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25 de outubro de 2022

A caminho da destruição mútua assegurada

 Crimes do capitalismo – apontamentos sobre passado e presente

Jorge Cadima


A história do capitalismo, desde a sua fase de acumulação original do capital até aos dias

de hoje, é uma longa história de violência e crimes. Do tráfico de escravos em larga

escala ou o extermínio de populações inteiras (como nas Américas), à ameaça actual de

desencadear um conflito global na era nuclear, vai um fio condutor. Esse fio condutor é

um sistema assente na exploração e opressão, que devora vidas humanas e meio

ambiente para gerar lucros e riqueza em benefício duma pequena minoria. Conhecer a

História é importante também para compreender a natureza das grandes potências

imperialistas que gostam de se apregoar ‘democráticas’ e detentoras de ‘valores’, mas

cujo poder assenta sobre muitos milhões de mortos, rios de sangue e crimes sem paralelo

na História mundial.

Acumulação original e expansão mundial do capitalismo

Há mais de 150 anos, Marx escrevia n’«O Capital» (1): «A descoberta de terras de ouro e

prata na América, o extermínio, escravização e encerramento da população nativa nas

minas, o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais (2), a transformação da África

numa coutada para a caça comercial de peles-negras, assinalam a aurora da era de

produção capitalista».

A acumulação original de capital começara com a expropriação de

vastas massas camponesas nos principais países europeus. Marx escreve: «Com isto

surge o movimento histórico que transforma os produtores em operários assalariados, por

um lado com a libertação destes da servidão [feudal] e da coacção das corporações. […]

Mas por outro lado estes recém-libertos só se tornam vendedores de si mesmos depois

de lhes serem roubados todos os seus meios de produção e todas as garantias da sua

existência proporcionadas pelas velhas instituições feudais. E a história desta sua

expropriação está inscrita nos anais da humanidade com caracteres de sangue e fogo.

[…] A chamada acumulação original nada é, portanto, senão o processo histórico de

divórcio de produtor e meios de produção». Primeiro, no seio dos países mais avançados

no processo de desenvolvimento capitalista, e mais tarde no plano mundial, com a

pilhagem por estes de inteiros povos e regiões.

Marx cita o seu contemporâneo inglês William Howitt: «As barbaridades e excessos

desesperados da chamada raça cristã através de todas as regiões do mundo e sobre

todos os povos que foi capaz de submeter não têm paralelo nas de qualquer outra raça,

por mais selvagem, por mais inculta e por mais desprovida de piedade e vergonha, em

qualquer idade da terra». E estavam ainda no futuro a expansão colonial da fase

imperialista do capitalismo (transição Séculos XIX-XX) (3); os horrores das duas Guerras

Mundiais e do nazi-fascismo; o holocausto atómico norte-americano de duas cidades

japonesas; as chacinas anti-comunistas e anti-movimento de libertação nacional, como os

que os EUA perpetraram na Indonésia em 1965.

Revolução de Outubro, libertação nacional e nazi-fascismo

O ascenso do movimento operário – ou seja, dos expropriados do processo de

acumulação original – no decurso do Século XIX, haveria de culminar na Grande

Revolução Socialista de Outubro, na Rússia, em 1917. Essa Revolução foi também uma

revolta contra um dos grandes crimes da História, a I Guerra Mundial, em que potências


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imperialistas em disputa por colónias e poder sacrificaram a vida de muitos milhões de

trabalhadores.

A Revolução de Outubro deu um impulso notável à luta do movimento operário. Grandes

movimentos sociais e mesmo revolucionários sacudiram a Europa no final da guerra. A

resposta das classes dominantes incluiu a promoção do fascismo, a mais violenta e

bárbara expressão do capitalismo, que contou com larguíssimo apoio entre as classes

dirigentes da maioria dos países. Esse filo-fascismo ficou patente quando a República

Espanhola foi abandonada pelas ‘democracias liberais’ (com a ‘política de não

intervenção’), face ao golpe militar fascista. A chamada Guerra Civil e os massacres do

franquismo saldar-se-iam por um milhão de mortos.

A ascensão do nazi-fascismo foi acompanhada pelo terror sobre as organizações do

movimento operário e, em numerosos países (como a Alemanha ou Espanha), pela

destruição física em larga escala dos seus membros. Conduziu directamente à II Guerra

Mundial, com as suas dezenas de milhões de mortos e a barbárie dos campos de

concentração nazis.

