https://www.youtube.com/watch?time_continue=9&v=xZeEfXjTNu4
Santiago do Chile, 11 de setembro de 1973, 9:10 da manhã em Radio Magallanes
Ultimo discurso
Meus amigos:
Seguramente, esta será a última oportunidade em que poderei dirigir-me a vocês. A Força Aérea bombardeou as antenas da Radio Portales e da Radio Corporación. Minhas palavras não têm amargura, mas sim decepção. Que sejam elas um castigo moral para aqueles que traíram seu juramento: soldados do Chile, comandantes-em-chefe titulares, o almirante Merino, que se autodesignou comandante da Armada, e o senhor Mendoza, general rasteiro... que ainda ontem manifestara sua fidelidade e lealdade ao Governo, e que também se autodenominou diretor geral dos Carabineros.
Diante desses fatos só me cabe dizer aos trabalhadores: não vou renunciar! Situado em uma transição histórica, pagarei com minha vida a lealdade do povo. E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos, não poderá ser ceifada definitivamente. [Eles] têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detém os processos sociais... nem com o crime... nem com a força. A história é nossa e a fazem os povos.
Trabalhadores de minha pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram em um homem que foi apenas intérprete de grandes anseios de justiça, que empenhou sua palavra em que respeitaria a Constituição e a lei, e assim o fez.
Neste momento, definitivo, o último em que poderei dirigir-me a vocês, quero que aproveitem a lição. O capital estrangeiro, o imperialismo, unido à Reação, criou o clima para que as Forças Armadas rompessem sua tradição, aquela que lhes ensinara o general Schneider e que reafirmara o comandante Araya, vítimas do mesmo setor social que hoje estará em casa, esperando, com mão alheia, reconquistar o poder, para seguir defendendo seus lucros e privilégios.
Dirijo-me, sobretudo, à mulher simples de nossa terra; à camponesa que acreditou em nós; à operária que trabalhou mais; à mãe que soube de nossa preocupação com as crianças. Dirijo-me aos profissionais da pátria, aos profissionais patriotas, àqueles que dias atrás estavam trabalhando contra a insubordinação patrocinada pelas associações profissionais, associações classistas que também defendem as vantagens que uma sociedade capitalista dá a uns poucos. Dirijo-me à juventude, àqueles que cantaram, que deram sua alegria e seu espírito de luta.
Dirijo-me ao homem do Chile, ao operário, ao camponês, ao intelectual, àqueles que serão perseguidos... porque em nosso país o fascismo já estava há tempos presente nos atentados terroristas, explodindo as pontes, cortando as vias férreas, destruindo os oleodutos e os gasodutos, frente ao silêncio daqueles que tinham a obrigação de agir. Estavam comprometidos. A História os julgará.
Seguramente a Radio Magallanes será calada e o metal tranquilo de minha voz não chegará mais a vocês. Não importa. Continuarão a ouvi-la. Sempre estarei junto a vocês. Pelo menos, minha lembrança será a de um homem digno que foi leal à lealdade dos trabalhadores. O povo deve defender-se, mas não sacrificar-se. O povo não deve se deixar arrasar nem crivar-se de balas, mas tampouco pode humilhar-se.
Trabalhadores de minha pátria, tenho fé no Chile e seu destino. Outros homens superarão este momento cinzento e amargo em que a traição pretende impor-se. Saibam vocês que, muito antes do que se imagina, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.
Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores!
Estas são minhas últimas palavras e tenho a certeza de que meu sacrifício não será em vão. Tenho a certeza de que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a perfídia, a covardia e a traição. SALVADOR ALLENDE
****
Pablo Milanés
Yo pisaré las calles nuevamente (1974)
Sem comentários:
Enviar um comentário