A propósito do incêndio florestal de Monchique, Ascenso Simões, hoje deputado PS e ontem secretário de Estado da Protecção Civil e secretário de Estado das Florestas (2005/2009) do Governo PS/Sócrates, publicou no Público (11 de Agosto de 2018) o texto «Monchique: a regra e a sua excepção».
Em apoio às declarações do primeiro-ministro e ministro da Administração Interna, numa dissertação sobre o que seriam os quatro tempos de «abordagem pelas estruturas políticas, económicas, ambientais e de investigação» da floresta, Ascenso Simões, que teve particulares responsabilidades no golpe final nos Serviços Florestais, escreve com toda a «candura», considerar um «crime» «o seu desmantelamento, no início da década de1980». O responsável pelo seu desmantelamento final com Jaime Silva e Sócrates, «esqueceu-se» da sua obra-prima!1.
Mas a engenhosa periodização das políticas florestais nos últimos 40/50 anos oculta uma tentativa canhestra de desresponsabilizar as políticas e os governos que as processaram, conduzindo a floresta portuguesa ao estado de desastre em que se encontra. Oculta a continuidade absoluta dessas políticas, por governos e maiorias PS, PSD e CDS, nos seus eixos estruturais. Na destruição dos Serviços Florestais. Nas políticas de não investimento público na floresta do Norte e Centro – pequena propriedade florestal e áreas baldias. No total abandono de matas nacionais e áreas protegidas. Na entrega à voracidade dos monopólios da celulose, dos aglomerados e da cortiça dos mercados da produção lenhosa, particularmente agravada pela privatização da Portucel/Soporcel, privando o Estado de um instrumento decisivo de intervenção no ordenamento e regulação florestal. Na permanente sabotagem da gestão comunitária das áreas baldias pelos compartes2. A Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96, de 17 de Agosto) aprovada por largo consenso (só o CDS-PP se absteve) a partir de iniciativa do PCP, está até hoje por cumprir nalguns dos seus comandos fundamentais!.
«a engenhosa periodização das políticas florestais nos últimos 40/50 anos oculta uma tentativa canhestra de desresponsabilizar as políticas e os governos que as processaram, conduzindo a floresta portuguesa ao estado de desastre em que se encontra. Oculta a continuidade absoluta dessas políticas, por governos e maiorias PS, PSD e CDS-PP, nos seus eixos estruturais»
Os dramáticos incêndios florestais de 2003 e 2005, acabaram por não constituir ponto de partida para a ruptura com essas políticas, pese a aprovação de legislação importante como a Estratégia Nacional das Florestas. E pelo andar da carruagem, Pedrogão e o 15 de Outubro nas Beiras, contrariamente ao que indicia Ascenso Simões e a propaganda do Governo PS, não vão mudar o paradigma.
Ascenso Simões repete agora, depois de Monchique, o que posteriormente aos incêndios florestais de 2017 (Pedrogão e o 15 de Outubro nas Beiras) afirmou, na crítica às posições que Assunção Cristas e o CDS-PP assumiram sobre esses incêndios.
Choca necessariamente que quem teve importantes responsabilidades políticas por diversas e importantes malfeitorias no aparelho de Estado virado para as florestas, as esqueça. Mas mais grave é a tentativa de uma nova lavagem da política de direita agroflorestal da responsabilidade do PS, que se soma à desresponsabilização levada a cabo pelo actual Ministro da Agricultura. E dizer tal, não pode significar, nunca, deixar no esquecimento as responsabilidades de PSD e CDS-PP, que mais uma vez, nas declarações sobre Monchique, assumem a inocência dos anjos, de quem nunca foi governo nem dirigiu a intervenção pública na Protecção Civil e na floresta portuguesa. Quem os ouve, não é mouco…
Talvez seja conveniente avivar memórias.
2. O ex-secretário de Estado da Administração Interna, até 2007, do ministro António Costa do governo PS/Sócrates e ex-secretário de Estado das Florestas, daquele ano até 2009, do Ministro Jaime Silva do mesmo governo, tinha, em 2016, assumido um tímido mea culpa pelas suas responsabilidades governamentais em matéria de floresta e incêndios florestais, na sua tese de mestrado na UTAD sobre o tema. Foi pena que não permanecesse fiel à sua declaração de silêncio: «Trata-se de uma obrigação de urbanidade e de decência» (Público, 20 de Outubro de 2017). Foi silêncio de pouca dura. Nunca mais se calou. Confiado na sua selectiva memória e amnésia dos outros, resolveu voltar à liça florestal em defesa da sua dama: o trabalho do governo PS/Sócrates, de que fez parte, em defesa da Floresta!
