Por iniciativa do PCP realizou-se ontem no Hotel Mundial um debate em torno das questões do Euro e da Dívida.
Esta foi uma iniciativa bastante concorrida, que foi enriquecida por diversas intervenções entre as quais destaco as intervenções de João Ferreira do Amaral e Octávio Teixeira e que foi encerrada pelo Secretário Geral do PCP Jerónimo de Sousa.
Este foi o meu contributo para este debate:
"Pouco mais de onze anos depois da entrada
em circulação do euro podemos dizer que são cada vez mais aqueles que
questionam a permanência do euro como moeda única e que entendem que o crescente
endividamento dos Estados da Zona Euro, resulta da sua dependência dos mercados
para se financiarem.
À medida que a actual crise económica e
financeira, que se arrasta desde 2007, se vai desenrolando e que os
desequilíbrios dentro da zona euro se vão acentuando cada vez mais é
questionado o projecto da moeda única e o seu futuro.
A nível económico, existe justificação
teórica para a criação de uma moeda única para um espaço formado por diversas
economias quando esse espaço cumpre as condições de uma zona monetária óptima.
Nessas condições a introdução de uma moeda
comum aumenta a eficiência na alocação de recursos e permite às economias que
compõem a União Monetária desenvolveram-se em melhores condições do que se
mantivessem as respectivas moedas próprias.
No caso da União Europeia pode dizer-se
que nenhuma das condições necessárias à criação de uma zona monetária óptima
existia quando foi criada a moeda única e sem surpresa, a evolução das
economias desde 1999 veio acentuar ainda mais essa realidade.
Hoje, os países da zona euro não só não se
aproximaram, como antes pelo contrário formam um espaço económico cada vez mais
desigual.
Alguns outros economistas defenderam e
continuam a defender que os custos de se criar o euro num espaço que não era à
partida, uma zona monetária óptima, existem, sem dúvida, mas que os benefícios
da criação da moeda única mais que compensam esses custos.
A principal razão que era apontada para
afirmar que os benefícios sobrelevam os custos tem a ver com a suposta
protecção que uma moeda como o euro, de peso na esfera mundial, daria ao
equilíbrio monetário e financeiro dos países que compõem a união monetária,
resguardando-os dos impactes destabilizadores da globalização financeira.
A profunda crise que vivemos actualmente
demonstra que tal não tem sucedido.
O euro foi incapaz de assegurar o
equilíbrio cambial, monetário e financeiro e mesmo antes desta crise, os altos
e baixos da sua cotação face a outras moedas eram disso um claro sinal. Depois
da crise, casos como o da Grécia, de Portugal, da Irlanda, da Espanha, da Itália,
da Bélgica, da França e agora do Chipre pelo menos, que estão a atravessar uma
das fases mais difíceis de desequilíbrio financeiro da sua história recente,
demonstram bem a incapacidade do euro e das suas instituições de protegerem o
equilíbrio financeiro das diversas economias.
Pode concluir-se aquilo que nós próprios
na campanha contra a moeda única no 1º semestre de 1997 tínhamos dito, o
projecto da moeda única não tinha qualquer racionalidade económica, era e é um
projecto político.
A criação do euro confirmou-se, tal como
sempre denunciámos, como parte do projecto estratégico de domínio do grande
capital e das principais potências europeias, um instrumento ao serviço da
exploração dos trabalhadores e dos povos e do aprofundamento das condições de
rendibilidade do capital.
A principal motivação política que esteve
na base do projecto da moeda única foi criar um factor suficientemente poderoso
para impulsionar a integração política na Europa, sob o domínio dos interesses
dos alemães.
A moeda única tem até hoje estado longe de
poder ser considerado um projecto bem sucedido.
Nos seus pouco mais de doze anos de existência,
o euro não resolveu nenhum problema económico europeu importante, agravou
alguns e fez surgir outros.
O crescimento económico na zona euro
desacelerou fortemente na última década face à anterior, o desemprego atingiu
níveis elevadíssimos em especial entre os jovens, agravaram-se os défices
comerciais com o exterior da União por parte das maiores economias europeia
(com excepção da Alemanha) e surgiu um problema gravíssimo de sustentabilidade
financeira dos Estados do Sul da Europa, que dependentes dos Mercados para se
financiarem não só veem os seus níveis de endividamento disparar, como as taxas
de juro desses financiamentos atingir valores insustentáveis, com os ritmos de estagnação
e recessão económica em que se afundam.
A UEM assumiu-se desde o início como um
dos principais instrumentos para uma maior liberalização dos movimentos de
capitais e, consequentemente, um maior grau de mobilidade do capital
multinacional em busca de melhores condições de exploração da mão-de-obra e
domínio dos mercados dentro do espaço europeu.