A vitória histórica dos bolcheviques sob a direcção de Lénine e a sua política de apoio à

libertação nacional dos povos colonizados teve um impacto decisivo no processo histórico

de libertação nacional e social dos povos subjugados pelo imperialismo e colonialismo (4).

Ao longo do Século XX foram derrubados os impérios coloniais de Inglaterra (o ‘Império

sobre o qual o Sol nunca se punha’, que colonizava países gigantescos como a Índia, e

parte importante de África e Ásia) e França (sobretudo em África e no Sudeste Asiático,

então designado Indochina), mas também Holanda (potência colonial da Indonésia),

Bélgica (cuja colonização do Congo foi um dos mais criminosos episódios da expansão

mundial do capitalismo) e Portugal. A influência da Revolução de Outubro neste

gigantesco processo de libertação nacional é visível no papel, muitas vezes determinante,

que os partidos comunistas desempenharam na luta anti-colonial e anti-imperialista. Foi

assim na Índia, Indonésia, Vietname, Coreia, Iraque, Malásia, Sudão, África do Sul, Síria e

tantos outros. Foi também assim na gigantesca China, onde décadas de dominação semi-

colonial, marcadas pelas Guerras do Ópio e as ‘concessões ocidentais’ (5), ficaram

conhecidas como o «Século da Humilhação». O historiador britânico John Newsinger

escreve: «A atitude britânica para com a China foi talvez expressa da melhor forma por

Palmerston [Primeiro Ministro inglês no Século XIX – NA] referindo-se à forma de lidar

com ‘governos semi-civilizados como os da China, Portugal e a América espanhola’.

Todos eles precisavam ‘de levar uma sova a cada oito ou dez anos para os manter no seu

lugar… não precisam apenas de ver o cacete, precisam mesmo de o sentir nas suas

costas’» (6). Cerca de século e meio depois, um dos agentes da política imperialista

norte-americana repetia a mesma tese com palavras quase idênticas: «Uma vez em cada

dez anos os Estados Unidos precisam de pegar num pequeno país de merda e atirá-lo

contra a parede, só para mostrar ao mundo que falamos a sério» (7).

Sob a influência decisiva dos comunistas, a libertação nacional fundiu-se com a libertação

social de vastas massas, em particular de vastas massas camponesas que viram os seus

meios de produção (nomeadamente a terra) ser-lhes devolvidos, num processo inverso ao

da acumulação original descrito por Marx. Foi assim na China, Coreia e Vietname, mas

também noutros países onde a libertação nacional não chegou a assumir a forma de

Revolução Socialista.

O processo de libertação nacional e social ganhou particular expressão após a II Guerra

Mundial, com o papel decisivo da URSS na derrota do nazi-fascismo e a alternativa

económica apresentada pela criação dum sistema socialista. Mas cedo ficou patente que

este processo seria tudo menos pacífico.


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A ‘Guerra Fria’ como contra-ofensiva imperialista

A 2 de Setembro de 1945, o grande dirigente comunista e nacional vietnamita, Ho Chi

Minh, proclamava em Hanói a independência do Vietname, até então colónia francesa.

Em 17 de Agosto desse mesmo ano, o dirigente nacionalista indonésio Sukarno

proclamara a independência do seu grande país. A Síria fizera igual proclamação. Por

toda a parte, surgia impetuoso o desejo de libertação nacional. As velhas potências

coloniais entraram em acção para tentar travar o curso da História. Em Maio de 1945,

poucos dias após o fim da II Guerra Mundial na Europa e poucos meses após a libertação

da França da ocupação nazi, o governo francês mandava bombardear Damasco e o seu

parlamento. A liberdade não era um conceito que a França ou Inglaterra liberal-burguesas

aceitassem estender aos povos das suas colónias, como se comprovaria nos anos

seguintes em numerosos países, da Argélia à Indochina, do Quénia à Malásia.

Na Indonésia, as tropas britânicas a mando do governo trabalhista de Attlee

desembarcam em 1945 para impedir a independência e devolver a colónia à Holanda.