E começou logo por esquecer que, entre o ministério de Assunção Cristas e o ministério de Jaime Silva, houve quase dois anos, entre 2009 e Junho de 2011, de outro Governo PS, com o ministério de António Serrano na Agricultura e Rui Barreiro nas Florestas. Assunção Cristas (e o seu Governo PSD/CDS-PP) cometeu todos os «pecados» de que a acusou Ascenso Simões (Público, 20 de Outubro de 2017) e até alguns mais de que não fala. Mas exagerou, manifestamente, na herança deixada à sucessora, a ministra da Agricultura do Governo PSD/CDS-PP, de Passos Coelho e Paulo Portas.
De facto, o grande pecado da ex-ministra Assunção Cristas foi prosseguir, sem qualquer solução de continuidade, a política florestal que vinha de trás, no quadro agravado das imposições da Troika, aceites e cumpridas com sabido zelo por PSD e CDS-PP, com toda a cumplicidade do PS!
E, com excepção de um curto intervalo em matéria de política florestal, que vai da tomada de posse do Governo PS em 2005 até ao «saneamento», em 2007, do director-geral das Florestas Francisco Castro Rego e da sua equipa, os governos de Sócrates dão continuidade ao que vem de trás, de sucessivos governos do PSD/CDS-PP e PS…
E pode ainda acrescentar-se, que tudo continuou em continuidade (o pleonasmo é obrigatório!), depois da derrota do Governo PSD/CDS-PP em 2015, com o novo «D.Dinis» que, mesmo não tendo o monopólio das responsabilidades, deixou o Pinhal d’El-Rei arder! – já em 2003 tinham ardido 2800 hectares, que nem de alerta serviu a quem de direito!
Toda esta gente no governo fez, faz e fará o que sabe melhor fazer: leis! (insiste-se: gasta-se algum eucalipto com as páginas do Diário da República/Diário da Assembleia da República, mas fica barato!). Como se sabe, temos um novo pacote de legislação, dita «Reforma Florestal», desde Julho de 2017, que cresceu em Outubro, e multiplicou-se nos meses que se seguiram. O que não sabem é defender a floresta portuguesa, como os dramáticos acontecimentos de Pedrogão e do dia 15 de Outubro demonstraram. Como Monchique voltou a evidenciar. Porque não é um problema de sabedoria.
É um problema dos interesses de classe das políticas que defendem, da sua sujeição às imposições da UE e do capital monopolista. Observemos, os eixos centrais dessas políticas para a Floresta.
3. Eixo dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF), vector estratégico de qualquer ordenamento florestal! Correspondendo ao fixado na Lei de Bases da Política Florestal (art.º 6.º da Lei n.º 33/1996), este imperativo foi accionado pela RCM 27/1999, e viu a luz do dia ao longo de 2006 e 2007, através de diversos decretos regulamentares – um por região florestal definida! Desde logo nos podíamos interrogar porque foi preciso um percurso de uma década até à sua conclusão! Mas o verdadeiro calvário começou depois. Um verdadeiro desatino legislativo. Aliás, a fórmula mágica, para não se aplicar legislação que choca com grandes interesses económicos. Registe-se, porque é difícil acreditar.
«os Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF), pregados na cruz do moínho legislador, continuam por ressuscitar dos mortos… E assim pôde continuar-se a plantar muitos eucaliptos, bem para lá do que fixavam as metas (...). Vinte anos de folga é muito tempo»
Logo em Janeiro de 2009 (nem dois anos eram passados!), o duo Jaime Silva/Ascenso Simões abre as hostilidades com novo enquadramento jurídico (DL n.º 16/2009). Em 2010 (DL n.º 114/2010) os novos titulares das pastas da Agricultura e Florestas do segundo governo PS/Sócrates, alteram o anterior DL, abrindo a possibilidade da revisão. E pela Portaria n.º 62/2011, impõem a revisão dos PROF, simultaneamente suspendendo por dois anos algumas das suas disposições! Ou seja, paralisam a sua aplicação até 2013!