Perante a situação actual que vivemos na
zona euro, com três países a serem objecto de programas de assistência
financeira por parte da Troika (Grécia, Irlanda e Portugal) e com outros países
sob a ameaça de também eles virem a ser objecto de programas idênticos – casos da
Espanha, da Itália e Chipre – sem qualquer perspectiva de se ultrapassar a
crise económica e financeira que a zona euro enfrenta, são muitas as perguntas
que os europeus e em especial os portugueses fazem hoje.
Com a criação da zona euro prometeram-nos,
mais crescimento e mais emprego e o que se viu foi exactamente o contrário, a
nossa economia estagnou nos últimos 11 anos, o investimento caiu para níveis
inferiores a 1995, o emprego diminuiu em cerca de 563 mil postos de trabalho, o
desemprego aproxima-se em termos reais do milhão e meio, os défices orçamentais
sucedem-se e endividamento do Estado não para de crescer.
Prometeram-nos estabilidade cambial e o
que aconteceu foi que passámos a ter com o euro uma taxa de câmbio que sobrevalorizou
30 a 40% a nossa estrutura produtiva, o que conduziu à destruição do sector
produtor de bens transaccionáveis, a que pertence a esmagadora maioria do
aparelho produtivo nacional, ao mesmo tempo que o sector produtor de bens não
transaccionáveis enriquecia.
Disse-se que com a adesão ao euro deixaria
de haver problemas de financiamento e o que aconteceu foi exactamente o
contrário, o Estado passou a depender do financiamento dos Mercados e o nosso
país corre hoje o risco de ver o financiamento externo cortado e está
dependente de um denominado “programa de assistência financeira” e de todo um
pacote de medidas draconianas a ele associado. Como se tudo isto não fosse já
um cenário de horror avisam-nos de que o ajustamento que está ser feito é para
continuar por muitos anos.
A presença do nosso país na zona euro
conduziu-nos a uma situação quase insustentável - de estagnação, destruição do
aparelho produtivo, desemprego, empobrecimento e crescente endividamento
externo – que não é possível manter por muito mais tempo.
Portugal necessita de rapidamente começar
a crescer, aumentar a sua competitividade, apostar no aumento da produção
nacional, na substituição de importações, no aumento das exportações de grande
valor acrescentado, o que só será possível de forma consequente com a
desvalorização da nossa moeda. Ora dentro da zona euro isso não é possível, pois
se há países como Portugal, Espanha, a Grécia, a Itália e até mesmo a França
que têm acumulado défices das suas Balanças de Pagamento e para quem uma
desvalorização do euro seria bem vinda, já outros países como a Alemanha, a
Áustria, a Holanda e a Finlândia só têm a ganhar com a sua valorização.
Daqui decorre um claro antagonismo entre a
permanência no Euro e a necessidade de se criarem condições para que o país
cresça e se desenvolva.
A saída do Euro sendo uma condição
necessária para a nossa sobrevivência como país independente e soberano, não é
no entanto só por si uma condição suficiente par tal.
A saída do euro terá de ser equacionada avaliando
e controlando um conjunto de impactos e questões sem dúvida relevantes: por
exemplo o nível de desvalorização da nova moeda, o efeito inflacionista daí
resultante, a fuga de capitais, a necessidade de nacionalizar o sector
bancário, o encarecimento das importações - muitas delas importantes para a
nossa economia –, a reclamação junto da União Europeia de um Fundo Financeiro
de Apoio que pudesse compensar a desvalorização da nova moeda, a criação de um regime
de controlo de circulação de capitais que impeça a sua fuga, a consideração da
integração da nova moeda no chamado mecanismo de taxas de câmbio onde
permanecem hoje os 10 países integrantes da União Europeia que não fazem parte
da zona euro, assegurando-se que a sua taxa de câmbio de referência se situe na
banda de flutuação admissível de mais e menos 15% em relação ao euro.
O impacto da saída do euro seria também
minimizado se esta saída negociada fosse uma decisão que envolvesse outros
países para além do nosso, falamos nomeadamente da Espanha, responsável por
cerca de 1/3 das nossas relações comerciais e a França, responsável por pouco
mais de 1/10 do nosso comércio externo.
Como diz a última resolução do Congresso
do PCP, o povo português tem o direito inalienável a decidir o seu destino,
promovendo linhas de acção convergentes com outros países da EU vítimas também
de processos de especulação e ingerência no sentido da luta pela dissolução da
UEM e à adopção de medidas que preparem o país face a qualquer reconfiguração
da zona Euro – nomeadamente as que resultem da saída de Portugal de euro, seja
por decisão própria ou desenvolvimento da crise da EU – salvaguardando os
interesses dos trabalhadores e do povo português, vítimas de décadas de
políticas e decisões contrárias às suas justas aspirações e direitos."
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