinamizar a produção, redistribuir o rendimento: terão ido fundamentalmente engordar a especulação.

 “Em 1976, 1% da população mundial detinha 20% da riqueza; em 2007 dominava 35% da riqueza total. A operação de salvamento Bush-Obama levou à recuperação económica, não da “economia em geral”, mas restringiu-se a reforçar ainda mais a riqueza dos multimilionários. O sector “dinâmico” formado por capitalistas parasitas, emprega menos trabalhadores, não exporta produtos, paga impostos mais baixos e impõem maiores cortes nas despesas sociais para os trabalhadores produtivos". (2)

 “Em 1980, os dirigentes das maiores empresas norte americanas ganhavam em média 42 vezes que a média dos outros trabalhadores; em 2001, 531 vezes mais. Talvez a estatística mais espantosa é que entre 1980 e 2005 mais de quatro quintos do aumento total do rendimento nos EUA foi parar ao 1% mais rico (“Quando o sonho americano se transforma em pesadelo” – Aram Aharonian Alainet – www.rebelion org – 15-01-2011).
Por sua vez o insuspeito J. Stiglitz (Nobel de Economía 2001) afirmou: “Dado que uma quarta parte do todo o rendimento nos EUA vai para a 1% da população, só há uma maneira de recolher mais impostos: agravar mais os mais ricos (www.rebelion.org – 31-03-2011)
Notemos que Portugal tem o triste privilégio de ser com os EUA dos países da OCDE mais desiguais. É pois estranho – ou talvez não – que este aspecto nem sequer seja equacionado pelos comentadores.
Em 2008 o número de bilionários (mais de 1 000 milhões de dólares) era de 793 com um património total de 2 4000 milhões de dólares. Em 2010 (com a crise!) aquele número passou para 1 210 com um património total de 4 500 milhões de dólares. Mais que o PIB da Alemanha… (www.catdm – Les chiffres de la dette – 2011).
Isto é, o desemprego, a pobreza, a austeridade aumentam; os povos são chamados a transformar em valor, capital fictício resultante da especulação fraudulenta ou simplesmente inconsequente…mas não há alternativa?
Calcula-se existirem 10 milhões de pessoas (3) em todo o mundo, com pelo menos US$1 milhão de “activos investíveis”, isto é, em acréscimo a outros valores do seu património como a sua residência primária, obras de arte, colecções, etc, num total de 39 biliões de dólares (milhões de milhões) (3) ou seja bastava um imposto de 0,2% sobre estes activos – e só estes! – para acabar com a fome e as condições subhumanas neste planeta, porém “seria um grave erro tributar o capital” (Trichet). Erro? De que ponto de vista? Do ponto de vista dos direitos humanos?

* - Como dissemos este tema é dedicado aos srs. comentadores, conforme dedicatória que se segue.
1 – Atílio Boron – www.rebelion.org – 21.junho.2011

2 - (James Petras - http://resistir.info/ . 30.março.2011 - James Petras, a former Professor of Sociology at Binghamton University, New York, owns a 50 year membership in the class struggle and is co-author of Globalization Unmasked (Zed). He can be reached at: jpetras@binghamton.edu)

3 – 3,1 milhões na América do Norte, Europa e Ásia-Pacífico 3 milhões cada, resto do mundo 0,9 milhões. Segundo o World Wealth Report da Capgemini e da Merrill Lynch Wealth Management – em Desigualdades Recuperação económica para poucos por Rick Wolff -  Professor de Economia na Universidade de Massachusetts - O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/2010/wolff290710.html Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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