Neste ano, pela Portaria n.º 78/2013, é Assunção Cristas que decide manter a suspensão por mais dois anos. Não satisfeita, pela Portaria n.º 364/2013, pelo DL n.º 27/2014 e pelo Despacho n.º 782/2014, procede a novas alterações no quadro jurídico dos PROF. É claro, quando chegamos a 2015, esgotados os dois anos, que fazer? Nova Portaria (n.º 141/2015) e mais dois anos.
Eis que entretanto o tempo corre, e rápido. O novo Governo PS, em funções desde Novembro de 2015, começa por anunciar a conclusão dos PROF para o primeiro semestre de 2016. Mas eram, mais uma vez, mais as vozes que as nozes. E não resistem: no Conselho de Ministros da Lousã, de 27 de Outubro de 2016, o ministro da Agricultura avança com novas propostas de alteração, que vêm a luz, no novo DL n.º 65/2017, de 12 de Junho! Conclusão, os PROF, pregados na cruz do moínho legislador, continuam por ressuscitar dos mortos… E assim pôde continuar-se a plantar muitos eucaliptos, bem para lá do que fixavam as metas da ENF, e em muita terra onde não os devia haver. Vinte anos de folga é muito tempo!
Veja-se o primeiro relatório da Comissão Técnica Independente (CTI), página 163: «As metas dos PROF, que tinham exactamente esse objetivo («ordenamento do território») publicadas em 2006 e 2007 seriam entretanto suspensas em 2011, com a justificação de que os dados do 6.º Inventário Florestal Nacional a tal aconselhariam. Entretanto passados mais de seis anos desde essa decisão os dados do Inventário Florestal Nacional nunca foram tornados públicos e as metas continuam suspensas».
E em 2018, continuamos como antes, «quartel-general em Abrantes»! Sem PROF nem Inventário Florestal actualizado.
4. Estruturas do Ministério da Agricultura e respectivos recursos humanos para a floresta. Pesem os exageros do ex-secretário de Estado (inclusive transformando em valores reais a projecção de metas), as similitudes de sucessivos governos PS, PSD e CDS-PP são flagrantes, submetidos todos aos princípios neoliberais do Estado mínimo, com particular impacto na redução de estruturas da Administração Central e de trabalhadores da função pública, via programas específicos: Programa de Redução e Melhoria da Administração Central do Estado (PRACE) do Governo PS/Sócrates, a que se seguiu o Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PREMAC), do governo PSD/CDS-PP.
O governo de que Ascenso Simões fez parte começou por liquidar o corpo de guardas-florestais (DL n.º 22/2006)3, prosseguiu com a «privatização» dos trabalhadores dos Serviços Florestais, tentando substituí-los por «Sapadores Florestais» e Guardas de Recursos Florestais os quais, dependentes de entidades privadas, não entravam nas contas públicas…
Mesmo as importantes equipas dos Grupos de Análise e Uso do Fogo (GAUF), criadas em 2006 e oficializadas na Directiva Operacional n.º 2/2007 da Autoridade Nacional para a Protecção Civil (ANPC), não chegaram «inteiras», contrariamente ao que refere Ascenso Simões, ao ministério de Assunção Cristas, liquidadas na prática pelo segundo governo PS/Sócrates (como se diz no primeiro relatório da CTI (página 11 do Anexo 8), «esta formação, altamente especializada, necessitava de um programa de tutoria de pelo menos 5 anos. Em 2010 a metodologia GAUF foi abandonada e foram constituídas de forma minimal, nesse ano e nos anos seguintes, até 2014, equipas GAUF em processo ad-hoc».
Aliás os fantasiosos números do ex-secretário de Estado foram postos a nu pelo actual ministro da Agricultura. Este, face à queima do Pinhal de Leiria, veio queixar-se que não pode fazer o mesmo, pois se na outra «encarnação», de ministro da Agricultura do Governo PS de Guterres, o ministério «dispunha de mais de 15 mil funcionários», agora tinha «cerca de 5 mil»! Quem terá feito desaparecer tanto funcionário! Ter-se á esquecido do seu programa de transferência de funções do ministério da Agricultura para as organizações agrícolas, com a correspondente liquidação de funcionários?
