- por Carlos Branco, Major-general (no ‘DN’ de 4/Maio/2024)
- por Carlos Branco, Major-general (no ‘DN’ de 4/Maio/2024)
As
tensões entre civis e militares e a frequente interferência destes na
política nacional remontam ao século XIX. Salazar tinha fundados receios
da Instituição. Por serem o sustentáculo do regime gozavam de
considerável autonomia e poder. Não foi por acaso, que os Presidentes da
República durante o Estado Novo foram sempre militares, e os militares
ocuparam lugares proeminentes no aparelho de estado, em particular no
ministério da guerra e mais tarde no da defesa.
Essa
autonomia explica, por exemplo, a reabilitação de personalidades como
Costa Gomes. O facto de ter participado na intentona de Botelho Moniz
(Abrilada de 1961) - sendo na altura subsecretário de estado do
Exército, terá sido inclusivamente o seu mentor - não o impediu de
exercer posteriormente as funções de 2.º comandante da Região Militar de
Moçambique e comandante da Região Militar de Angola, chegando mesmo a
ocupar o cargo mais elevado das Forças Armadas.
No
Portugal democrático, a presença dos militares na política acabou, e
bem, em 1982, com a extinção do Conselho da Revolução. Contudo, o
passado não foi esquecido. Não só permaneceu o ressentimento das elites
políticas relativamente aos militares, sobretudo as do “arco da
governação”, como foi considerado ser o momento para o ajuste de contas,
que já leva quase meio século.
A direita nunca
perdoou aos militares terem feito o 25 de abril, e a esquerda não
conseguiu superar os complexos e recalcamentos do passado. O revanchismo
ficou bem patente nas palavras “cordatas” de Freitas do Amaral quando
afirmou “que se lhe apetecesse poria almirantes e generais a andar de
bicicleta.” A Instituição tinha de ser sangrada lentamente,
pausadamente, progressivamente e sem alaridos ou sobressaltos. Foi o que
fizeram a maioria dos responsáveis pela defesa no Portugal democrático,
independentemente da cor política. Enfraquecer a Instituição militar
para que não pudesse nunca mais vir a constituir uma ameaça.
Mas,
na verdade, as elites políticas não se contentaram com o controlo
democrático das Forças Armadas, quiseram ir mais longe e
governamentalizá-las. Sob a capa da subordinação ao poder político
criaram uma organização domesticada, anémica e subserviente.
Conseguiram-no, com sucesso! Isso foi particularmente notório nalguns
governos do PS, que se destacaram por interpretações muito singulares do
conceito de controlo democrático das Forças Armadas.
Essa
relação de subserviência, acompanhada pela descida do seu estatuto
social, materializou-se de várias maneiras, em particular na perda de
direitos e esvaziamento da condição militar, transformando
convenientemente os militares em funcionários públicos. Esse tem sido o
grande sonho de vários ministros.
A evolução da
carreira militar nestes últimos 50 anos, comparativamente com a de
outras carreiras da função pública - magistrados, professores
universitários ou diplomatas - fala por si. Mas afinal para que serve
discutir vencimentos, saúde e condição militar? O fervor patriótico
deveria resolver tudo isso. Mas a verdade é que não resolve. Ser
funcionário público tem consequências em matéria de direitos.
O
prestígio da instituição militar tem-se esvaído progressivamente. Não
será por acaso que a carreira militar deixou de ser atrativa tanto para o
quadro permanente (QP) como para o regime de contrato. Assistimos ao
abandono das fileiras de quadros superiores experientes, que optam por
vidas fora da instituição com maior dignidade e reconhecimento social.
Passou-se da miséria dourada, como se dizia antigamente, para a miséria
deslavada. Pensávamos que tínhamos batido no fundo… enganámo-nos! É
possível ser ainda pior.
Julgámos injustamente que o
novo ministro da defesa não tinha pensamento sobre a matéria, mas
afinal tem! E pensa arrojadamente e ‘out of the box’. Nada mais adequado
para resolver a falta de quadros das Forças Armadas do que as
transformar em reformatório. Jovens que cometam pequenos delitos devem
cumprir serviço militar, em vez de ingressarem em “instituições que são
escola para o crime,” para se tornarem “cidadãos melhores”. No meu tempo
para se ir para a tropa tinha de se ter o cadastro limpo, parece que no
futuro se irá para a tropa para limpar o cadastro.
Mas
um mal nunca vem só. Afinal, o Ministro da Defesa não está sozinho. Há
mais ministros no Governo a pensar o mesmo. No aprimoramento da coisa
ainda vão buscar inspiração ao cozinheiro de Putin. O responsável por
esta veia correcional até poderá ter sido o Exército, uma vez ter sido
polícia na tropa. Quando o rei ficou nu, confrontado com as reações em
cadeia, passou a viver em realidade paralela.
Com a
Cimeira da NATO à porta, o sr. Ministro, que tem vistas largas, poderá
ousar e alvitrar a sua excelsa ideia aos seus congéneres. Com os russos
ao virar da esquina até pode ser que o ouçam e assim até dá um
contributo para a defesa do mundo ocidental. Que me desculpem os meus
camaradas artilheiros pelo plágio, mas Deus nos livre do nosso ministro
porque do inimigo livramo-nos nós.
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