Distracções
Jorge Cordeiro
Juro que não proporei “observadores internacionais” nas próximas eleições locais e garanto que não estou a fazer figas com a mão sobrante da que está a dar vida ao texto que aqui se lerá. Ainda que se levássemos a sério o que para aí se ouviu sobre as eleições em Angola, veríamos, sem surpresa de maior, alguém a reclamar que tal aconteça.
Desvalorizemos aqueles estados de alma que, perante resultados que lhes cerceiam o que ambicionavam, lá vão adiantando que isso de eleições não quer dizer grande coisa: ou ganha quem eles acham que devia ganhar ou não servem. À falta dos resultados que, segundo alguns, os angolanos deveriam adoptar, lá se vão animando com os sinais de mudança que perscrutam na expectativa de que tudo o que é hoje pequeno pode um dia vir a ser maior. Reguem-se pois um pouco mais, por via de umas ingerências, as virtuosas alternativas e logo se verá se ficam pelo tamanho de uns rebentos ou da dimensão de talos de couve.
Há ainda os que, mesmo face ao que é testemunhado por observadores de diversos cantos do mundo e quadrantes políticos quanto à transparência do acto eleitoral, se apressam a adiantar que “tá bem, tá bem” mas a “observação” foi limitada ao dia do acto eleitoral. Sim, tivessem os “observadores” chegado uns anos antes e outro galo cantaria. E aí os vemos a brandir a desigualdade no acesso aos órgãos de comunicação social, a desproporção dos meios de campanha, a alegada coacção social e económica sobre eleitores, as irregularidades numa ou noutra assembleia de voto. Olhando para os argumentos e para dentro de portas seria caso para nos pormos a gritar venham daí observadores. Sossegue o leitor que não o faremos. Promessa é promessa e somos gente de palavra.
Não será preciso fazer tantos quilómetros, atravessar mar e deserto, para encontrar desigualdade no tratamento ou parcialidade na comunicação social. Pode dizer-se, e é verdade, em contra-mão com o que a legislação eleitoral exige. Mas desrespeitada a partir da invocação de critérios editoriais, interesse mediático ou disputa de audiências. Desrespeito facilitado pela alteração à lei que PS, PSD e CDS impuseram para subordinar os direitos das candidaturas e dos cidadãos a informar, e serem informados, à “liberdade” editorial e a retirar da Comissão Nacional de Eleições um poder de intervenção decisivo para assegurar a igualdade de tratamento fixando-o na Entidade Reguladora para a Comunicação Social, com a sua inoperância e permissão de grosseiras violações de princípios eleitorais básicos.
Não seria preciso ir tão longe para desfiar exemplos de casos de coação e ameaça sobre candidatos. São incontáveis, em zonas dominadas pelo caciquismo local, candidatos aconselhados a não concorrer (porque aparecerem junto com comunistas não é bom para o seu futuro) ou a terem de desistir já depois de anunciados, porque a partir da certidão de eleitor na freguesia se soube que se atreveram a apresentar-se como candidatos. E não se atribua isso ao “défice democrático” da Madeira. Atravesse-se o Atlântico para Noroeste ou viaje-se até algumas das zonas do interior norte e centro do continente e logo se verá.
Não será preciso ir a África para encontrar irregularidades diversas no funcionamento das assembleias de voto. Aliás não é preciso sair do País para se constatarem as manigâncias e ilegalidades no processo eleitoral: exclusão, na composição das mesas de voto, de membros indicados por outros que não os que dominam eleitoralmente; casos conhecidos de urnas de voto que se passeiam fora da assembleia; a correnteza de voto acompanhado, abusando de cidadãos colocados em situações de dependência e escolhendo por eles; apuramento de votos com os boletins de um partido metido no molho de um outro, para o qual passam a contar, ou a anulação fraudulenta de votos com um risco para os tornar inválidos; ou a viciação de actas, com a alteração de votos atribuídos, como sucedeu nas regionais da Madeira em prejuízo da CDU e propiciando a maioria absoluta ao PSD.
E as leis feitas à medida e a pedido? A que que há mais de duas décadas visou ad hominem a CDU ao estabelecer a proibição de uso de um símbolo próprio da coligação (na expectativa de que, à boleia do preconceito anticomunista, se poderia reduzir o voto e a disponibilidade para se ser candidato); ou as recentes alterações à legislação sobre listas de cidadãos eleitores. Para não falar na ensejada ambição de esvaziar a CNE e os seus poderes de fazer cumprir a lei eleitoral.
Reconheça-se que, em regra, o Tribunal Constitucional tem sido um factor de garantia de princípios básicos eleitorais. Mas em fim de linha e enquanto instância de recurso. O que aqui se escreveu não pretende pôr em causa resultados passados e futuros. Globalmente, os resultados corresponderão a um sentido geral de opções e escolhas manifestadas. Mas não deixarão de ser razão de reflexão para muitos que, com ligeireza ou forjada distracção, olham para a casa do vizinho sem atender à sua.
Sem comentários:
Enviar um comentário