5. A contribuição de Ascenso Simões para a liquidação dos Serviços Florestais e dos seus recursos humanos iniciou-se pela reconversão da Direcção-Geral de Recursos Florestais (DGRF) em Autoridade Florestal Nacional (ANF), através do DL n.º 159/2008. E para cumprir o PRACE e o Sistema de Mobilidade Especial, montou um guião de destruição dos Serviços Florestais, de Viveiros, Estações Aquícolas e outras estruturas públicas de experimentação, formação e desenvolvimento florestal – como o Centro Nacional de Sementes Florestais (CESASEF) e Centro de Operações Técnicas Florestais (COFT) –, os viveiros de salmonídeos, ou matas de produção de sementes de pinheiro bravo – como a Mata de Escaroupim – a que pôs o pomposo nome de Rede Florestal Nacional. Coisa extraordinária, para poupar dinheiro ao Estado, pôs funcionários administrativos da ex-Estação Aquícola de Vila do Conde (já desaparecida) a irem, todos os dias, dar de comer às trutas do Viveiro do Alto do Marão, entretanto esvaziado dos seus dois trabalhadores especializados! E não se tratou apenas de uma reestruturação orgânica dos Serviços Florestais, a passagem da DGRF a AFN! Não. Substituiu-se a clara atribuição que tinha sido feita à DGRF de «Promover a prevenção estrutural» da floresta no âmbito do SNDFCI (Artigo 2.º n.º 2, alínea g), do Decreto-Lei n.º 10/2007) pela ambígua fórmula de «Promover a formulação e impulsionar a monitorização das políticas de defesa da floresta contra incêndios» (Artigo 3º, n.º 5, alínea c)). De facto, desresponsabiliza-se o Estado dessa política, substituindo-se um órgão executivo da Administração do Estado, a DGRF, por um órgão de regulação, a AFN. Abre-se a porta à gestão privada por concessão das Matas Públicas (n.º 6 do Art.º 3.º), o que então foi indiciado pelo Ministro Jaime Silva para o Pinhal de Leiria, e já foi explicitamente admitido pelo Ministro Capoulas Santos! E quando, entre as atribuições definidas no n.º 2 do Artigo 3.º, se especifica a definição e promoção de acções de manutenção e valorização de diversas espécies florestais (sobro e azinho, eucalipto e pinho) não só se esqueceram de importantes espécies autóctones como os carvalhos, como se destacou em exclusivo para o eucalipto a necessidade da «requalificação e melhoria da produtividade dos povoamentos»! Porque não para as outras espécies?
6. A continuidade das políticas de direita foi total, no tocante ao uso dos dinheiros públicos – dotações dos Orçamentos de Estado (OE), Fundos Comunitários e Fundos Florestais Permanentes (FFP) – na promoção e defesa da floresta. Em dois sentidos: restrições crescentes nos fundos dirigidos à floresta do minifúndio do Norte e Centro do país, exclusão e descriminação dos projectos da pequena propriedade florestal e das comunidades dos baldios, a par das reduções orçamentais para o funcionamento dos próprios serviços florestais, com as inevitáveis consequências, já referidas, em matéria de recursos humanos.
A Dr.ª Assunção Cristas, por exemplo, cortou mais de 20 milhões de euros (uma redução de 25%) ao orçamento do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), entre 2011 e 2015.
O ICNF tem hoje, para o complexo conjunto das suas funções ambientais e florestais, inclusive de direcção e intervenção nas Áreas Protegidas, 1280 trabalhadores, dos quais quase 50% tem mais de 55 anos e apenas 4% tem menos de 40 anos!
Do primeiro relatório da CTI (segundo n.ºs da Comissão Europeia), pode retirar-se este balanço: na Programação de Despesa Pública total para Floresta no período 2007/2013, de 753 milhões de euros 338 milhões (45%) destinavam-se a «Primeiras Florestações de Terras Agrícolas», isto é, para juntar mais eucalipto ao eucalipto! E apenas 146 milhões para «Introdução de Medidas de Prevenção» (19%)!
