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22 de junho de 2021

Um dia na vida de Ivan Benediktov – 2

 A minha mulher chorava. De manhã, fui para o Comité Central. Na reunião, foram debatidas questões sobre o desenvolvimento da agricultura. Quase que não conseguia entender o sentido das intervenções, esperava que dissessem o meu nome e começassem a estigmatizar-me. Por fim, alguém falou no meu nome... era Estaline.

O burocratismo no Comissariado não diminui”, disse ele devagar e pesadamente. “Todos nós respeitamos o Comissário do Povo... um velho bolchevique, veterano de guerra, mas não há meio de ele conseguir combater o burocratismo, é verdade que a idade também já não ajuda. Ouvimos opiniões e decidimos reforçar a direção do sector. Proponho a nomeação para o cargo de Comissário do Povo o jovem especialista Benediktov. Alguém está contra? Não? Considera-se o assunto resolvido.”

Após alguns minutos, quando todos começavam a sair, aproximou-se de mim Vorochilov: - Ivan Alekssandrovitch, o camarada Estaline pede que vá ter com ele.

- Eis o nosso novo Comissário do Povo - disse Estaline quando me aproximei dele.

- Então, concorda com a decisão tomada ou tem alguma razão contra?

- Tenho, camarada Estaline, três ao todo.

- Diga então!

- Em primeiro lugar sou demasiado novo, em segundo, trabalho há pouco tempo nas novas funções e faltam-me experiência e conhecimentos.

- A juventude é uma insuficiência que passa. Só é pena que passe tão depressa. Nós é que precisávamos um pouco mais dessa insuficiência, não é Molotov? - este pigarreou de forma indefinida, ajustando as lentes no nariz - Experiência e conhecimento é algo que se adquire - continuou Estaline - Teria sido para mim um prazer ter estudado, mas você, pelo que me disseram, teve-o que chegue. Mas não se encha de orgulho que nós ainda lhe vamos fazer muitas dores de cabeça. Prepare-se para ter uma vida difícil, o Comissariado tem sido negligenciado. E qual é a terceira razão?

Então contei a Estaline a minha ida ao NKVD. Ele franziu o semblante, ficou calado e depois, olhando-me fixamente, disse:

- Responda francamente, como comunista: essas acusações têm algum fundamento?

- Nenhum, exceto no que toca à minha inexperiência e inépcia.

- Muito bem, pode ir trabalhar que nós trataremos dessa questão.

Pode dizer-se que Estaline não quis alterar uma decisão já tomada, e isso salvou-me.... Não creio. Ao longo de muitos anos de trabalho, constatei várias vezes que os procedimentos formais ou ambições pessoais pouco significavam para ele. O que contava era o trabalho e, se fosse necessário, não se constrangia em alterar decisões tomadas, não se preocupando sobre o que pudessem outros pensar ou dizer.

Tive simplesmente sorte porque o caso sobre a minha fictícia “sabotagem” cair sobre o seu controlo pessoal. Nas questões relacionadas com processos de pessoas acusadas de sabotagem, Estaline tinha fama de liberal no Comissão Política. Normalmente, punha-se do lado dos acusados e conseguia inocentá-los, embora, claro, tenha havido exceções. Eu mesmo presenciei várias vezes desavenças de Estaline com Kaganovitch e Andreev, considerados “duros” nesta matéria. Os argumentos de Estaline assentavam fundamentalmente na ideia de que mesmo com os inimigos do povo era necessário lutar dentro do campo da legalidade, nunca saindo dele. (http://www.hist-socialismo.com/docs/Benedictov.pdf)

Abordámos aqui a questão tabu do “estalinismo”, um termo inventado por reacionários, que serve a extrema-direita e a social-democracia mesmo rotulada de radical, que apresentam números absurdos, já comprovadamente falsos das “vítimas do comunismo”. Tratámos também este tema em “Problemas económicos do socialismo na URSS”, o autor e a obra 1a Parte.

Vale também a pena visitar a resenha do livro de Dimitri Rogozin, (atualmente colaborador de Putin) que nos conta a sua história e a do fim da URSS. No início dos anos 1980, membro do Konsomol, é convidado a ingressar no KGB. Confessa o seu entusiasmo pelo convite, “sonhando com feitos heroicos pela Mãe-Pátria”. Verificamos que o KGB era uma instituição prestigiada na URSS e não a versão de uma entidade odiosa que envergonharia qualquer jovem honesto a ela aderir.

No final do curso, é enviado para Cuba. Aproveitou para estudar elaborando duas teses de doutoramento: “A guerra psicológica dos EUA contra Cuba” e “Os paradoxos do Presidente Mitterand”. Regressa em 1986 “desejoso de começar a trabalhar para os órgãos de Segurança do Estado”. Tal não vai acontecer, devido a um decreto “contra o nepotismo”. “Foi aqui que os meu sonho foi feito em pedaços”.

Yeltsin, segundo ele, “era um déspota. Traiu e vendeu a Rússia. Despediu cerca de 900 quadros diplomáticos altamente qualificados tal como no Ministério da Defesa e no KGB em que os derradeiros profissionais foram postos na rua.”  

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