«As forças nacionalistas foram desarmadas e dispersas e os Holandeses colocados de

novo no mando. […] A resposta britânica provocou combates intensos que apenas

terminaram com a chegada de reforços e o rearmamento dos japoneses» (8). Os inimigos

fascistas da véspera eram agora aliados, como já acontecera na Grécia em 1944 e viria a

acontecer à escala mundial nos anos da chamada ‘Guerra Fria’.

Igual papel foi desempenhado pela Inglaterra no Vietname. Escassos quatro dias após a

proclamação da independência por Ho Chi Minh, tropas inglesas desembarcavam no sul

do Vietname, abrindo caminho ao regresso da potência colonial francesa que, a 23 de

Setembro, «tomou o poder em Saigão […] prendendo grande número de vietnamitas».

Um general francês agradeceu aos ingleses terem «salvo a Indochina francesa» (9). O

agradecimento foi prematuro. Nove anos mais tarde, a França foi derrotada pelo exército

popular vietnamita dirigido pelos comunistas de Ho Chi Minh e do lendário comandante

militar Vo Nguyen Giap, na batalha de Dien Bien Phu (Maio 1954).

Quando era impossível impedir a vaga de libertação nacional, aplicava-se a velha técnica

imperialista de dividir para reinar. Antes de abandonar a Índia, os colonialistas ingleses

promoveram a divisão entre as comunidades hindu e muçulmana que resultou em

terríveis massacres e dividiu a antiga colónia em dois novos países, Índia e Paquistão

(mais tarde três, com a criação do Bangladesh). Exímio na arte de dividir, o imperialismo

inglês lançou as sementes de muitos conflitos que continuam hoje presentes, de Chipre à

Palestina.

A ‘democrática’ Bélgica (com a cumplicidade dos EUA) assassinou o herói da

independência congolesa Patrice Lumumba em 1960 (10) e promoveu a subversão que

levaria ao poder o corrupto e sanguinário Mobutu, amigo de Mário Soares.

Apesar dos seus esforços, nas décadas que se seguiram à II Guerra Mundial, as velhas

potências coloniais viram o poder escapar-lhes de mão. Os Estados Unidos, evitando a

guerra no seu território, afirmou-se como o novo centro do capitalismo mundial. No pós-

guerra era responsável por cerca de metade da produção industrial mundial, Além disso,

tinha endividado o velho Império Britânico até ao ponto da subordinação (11). Trocando as

velhas roupagens colonialistas por novas e mais sofisticadas formas de controlo neo-

colonial (já ensaiadas na América Latina), os Estados Unidos cedo construíram uma vasta

rede de afirmação do seu poder mundial. A nova aliança mundial anti-comunista

englobava as forças fascistas derrotadas na II Guerra Mundial (em particular no seio das

forças repressivas e militares, e nos exércitos secretos ao estilo Gládio) e ditaduras

fascistas como a de Salazar, co-fundadora da NATO. O objectivo estratégico era o de


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contrariar a tendência crescente para a libertação dos trabalhadores e dos povos. Entre

os seus alvos estavam forças que haviam encabeçado a resistência ao nazi-fascismo.

Ainda a II Guerra Mundial não tinha acabado e tropas inglesas intervêm na Grécia,

massacrando manifestantes desarmados em Atenas. A guerra por eles lançada e

prosseguida pelos EUA contra o movimento de resistência anti-nazista grego, dirigido

pelos comunistas, saldou-se pela morte de 150 mil pessoas. Foi na Grécia que os EUA

usaram pela primeira vez o napalm (12).

A contra-ofensiva restauradora imperialista, a que alguns chamam ‘Guerra Fria’, foi tudo

menos ‘fria’. Um dos seus primeiros actos foi o lançamento das bombas atómicas sobre

as cidades japonesas de Hiroxima e Nagasáqui (Agosto 1945), visando intimidar as forças

do progresso social no pós-guerra. Os ataques nucleares provocaram a morte e

sofrimentos atrozes em centenas de milhar de japoneses.