Como é sabido, foi neste Quadro Comunitário/PRODER que a ministra Assunção Cristas resolveu fazer, em 2012, uma reprogramação dos fundos previstos para apoio à Floresta (441 milhões de euros), o que significou um corte de 163 milhões de euros (37%) e provocou uma redução do investimento global (incluindo o privado) de 271 milhões. Com o registo de que a Medida de Minimização de Riscos (na floresta) teve uma redução 50 milhões (58%). Com a agravante de forte descriminação do Norte e Centro.
E quando passamos ao Quadro Comunitário seguinte (Portugal 2020), a tendência mantém-se: os dados de execução do PDR-Floresta em Dezembro de 2016 mostram que da Medida 8.1.1 – Florestação, da Medida 8.1.3 – Prevenção da Floresta e da Medida 8.1.6 – Melhoria do Valor Económico, foram executados no Alentejo respectivamente 45%, 60% e 74%.
Um escândalo
No Norte Interior foram apresentados 31 projectos, referentes a 21 grandes baldios (dos quais o Estado é co-gestor em 19), para uma área de 1320 hectares prevista para implementação de mosaicos, faixas de protecção a aglomerados e habitações, reconversão para folhosas, diminuição de densidades e desramas, beneficiação de aceiros, rede primária, rede viária e pontos de água. O Secretariado dos Baldios de Trás-os-Montes e Alto Douro fez o balanço: 27 projectos foram reprovados por «falta de dotação orçamental» e quatro projectos aguardam decisão (possivelmente de reprovação). Isto é, ZERO aprovações!
Não será assim de estranhar o protesto de 8 organizações de produtores florestais em Agosto de 2018, denunciando que nenhum dos projectos apresentados pela região transmontana e duriense ter sido aprovado, e que em todo o Norte, apenas 6 de 234 candidaturas, foram aprovadas. Ou que, após os resultados das candidaturas da Medida 8.1.3 – Prevenção da Floresta, tornados públicos em 25 de Outubro, uma associação florestal – o Secretariado dos Baldios de Trás-os-Montes e Alto Douro – possa fazer o seguinte balanço: três anos de espera de uma decisão; de 31 projectos do Norte Interior distribuídos por cinco concelhos, 27 projectos foram reprovados por «falta de dotação orçamental» e quatro projectos aguardam decisão (possivelmente de reprovação). Isto é, ZERO aprovações!
Estes projectos diziam respeito a 21 grandes baldios (o Estado é co-gestor em 19) e 21 comunidades rurais do interior, 1320 ha de área prevista para implementação de mosaicos, faixas de protecção a aglomerados e habitações, reconversão para folhosas, diminuição de densidades e desramas, beneficiação de aceiros, rede primária, rede viária e pontos de água! Um escândalo.
As reprogramações posteriormente feitas não indiciam uma alteração substancial deste quadro.
Os dinheiros do Fundo Florestal Permanente (FFP), com destino bem especificado na Lei de Bases de Política Florestal, são usados como substituto das necessárias dotações orçamentais para a floresta, desde as transferências para as autarquias suportarem os Gabinetes Técnicos Florestais (cerca de um terço do FFP), a servirem como «contrapartidas nacionais» à aplicação de fundos comunitários em projectos florestais e mesmo em despesas públicas correntes! A obsessão pelo défice assim impõe… Chegou-se ao cúmulo da sua utilização na compra de Dívida Pública (19 milhões de euros)! No OE para 2018, no Art.º 9.º, está a transferência de 17 milhões de euros para o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP) para «contrapartidas nacionais» e 3,7 milhões para a GNR para contratação de Vigilantes Florestais, a par de, em montantes não indicados, transferências para as autarquias e para o Ministério da Defesa Nacional, no Art.º 150.º!
7. A passividade face à total monopolização das fileiras florestais pelo duopólio das celuloses, pelo monopólio do pinho, pelo monopólio da cortiça são a primeira causa dos preços degradados da produção lenhosa da nossa floresta. Quer por recusa de intervenção nestes mercados, inclusive pelo recurso à Autoridade de Concorrência (pese a sua reconhecida «inoperância/impotência», quer pelas folgas, legais (ver o que atrás se disse a propósito dos PROF) e de fiscalização, criadas à expansão anárquica do eucalipto, quer pelos apoios financeiros públicos àqueles monopólios (o actual Ministro da Agricultura ainda tentou responsabilizar a Assembleia da República pela ampliação da área de eucalipto, durante os dois anos do mandato do actual Governo PS!). Aliás, nas celuloses, acrescem as responsabilidades já referidas de quem privatizou a Portucel (PS, PSD e CDS-PP) e votou contra o Projecto de Resolução do PCP visando dar transparência e regulação ao mercado da produção lenhosa.
