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22 de abril de 2018

Um Programa sob a batuta da UE

Efabulações a propósito do Programa de Estabilidade . Jorge Cordeiro
A apresentação do Programa de Estabilidade (PE) pelo Governo do PS tem feito correr rios de tinta. Tanta é a escrita lavrada que as probabilidades de sair esborratada a pintura são as que estão expostas à evidência: um percepcionamento distorcido do que aquele documento representa; um carrossel de posicionamentos políticos onde na penumbra das manobras e na sabonária de passados recentes se esbatem ou escondem concepções que não se querem revelar; uma inusitada e conformada rendição aos critérios que aquele documento encerra; uma mina argumentativa para justificar o que por opção política e programática se tem por irrevogavelmente assumido. Sempre fugindo ao óbvio: não é pela submissão externa que os problemas do País têm solução.
Comecemos por onde, não havendo razão em contrário, em regra se deve começar: pelo início. É o caso, não só por imperativo da ordem mas da essência da coisa. Este Programa é um instrumento da União Europeia e da sua política, destinado a moldar as imposições e interesses do directório de potências que comanda o processo de integração, um recurso à figura de “visto prévio” para usurpar o poder soberano de cada Estado à condução da sua política orçamental e económica.
Ver neste documento coisa diferente do que ele é só pode resultar de incurável miopia. Passemos para o domínio da penumbra em que se enreda o tema. Quem for levado na névoa do «somos todos Centeno» arrisca-se a perder a nitidez de visão que o exame da matéria requer. O recurso à polarização no ministro das Finanças com a sua invocação directa, mesmo que aparentemente generalizada na expressão do titular da pasta da Saúde, não dissipa o essencial: não se está no domínio de opções pessoais mas sim de uma trajectória programática em si mesma expressão da submissão do PS e do seu governo ao Euro e à União Europeia. Só por pueril efabulação se pode ler, como já por aí se viu escrito, no texto de Centeno um alegado recado também para o interior do PS! Antecipando previsíveis réplicas dos que já a brandir o aparo atiram que «mas então não é verdade que os ministros das finanças são por força federalista quem manda?» se dirá, concedendo à premissa do arremesso, que assim é, mas que esse assim ser radica na voluntária entrega de parcelas de soberania perante interesses externos. Por razões de higienização política e mínima observação exigível de valores e princípios não se consumirão mais caracteres do que os necessários para registar o concentrado de hipocrisia e cinismo do esbracejo de Cristas e do CDS sobre o teor de um instrumento de que fizeram uso e abuso para justificar o assalto a que se dedicaram sem pestanejar.

A afirmação do interesse nacional exige a não rendição perante os critérios e imposições da União Europeia. Este Programa é, como se disse, da exclusiva responsabilidade do governo. Não consta, pelo menos no que ao autor deste texto é dado saber, qualquer “negociação” do seu conteúdo. Desde logo porque a soberania não se deve negociar. Depois porque a questão não está na discussão se o défice que o governo quer apresentar em Bruxelas é de 0.7%, 1,1% ou 1.4%. Não porque cada décima não tenha uma tradução em margem orçamental mas porque o que se impõe é não a condução da política subordinada ao défice mas sim o da não abdicação do direito e dever de, a cada momento, se responder aos problemas, às necessidades de investimento e ao financiamento das funções sociais. E ainda porque, para lá do que se quer apresentar como irrevogavelmente chancelado por Merkel ou Macron, os órgãos de soberania mantêm o poder para assumir as decisões que lhes cabem, e os trabalhadores e o povo preservam a capacidade de, pela luta, exigir a efectivação dos seus direitos. E por último rejeite-se o filão que se quer explorar, para à sombra do PE, justificar opções próprias que baseadas em critérios de classe se vendem como do interesses de todos. Seja as que decretam que enquanto houver défice não haverá redução de carga fiscal (como se a questão fosse a “carga fiscal” em abstracto e não a desproporção entre a que estão sujeitos os trabalhadores e a que os lucros, dividendos e grandes fortunas beneficiam), seja a insidiosa confusão entre “despesismo” e resposta às necessidades do povo e do País, seja ainda a ideia de que «não se pode dar tudo ao mesmo tempo» depois de se ter tirado tudo de uma vez, seja em matéria de direitos, rendimentos ou investimento (o investimento previsto no PE para 2022 ficará abaixo do que existia em 2011!).
É inaceitável que o potencial alcançado com o crescimento económico seja hipotecado na «redução recorde do défice» em vez de ser reinvestido para robustecer o País e a sua capacidade produtiva. Os que não se incomodam com os milhões consumidos nas PPP e na Banca ou devorados nos juros da dívida continuam a embalar a nação com a fábula da formiga e da cigarra. Sendo que, em boa verdade, vêem-se é no papel daquele inglês que querendo habituar o seu cavalo a não comer o viu sucumbir quando já estava afeiçoado à privação.

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