Uma das mais mortíferas e bárbaras guerras do imperialismo teve lugar na Coreia (1950-

53), procurando esmagar as forças patrióticas dirigidas pelos comunistas coreanos que

conduziram a luta contra o ocupante japonês (13). O General norte-americano Curtis

LeMay gabou-se: «"arrasámos praticamente todas as cidades, quer na Coreia do Norte,

quer na Coreia do Sul", "matámos mais de um milhão de civis coreanos e expulsámos

vários milhões dos seus lares”» (14). O Professor de História norte-americano Bruce

Cumings afirma (15): «a guerra provocou mais de 4 milhões de baixas, pelo menos

metade das quais civis». O uso de armas biológicas pelos EUA durante esta guerra foi

comprovado pela Comissão Científica Internacional que, sob o auspício do Conselho

Mundial da Paz, visitou a Coreia e a China em 1952 (16).

Após a sua derrota em Dien Bien Phu, a França foi obrigada a assinar um acordo

prevendo a independência do Vietname, com eleições gerais em 1956. Para impedir a

realização das eleições, que se saldariam seguramente pela vitória das forças patrióticas

encabeçadas por Ho Chi Minh, os Estados Unidos substituíram a França, numa escalada

intervencionista que conduziu a outro grande crime histórico do imperialismo. Escreve um

historiador britânico: «Praticamente não há crime de guerra que não tenha sido cometido

pelos Estados Unidos no Vietname (a tortura e assassinato de prisioneiros, o massacre

de civis, bombardeamentos indiscriminados, guerra química, até mesmo experiências

médicas sobre prisioneiros)» (17). O uso indiscriminado de napalm e armas químicas

como o agente laranja que ainda hoje, quase meio século após o fim da guerra, são

responsáveis por numerosas mal-formações congénitas em crianças vietnamitas, é uma

das marcas da ‘democrática’ intervenção dos EUA. Um jornalista norte-americano traça o

balanço: «Os comunistas vietnamitas acabariam por vencer contra os americanos, mas

com um custo tremendo. Três milhões de vietnamitas foram mortos nessa guerra e dois

milhões deles eram civis. Muitos mais foram mortos no Camboja e Laos. Na Indochina, a

cruzada anti-comunista de Washington varreu a vida numa escala verdadeiramente

colossal»(18).

Num interessante livro recentemente traduzido em Portugal, «O Método Jacarta» (19), o

jornalista norte-americano Vincent Bevins traça um quadro da importância que tiveram os

massacres e o extermínio brutal de alguns dos principais partidos comunistas e forças

revolucionárias no chamado Terceiro Mundo. Bevins realça o massacre de «pelo menos

um milhão de indonésios, talvez mais, [que] foram mortos como parte da cruzada global

anti-comunista de Washington» e que destruiu (temporariamente) o terceiro maior Partido

Comunista do mundo (após URSS e China) (20). Alicerçado no prestígio alcançado na

luta pela independência, o Partido Comunista da Indonésia chegou a ter 3 milhões de

membros e 17% dos votos expressos em eleições gerais (1955). Segundo Bevins, «os

serviços secretos britânicos concluíam, em 1958, que se houvesse eleições, o Partido

Comunista ficaria em primeiro lugar. Foram os militares, a força mais anticomunista no


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país, agora a construir uma parceria cada vez mais íntima com Washington […] que

forçara o cancelamento das eleições planeadas para 1959». E foram os militares, sob a

batuta de Washington, que em 1965 desencadearam uma das maiores chacinas políticas

da História. A Embaixada dos EUA elaborou «listas com os nomes de milhares de

comunistas e suspeitos de comunismo, e entregou-as ao Exército, para que essas

pessoas pudessem ser assassinadas». A receita indonésia foi repetida, em escalas

diferentes, em numerosos outros países com importantes Partidos Comunistas ou forças

revolucionárias, como o Iraque (com Saddam Hussein então ao serviço dos EUA), Sudão,

Brasil, Guatemala, Chile, Argentina, Irão. E foi repetida pelos militares golpistas

indonésios em Timor-Leste.

Com contornos próprios, o método foi ensaiado também em países do centro imperialista.

Os massacres de dirigentes do movimento pelos direitos dos afro-americanos nos EUA

(Malcolm X, Luther King, Panteras Negras), na sequência das perseguições macartistas

contra os comunistas dos EUA nos anos 50, ou a violenta «estratégia da tensão»

bombista e terrorista que provocou centenas de mortos na Itália dos anos 70-80, e que

visou impedir a afirmação eleitoral dos comunistas italianos, são dois exemplos.