3%da área florestal é pública, em Portugal
8. A síntese: a generalizada não concretização da Lei de Bases da Política Florestal (LBPF)4, da Estratégia Nacional das Florestas (ENF) aprovada em 2006 e do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI) nela incluída, nomeadamente do cumprimento das suas metas e medidas, devidamente calendarizadas!
50%da área florestal é pública, na generalidade da Europa
Por exemplo, previa-se que em 2013 o Cadastro estivesse concluído; que em 2020 deverão existir 500 equipas de sapadores florestais; que até 2012 dever-se-iam atingir os 2 milhões de toneladas de biomassa resultantes de operações de silvicultura preventiva; que a actualização do Inventário Florestal Nacional ocorresse de três em três anos; que em 2012 toda a rede de Defesa da Floresta Contra Incêndios estaria delineada; que entre 2007 e 2013 a intervenção em silvicultura preventiva enquadrada em Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios abrangesse 2,5 milhões de hectares. Etc., etc., etc…
Aliás, Assunção Cristas fez uma revisão em 2014 da ENF, e, apesar de «empurrar» metas e prazos para a frente, nem assim as cumpriu. Mantendo a meta das 500 equipas de sapadores florestais até 2020, o seu «trabalho» foi ter recebido 282 equipas em 2011 e ter deixado em 2015, 271 equipas, logo um saldo negativo de 11 equipas(ver balanço do primeiro relatório da CTI, página 6 do Anexo 8)! Na versão original da ENF, em 2008, todas as Matas Nacionais deviam ter Planos de Gestão Florestal (PGF); com Assunção Cristas a data passou para 2017! Com a ENF de 2006, em 2013 deviam estar certificados 500 mil hectares e, em 2030, 75% de toda a floresta nacional; com a ministra do Governo PSD/CDS-PP, os mesmos 500 mil hectares passaram para 2020 e, em 2030, 1 milhão de hectares. E etc., etc., etc. Assim é fácil ser ministra… basta adiar o calendário…
«o Ministério da Agricultura é o ministério mais arcaico e mais Bloco Central que temos em toda a nossa democracia. Porque a Política Agrícola Comum é uma política ultrapassada, «Alentejocêntrica» que não responde a metade do território português»ASCENSO SIMÕES, PÚBLICO, 26 DE OUTUBRO DE 2017
9. O grande pano de fundo dos problemas da floresta portuguesa: as políticas agro-florestais, enquadradas pela Política Agrícola Comum (PAC) e levadas a cabo pelos governos do PS, PSD e CDS-PP, traduzidas na desertificação económica e humana do mundo rural e de vastas regiões do interior Norte e Centro, do Alentejo e da Serra Algarvia. O ex-secretário de Estado de Jaime Silva descobriu ser necessário «uma nova visão sobre o mundo rural e ter um Ministério da Agricultura capaz de resolver muitos dos problemas que se colocam» (Público, 26 de Outubro de 2017). (As labaredas da floresta não são as do purgatório, mas é um facto que ajudam a apagar pecados e iluminam as mentes dos pecadores!). E explica porquê: «porque o Ministério da Agricultura é o ministério mais arcaico e mais Bloco Central que temos em toda a nossa democracia. Porque a Política Agrícola Comum é uma política ultrapassada, «Alentejocêntrica» que não responde a metade do território português». Uma eufemística aguilhada ao actual titular da pasta da Agricultura, responsável pelas estruturas e quadros dirigentes que «conservou» do Ministério CDS-PP de Assunção Cristas, relator do Parlamento Europeu da última Reforma da PAC e que manteve a discriminatória aplicação regional dos fundos comunitários, posta em prática pela sua antecessora! Se não fosse o vício dos eufemismos, o ex-secretário de Estado diria que a PAC é «latifundiáriocêntrica» ou «agronegóciocêntrica»!
