Juízo final
JORGE CORDEIRO
Não foi desta! A Moody's uma daquelas agências de notação que determinam o curso da história e o futuro das nações, não nos retirou do “lixo”. Desde as profecias do fim do mundo que não se tinha visto inquietude assim. Nem a inexorável marcha do “relógio do Juízo final” com a sua simbologia apocalíptica, nem a obra de W. Strebaer “O dia depois do amanhã” estão próximas do suspense que pendeu sobre o destino do País. A resposta a tamanha ansiedade tem novo episódio anunciado. Em meados deste mês, agora pela mão da Standard&Poor's.
Perante esta angustiante incerteza que atravessa lares e perturba a harmoniosa paz familiar aí vemos, repartidos entre o temor e esperança, os do costume. Uns, mais crédulos, a pedir que nos reconheçam o esforço, a nobreza com que aceitámos os sacrifícios, as provas de estoicismo perante o empobrecimento, (a exaltação velha de décadas da «casa portuguesa, pobrezinha, com certeza») a clamar que quem tantas provas deu de “bom aluno”, «merece melhor rating e juros mais baixos». Outros que, a meio caminho entre a iminência do Apocalipse e aquela secreta esperança que anima os optimistas, vão alimentando a expectativa de que o “milagre” pode acontecer. Percebe-se: se ganhámos o festival da canção e se fomos campeões europeus, porque razão o rating não há-de melhorar. Sim. Porque se cá estão os que dobraram o Cabo das Tormentas não há-de ser uma Fitch, uma Standard & Poor's ou uma Moody's qualquer que nos vergará. Outros ainda que, afinados com a estratégia das agências e vendo nelas argumento para cá porem a pão e água a vida dos portugueses, por aí aconselham que o melhor é ficar quietinhos, fazer o que FMI e UE mandam, não vão os “mercados” enervar-se, porque depois nem com tranquilizantes se aquietam.
Todos fingindo ignorar o óbvio. Que estas Agências são empresas privadas de notação financeira, com uma estrutura accionista dominada por fundos de investimento cujas avaliações, na hora de decidir das suas aplicações, têm relação directa de benefício com as operações dos mercados. Estas mesmas Agências a quem o capital transnacional deu o poder de avaliar da credibilidade de Estados num ciclo em que estes passam a depender do interesse dos grandes fundos investidores. A sua credibilidade varia na relação inversa do poder a que se arrogam. Foi vê-los em 2007, perante o risco e a inevitabilidade da falência da Lehman Brothers, da Bear Stearns ou da Northern Rock, a atribuir a notação máxima (AAA) a centenas de milhões de dólares de títulos que hoje são integralmente lixo tóxico.
Estas Agências integram o acervo de mecanismos que os centros do capital transnacional e as instituições postas ao seu serviço – chamem-se FMI, Banco Mundial ou União Europeia – recorrem para limitar a soberania. No caso, fazendo depender arbitrariamente as condições de financiamento à exigência de imposição de políticas que visam amarrar os Estados a estratégias de dependência e agravamento das condições de vida dos povos. Estratégia tão mais eficaz e com possibilidades de êxito quanto a inexistência de instrumentos que em cada país assegurem uma política soberana no plano económico, orçamental ou monetário.
A chamada melhoria de perspectivas destas Agências, o denominado outlook sobre as economias, será sempre ditada por interesses que não os nacionais. Dir-nos-ão que elas existem, logo, não o podemos ignorar. Responder-se-á com outra perspectiva. Não a de sermos conduzidos, por aquela razão, a atribuir valor ao que as Agências de notação decidem – enquanto instrumentos de dominação e agravamento da exploração – credibilizando assim uma actividade discricionária, contrária aos interesses do País. Mas sim criando condições no País para recuperar instrumentos de soberania que minimizem a acção e objectivos destas entidades. É na afirmação do direito ao desenvolvimento económico e ao progresso social que as opções de política nacional devem ser assumidas.
É verdade que o sofrimento não acabará por aqui. Anunciadas estão de Setembro a Dezembro novas avaliações de umas quantas outras agências. Aguardemos assim se o nosso destino será o de sucumbir congelados como na obra de Strebaer ou submersos numa qualquer lixeira. Vivamos para já com o conforto de outras inofensivas previsões, sejam mais ou menos científicas conforme se olhe para as meteorológicas ou as de cartomancia. A veneração de alguns perante as Agências de rating, a sua natureza e objectivos, e sobretudo a antevisão apocalíptica e impotente com que encaram o seu papel chantageador sobre os Estados e as suas opções soberanas, traz-nos à memória o “Ensaio sobre a Cegueira” tal é a epidémica cegueira que parece ter tomado, não a sociedade no seu conjunto como na obra de José Saramago, mas os que por ilusão, temor ou conveniência se recusam a ver o que são e para que servem as Agências de notação.
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