O «Método Jacarta» não visou apenas a destruição de poderosas e influentes forças

revolucionárias mas, simultaneamente, a destruição da perspectiva dum desenvolvimento

económico soberano, liberto da pilhagem imperialista (21). Uma perspectiva a que a

Indonésia independente e o seu Presidente Sukarno tinham dado um importante impulso,

com a Conferência de Bandung de 1955 e a posterior criação do Movimento dos Não

Alinhados.

Do ‘fim da História’ aos dias de hoje

As contra-revoluções do final do Século XX alteraram profundamente a correlação de

forças mundial. Os trabalhadores e povos foram colocados na defensiva. A nova realidade

revelou de forma ainda mais clara a essência do imperialismo. O enfraquecimento

considerável do movimento comunista e operário internacional não levou ao

abrandamento das guerras de agressão, conspirações, subversão e ingerências. Pelo

contrário. Dispondo duma superioridade militar quase hegemónica, as potências

imperialistas com os EUA à cabeça lançaram-se numa ofensiva de recolonização do

planeta (dispensando as responsabilidades que advêm dum domínio colonial aberto),

agora sob a designação de ‘globalização’.

Sentindo as mãos livres, EUA e UE avançaram na expansão da NATO. A guerra contra a

Jugoslávia, que assinalou os 50 anos desse bloco militar, mostrou que se a URSS

desaparecera, a agressividade do imperialismo não. É da sua natureza. Seguiram-se

inúmeras guerras de agressão no Médio Oriente e zonas envolventes (Iraque,

Afeganistão, Líbia, Líbano, Síria, Iémen), que transformaram a região do planeta mais rica

em recursos energéticos num mar de sangue e destruição, com muitas centenas de

milhar de mortos.

Qualquer país que manifeste vontade de desenvolvimento soberano (Venezuela,

Nicarágua, Cuba, Bolívia, Honduras, China, Rússia, Bielorússia, Irão, RPD Coreia, Síria e

tantos outros) é sujeito a campanhas de subversão, bloqueio económico e guerras de

agressão. Mesmo governos, como no Brasil pré-Bolsonaro, que não puseram em causa o

«consenso de Washington» são considerados alvos a abater. Não se aceita a

neutralidade, apenas a submissão. O campo de concentração e tortura de Guantanamo

ainda hoje se mantém em funcionamento. Israel bombardeia impunemente o povo

palestino, nomeadamente na mártir Gaza cercada há 15 anos. O centro imperialista

‘nomeia’ Presidentes de outros países (Guaidó na Venezuela). Pilham-se


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descaradamente as reservas de ouro e contas depositadas nos bancos dos países

imperialistas (Venezuela, Afeganistão, Irão, Rússia). Assassinam-se dirigentes políticos,

mesmo que tenham sido seus serventuários (como Saddam Hussein). O arbítrio é total e

descarado.

Mas tudo isto não evita a crise do sistema imperialista, patente na decadência económica

de EUA e UE e que se tornou clara em 2007-8. Razões para que se reforcem as

tentações duma resposta violenta por parte dos centros imperialistas. A promoção do

fascismo, do autoritarismo e da censura nos nossos dias é, como no Século passado,

inseparável dessa crise do capitalismo.

O perigo duma catástrofe provocada pelo imperialismo é hoje evidente. Uma das mais

perigosas expressões da agressividade imperialista é a estratégia de cerco e provocação

permanente à Rússia capitalista, que após o fim da União Soviética socialista foi tratada

como alvo a abater (dadas as suas gigantescas riquezas naturais, mas também num acto

de ‘desforra’ histórica que o imperialismo pretende exemplar), o que conduziu à guerra na

Ucrânia. As recentes provocações dos EUA em torno de Taiwan mostram que igual

estratégia de desestabilização e guerra por procuração é seguida no que respeita à

R.P.China, cujo crescimento económico (num contexto internacional em grande medida

moldado pelo imperialismo e as suas estruturas financeiras) é um dos factos salientes do

mundo actual e é encarado como uma «ameaça» pelas potências imperialistas que não a

controlam.

