Linha de separação


20 de maio de 2024

16.NARRATIVAS DO 25 DE NOVEMBRO (I) Agostinho Lopes


As comemorações dos 50 anos do 25 de Abril provocaram a multiplicação das “narrativas” sobre o 25 de Novembro. A direita e a extrema-direita – do Chega ao PSD, passando pela IL, CDS e etc. – desfizeram-se em formulações mais ou menos fantasiosas e revisionistas sobre o golpe contra-revolucionário, bem acompanhados por comentadores e peças jornalísticas dessas áreas mediáticas. A direita não desistiu e vai insistir na sua vã tentativa de dissolver o 25 de Abril no 25 de Novembro! (1) Todas essas escritas podem ser reduzidas à essência das (velhas) teses afirmadas nas iniciativas legislativas apresentadas na Assembleia da República pelo Chega, IL e CDS para evocação do golpe reaccionário de Novembro, mesmo com algumas nuances conforme os autores. Por exemplo, o Chega, para lá de querer acrescentar mais um dia feriado (o que dirão alguns dos seus financiadores empresariais?) escreve uma notável síntese, verdadeira pérola histórica: “Após o cerco de S. Bento e a queda do VI Governo (???), no dia 25 de Novembro de 1975, o Regimento de Comandos da Amadora, então sob o comando do Coronel Jaime Neves, entre tantos outros, ocuparam pontos estratégicos militares e civis e colocaram finalmente um fim ao processo revolucionário em curso, impedindo que a intenção da ala extremista à esquerda de instaurar uma ditadura comunista se concretizasse”. (Projecto de Lei n.º 98/XVI/1.ª). Não se sabe o que mais admirar: se a correcção histórica (a descoberta da queda do VI Governo é um achado e peras!), se a poupança na referência a protagonistas. Infelizmente estas visões (visões no sentido de fantasias, aparições) do 25 de Novembro foram rapidamente negadas, esbatidas, desvalorizadas (mas, infelizmente, não eliminadas definitivamente) por três insuspeitos (digo eu!) “historiadores e analistas que (…) se sentaram numa mesa-redonda para discutir o tema – Irene Flunser Pimentel, José Pacheco Pereira e Jaime Nogueira Pinto – e que alertaram para as “falsificações” históricas de quem a quer celebrar”, a que acrescentaram também “a ignorância do PS por não chamar a si o 25 de Novembro”. Segundo os historiadores citados, “A data continua envolta num “grande mistério”, mas parece ser consensual que o 25 de Novembro de 1975 não foi um “golpe” por parte do PCP e que os comunistas não tiveram uma “movimentação significativa” nesse processo”. (2)


Outras narrativas e anómalas narrativas vieram de alguns dos principais protagonistas do 25 de Novembro. E anómalas porque vieram ao arrepio dos factos e processos que bem conhecem, extemporâneas e desnecessárias, contribuindo para engrossar o ruído e a lama que a direita e a extrema-direita procuram lançar sobre o 25 de Abril e “os gloriosos capitães de Abril” que o fizeram, ao amalgamar e dissolver o 25 de de Abril e todo o processo revolucionário, com as suas contradições e confrontos, mas também conquistas e êxitos, no 25 de Novembro. Foram particularmente estranhas as declarações do General Ramalho Eanes (3), respeitada figura de militar e ex-Presidente da República, que nunca as tinha dito, e que no próprio integral das suas palavras aparenta querer negar as afirmações mais contundentes, que mais relevo mediático mereceram. Dizer que “Mas naquela altura o PCP (…) preparava-se efetivamente para estabelecer em Portugal um regime totalitário” e “Não tenho dúvidas”, é pouco coerente, consistente, com as frases dubitativas e desculpabilizadoras e até respeitosas que profere no mesmo encadeamento, tentando justificar, explicar o comportamento do PCP “talvez acossado pela extrema-esquerda”, ou ainda, “mas em que o PCP não podia deixar de intervir”, ao referir que no 25 de Novembro houve “uma ofensiva militar” “organizada levianamente pela extrema-esquerda”. O General Ramalho Eanes  que disse também não querer “tecer considerações nenhumas sobre o PCP” e que teve “óptimas relações com Álvaro Cunhal”, que “muito estimava” e “muito considerava”, sabia e sabe que esse PCP, com o papel que nele desempenhava Álvaro Cunhal, nunca avançaria, mas nunca, numa intervenção político-militar “acossado” fosse por quem fosse, ou em qualquer coisa “organizada levianamente”, ainda por cima, por quem tinha em 18 meses de Revolução feito do PCP senão o primeiro, um dos seus inimigos de eleição! Mas o PCP não ficará certamente amarrado a palavras com que nunca poderá concordar e manterá por Ramalho Eanes a consideração de um homem de Estado com um importante papel central na preservação da democracia e da liberdade conquistadas com Abril. 


