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13 de julho de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO – 25 - “UNIÃO” EUROPEIA - O ACTUAL CAMINHO PARA A SERVIDÃO
Deixai, o vós que entrais, toda a esperança / Estas palavras eu vi em letreiro escuro / Por cima de uma porta escrito” . – (A Divina Comédia – Dante – canto III – 3)
Se Dante voltasse agora ao Inferno aí veria também justamente o Tratado de Lisboa.
As dívidas dos Estados tornaram-se numa arma – é de uma guerra que se trata – contra os povos. Como é que tal foi conseguido? De uma forma muito simples: impondo um sistema fiscal em que a grande riqueza é praticamente isenta por via da livre circulação de capitais; tornando inócua uma regulação financeira que é feita no interesse dos comportamentos que devia regular; acresce todo um processo de privatizações, negociatas – como as PPP – corrupção, nepotismo. A partir daqui diaboliza-se o Estado – chamado a pagar os desmandos dos especuladores – culpando as pessoas por usufruírem demasiados direitos e usa-se a dívida para arrecadar mais lucros com juros especulativos em benefício do capital financeiro.
Desta forma, “O sistema fiscal (da UE) opera como um sifão drenando rendimento para os bancos franceses e alemães que compram títulos do tesouro com crescentes prémios de risco” (1).
O que se designa hipocritamente por “resgate” não passa de uma guerra de classe aumentando impostos, reduzindo prestações sociais e vendendo bens públicos. “Os banqueiros por seu lado estão ansiosos para realizar empréstimos destinados a financiar compras de bens públicos (…) e outras oportunidades monopolistas”, (1). Para o grande capital europeu estes “resgates” ou “ajudas” da UE são excelentes, pois permitem obter  liquidez suficiente para comprarem ao desbarato bens públicos e novos monopólios, levando os lucros para onde mais lhes interessar. Além de, como diz M. Hudson: “A guerra dos credores contra os devedores torna-se uma guerra de classe com vistas à depreciação do preço do trabalho”.
Neste sentido, quer a Grécia, Irlanda, Espanha Portugal e o resto da Europa vão regredir nas reformas democráticas e movem-se para uma oligarquia financeira. O objectivo financeiro é curto-circuitar os parlamentos exigindo um “consenso” para que os credores sejam postos em primeiro lugar acima da economia no seu todo (…) a definição rigorosa de “mercado livre” tornou-se agora planeamento centralizado – nas mãos de banqueiros centrais. É este  o novo caminho para a servidão a que o “mercado livre” financeirizado conduz”. “Livre para os monopolistas imporem os seus preços aos serviços básicos, livres de regulação e medidas de anti-trust, livre de limites ao crédito para proteger devedores e acima de tudo livre de interferência dos parlamentos eleitos”.
Recordemos a forma arrogante e caluniosa como os epígonos do que conduziu a esta política – e em particular a anterior bancada governamental – à falta de argumentos tratavam quem alertava para o caminho de desastre que se trilhava. Eis o que se passa actualmente na falsamente designada UE:
“Como uma conquista militar o objectivo (financeiro) é ganhar o controlo do país, das suas infraestruturas públicas e impor um tributo. Isto envolve  ditar leis aos seus súbditos e colocar o planeamento social e económico em mãos centralizadas. Este ataque não está a ser feito por uma nação, mas por uma classe política cosmopolita”. “Os parlamentos nacionais são mobilizados para imporem os termos da rendição aos planeadores financeiros. Quase se pode dizer que o seu ideal é reduzir parlamentos a regimes locais fantoches”.
A ideia de que a solução dos problemas actuais consistiria num aprofundamento de medidas de teor federalista fica sem qualquer espécie de fundamento se atentarmos nas palavras de Trichet interpretando o pensamento federalista dos que dominam a UE. Em 02.junho.2011, ao receber o prémio Carlos Magno em Aachen, após mencionar que governos e oposição se deviam unir para implementar programas de “ajustamento” para “defesa da zona euro como um todo” – é caso para questionar: onde ficam afinal os interesses de cada povo? – acrescenta a seguinte ameaça: “Mas se um país mesmo assim não ficar a salvo, penso que todos concordarão que uma segunda fase deve ser diferente (…) dando às autoridades da zona euro uma muito maior autoridade na formação das políticas económicas se estas continuarem fora do caminho correcto. Uma directa influência bem acima da vigilância reforçada que está actualmente considerada”.(1)
Segundo Trichet estas medidas tornar-se-iam compulsivas se os governos não as aceitarem ou não as cumprirem, “tomando as autoridades europeias as decisões aplicáveis à economia em causa”. Designadamente, sobre as principais despesas do governo e elementos essenciais á competitividade do país”. 
M. Hudson considera estas declarações um “golpe de estado” financeiro apunhalando a longa história de um ideal europeu, segundo ele referindo-se em particular à Grécia, mas que é de facto a tarefa dos governos dos países mais frágeis – ditos socialistas ou não - é: “fazer o que os coronéis gregos e seus sucessores conservadores não conseguiram: colocar os trabalhadores perante reformas económicas irreversíveis”.
Repare-se que nem nos federarais EUA estes critérios são aplicados! Aqui não se trata de federalismo mas de colonialismo interno! (2) Esclarece-nos M. Hudson: “Esta é a resposta republicana para o Michigan. Tomar a gestão das cidades em crise conduzidas por minorias desfavorecidas, remover os seus governos democraticamente eleitos do poder e usar poderes extraordinários para impor austeridade”.
Eis as políticas que se escondem por detrás do “federalismo”. Aos que mesmo no sector progressista crêem nesta solução, apenas podemos recomendar: Cautela, aquela gente não tem escrúpulos, está apostada em destruir o que por toda a Europa foi obtido com as sucessivas derrotas dos fascismos.
1 - Europe's New Road to Serfdom By Michael Hudson June 3 / 5, 2011 – www.counterpunch.org. As citações do discurso de Trichet são também retiradas deste artigo.
Michael Hudson is a former Wall Street economist. A Distinguished Research Professor at University of Missouri, Kansas City (UMKC), he is the author of many books, including Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire (new ed., Pluto Press, 2002) and Trade, Development and Foreign Debt: A History of Theories of Polarization v. Convergence in the World Economy. He can be reached via his website, mh@michael-hudson.com
2 – Em “O pequeno dicionário crítico” – 20.3 Dividas III, escrevemos que se tratava do processo neocolonial em curso, o PNEC.

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