O total alinhamento da União Europeia nesta ofensiva dos EUA desmente as teses sobre

um seu ‘contra-peso’ ao imperialismo norte-americano. Apesar de reais contradições

(visíveis até na forma como os EUA conduziram a UE à louca política de sanções contra a

Rússia, que está a destruir a economia da Alemanha e outros países), este alinhamento

assenta no interesse comum das suas classes dirigentes em esmagar os povos,

sonhando com o retorno à dominação mundial do passado. A UE gosta de proclamar o

seu ‘modelo social’ (na realidade imposto pela luta dos povos), mas trabalha para a sua

destruição e para retomar um modelo de capitalismo sem entraves, quer no plano interno,

quer no plano externo.

Os mecanismos de dominação não vivem apenas da violência, mas também do controlo

ideológico e da propaganda. As avalanches de mentiras com que a comunicação social

de regime nos brinda diariamente são disso expressão. Ao longo da História, sempre as

vítimas da dominação do capital foram transformadas em ‘agressores’ ou ‘bárbaros’ e

violentos. Foi assim com os índios norte-americanos enquanto eram exterminados pelos

colonos europeus; com os africanos que eram arrancados às suas famílias para serem

tornados escravos além-mar, ou que resistiam à colonização; com o suposto ‘perigo

amarelo’ da China; com os milhares de Communards fuzilados após o esmagamento da

Comuna de Paris; com os comunistas. É assim hoje com quem quer que resista ao

imperialismo. Mas a mentira e a violência não deterão o curso da História. E o

capitalismo, com o seu cortejo de crimes, injustiça e exploração, acabará derrotado pela

luta dos trabalhadores e dos povos.

Notas

(1) Volume 1, Capítulo XXIV, «A chamada acumulação original». As citações são retiradas das

Obras Escolhidas de Marx e Engels, Tomo II, pp. 104-158, Ed. «Avante!»/Progresso, 1983.

(2) A designação ‘Índias Orientais’ refere-se à costa da Índia e arquipélagos, incluindo os

modernos países da Indonésia, Malásia e Filipinas.

(3) A referência incontornável é o livro de Lénine O Imperialismo, fase superior do Capitalismo,

Tomo 2, Obras Escolhidas em Seis Tomos, Ed. «Avante!»/Progresso, 1984.


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(4) Já em 1920, em plena guerra de agressão imperialista contra a jovem Rússia Soviética,

realizava-se em Baku o Congresso dos Povos do Oriente promovido pelos bolcheviques.

(5) Imortalizadas no livro Tintin e o Lótus Azul, com o – verídico – cartaz à entrada dum jardim de

Xangai onde se lia: «Não é permitida a entrada a cães e chineses».

(6) John Newsinger, The Blood Never Dried, A People’s History of the British Empire, Bookmarks

Pub., 2013, p. 66.

(7) Jonah Goldberg, «Baguedade delenda est», parte II, National Review, 23.4.02.

(8) John Newsinger, op. cit., p. 211-2.

(9) John Newsinger, op. cit., p. 209.

(10) O Assassinato de Lumumba, Ludo de Witte, Ed. Caminho, 2001.

(11) Para uma interessante história das rivalidades entre as duas super-potências anglo-saxónicas

nesta passagem de testemunho inter-imperialista, veja-se Clive Ponting, 1940, Myth and Reality,

Cardinal, 1990.

(12) Notes on the Greek Civil War, Partido Comunista da Grécia, 2006.

(13) O Militante, n.º 311, Março-Abril 2011.

(14) Targeting North Korea, de Gregory Elich, em

http://www.globalresearch.ca/articles/ELI212A.html

(15) As citações seguintes são todas do livro de Cumings, The Korean War, 2010, Modern Library

Edition.

(16) Relatório completo em https://medium.com/insurge-intelligence/the-long-suppressed-korean-

war-report-on-u-s-use-of-biological-weapons-released-at-last-20d83f5cee54

(17) John Newsinger, op. cit., p. 234.

(18) Vincent Bevins, «O Método Jakarta», Temas e Debates, 2022, p. 221.

(19) Vincent Bevins, op. cit. Citações nas páginas 216, 114 e 195.

(20) O Militante n.º 338, Set./Out. 2015 e Indonesia 1965, The second greatest crime of the

Century, de Deidre Griswold, disponível na Internet, em

http://www.workers.org/indonesia/index.html

(21) A ligação íntima do gangsterismo anti-comunista com a pilhagem imperialista é também

ilustrada no livro Confessions of an Economic Hit Man, de John Perkins, Plume Book, 2006.

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