O País continua a pagar a pesada factura de décadas de política de direita do PS, PSD e CDS-PP no mundo rural, na agricultura, na floresta, no abandono do interior. A desertificação económica e humana de vastos territórios, pela liquidação de milhares de explorações agroflorestais, a falta de rentabilidade económica da produção florestal e o desordenamento florestal, as deficiências e carências do dispositivo de combate aos fogos e muito mais, não caíram do céu ou são fruto do acaso, são a pesada factura dessas políticas. Das políticas agroflorestais. Do encerramento e degradação de serviços públicos, entre os quais os do Ministério da Agricultura virados para a floresta, dos monopólios da madeira e cortiça, das políticas orçamentais subordinadas ao PEC e à UE!
A situação de subdesenvolvimento do Interior não decorre, como alguns afirmam – o governo PS, por exemplo, na defesa do Programa Nacional para a Coesão Territorial (PNCT) – de razões específicas/próprias dos territórios do Interior. É, antes, uma manifestação, por um lado, da forma de inserção e de integração dos respectivos territórios, isto é, das respectivas economias, no quadro das relações espaciais de produção (capitalistas) onde estes territórios assumem funções económicas periféricas, desqualificadas, subordinadas.
«toda esta gente no governo fez, faz e fará o que sabe melhor fazer: leis! O que não sabem é defender a floresta portuguesa, como os dramáticos acontecimentos de Pedrogão e do dia 15 de Outubro demonstraram. Como Monchique voltou a evidenciar. Porque não é um problema de sabedoria. É um problema dos interesses de classe das políticas que defendem, da sua sujeição às imposições da UE e do capital monopolista»
Por outro lado, uma consequência da exclusão dos respectivos territórios, dos seus tecidos produtivos, das cadeias de produção económica, consequência do abandono de recursos, do encerramento de unidades empresariais e artesanais, de destruição de capacidades produtivas, resultado do efeito devastador que se abateu sobre os mercados locais, nomeadamente, na sequência do processo de integração económica da economia portuguesa no espaço económico da CEE/União Europeia. A que se segue o conhecido ciclo vicioso: menos emprego, migração/emigração, envelhecimento, menos população, diminuição severa da população em idade activa, menos gente para trabalhar, menos consumo, menos investimento, menos serviços públicos, menos actividade económica e, outra vez, menos emprego… fechando-se o ciclo. A partir de 2017, vamos ter de passar a incluir, na cadeia do subdesenvolvimento, os incêndios florestais…
É por isso que os responsáveis políticos por essas políticas do PS, PSD e CDS-PP, deviam, pelo menos, ter tento na língua! E quando se pronunciarem sobre incêndios florestais, começar por um, mesmo breve, acto de contrição: portugueses, nós pecámos contra a floresta, por nossa culpa, nossa culpa, nossa máxima culpa…
- 1.«Monchique: a regra e a sua excepção», Público, 11 de Agosto de 2018. Ascenso Simões foi secretário de Estado da Protecção Civil e secretário de Estado das Florestas (2005/2009).
- 2.Ficamos a saber agora, através do «obituário» a Pedro Queiroz Pereira, que a convite de responsáveis da Navigator/Portucel, Ascenso Simões se pronunciou sobre o futuro das terras baldias na inauguração da nova fábrica de Setúbal, in «P.Q.P. e Pedro Queiroz Pereira», Ascenso Simões, Público, 20 de Agosto de 2018
- 3.Hoje muito relembrados (até pelo PSD que os referiu no debate do OE/2018, depois de tudo ter feito para os liquidar definitivamente!), mas esquecendo-se que o PCP foi o único Partido que se opôs à medida da sua extinção. E apesar de o PCP ter conseguido aprovar a sua recomposição, e tal ficar consignado no OE2018, ainda hoje, 22 de Agosto de 2018, nada avançou.
- 4.Veja-se a tentativa de passar terras florestais públicas via Bolsa de Terras (Assunção Cristas) ou Banco de Terras (Capoulas Santos) quando a LBPF impõe, na alínea c) do Artigo 8.º, «Ampliar o património florestal público (…)», até para responder ao problema da reduzidíssima área pública global – 3% da área florestal do país – ao arrepio do que acontece na generalidade dos países europeus, onde a floresta pública ultrapassa em muitos casos 50% do total nacional.
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