Seria bom que na abordagem deste tema, para alguns historiadores, como vimos, ainda um “grande mistério”, não esquecêssemos ou ocultássemos, inclusive os protagonistas que se vão pronunciando (4), os textos que outros importantes protagonistas do complexo processo do 25 de Novembro foram dizendo e escrevendo, para pelo menos assegurar uma leitura tanto quanto possível plural e objectiva, a partir dos factos e acontecimentos históricos. Por exemplo:

– General Pezarat Correia (do Grupo dos Nove): “A democracia e a liberdade vingaram, não por causa do 25 de Novembro, mas apesar do 25 de Novembro”.

– General Franco Charais (também do Grupo dos Nove): “... o 25 de Novembro não foi uma tentativa de golpe de Estado da esquerda revolucionária e/ou do PCP. Mas uma simples rebelião de para-quedistas abandonados pelas suas chefias”.   

– General Vasco Gonçalves: “O plano não veio a ser concretizado porque a esquerda militar, o Partido Comunista e as forças progressistas não se deixaram envolver na provocação do 25 de Novembro e porque Costa Gomes chamou a si a dependência de todas as unidades militares do País”. (5)

– Capitão Duran Clemente: “O livro do comandante Gomes Mota que já referi anteriormente, mostra-nos claramente, ponto por ponto, como foi preparada a “inventona” de um imaginário golpe de esquerda a 25 de Novembro. Também Vasco Lourenço, no seu livro No Interior da Revolução (2009), concluiu e declarou gentilmente não ter existido nenhum golpe da esquerda mas um aproveitamento da “revolta dos para-quedistas de Tancos”, por parte de um grupo de coronéis que efectivamente tinham um plano”. (6)


Mas não só da direita e extrema direita vieram “Narrativas” interessantes do 25 de Novembro. A esquerda não quis ficar atrás. Como veremos.


(1) É a fórmula mais escorreita e significante para exprimir a tese da vontade da direita de eliminar o 25 de Abril, dissolvendo-o no 25 de Novembro – é mesmo de uma operação política e ideológica de «dissolução» que se trata. O seu autor é José Goulão, “Em louvor da guerra”, AbrilAbril, 03MAI24: “Hoje já não há cravo capaz de disfarçar as multidões de “filhos da mãe” que para aí andam, farsantes que dissolvem o 25 de Abril no 25 de Novembro: para eles bastava que o salazarismo/marcelismo imitasse a sábia transição conseguida pelo franquismo aqui mesmo ao lado.”  

(2) «Historiadores criticam “ignorância” do PS sobre o 25 de Novembro», Público, Ana Bacelar Begonha, 27ABR24 – é evidente que só o PS sabe porque é que é “ignorante” na matéria… Registe-se ainda a referência nesse artigo: «Pacheco Pereira deu mesmo a entender que a direita está a criar “narrativas político-históricas que são falsificações”, como apresentar Jaime Neves “como o herói” do 25 de Novembro».

(3) As citações do General Ramalho Eanes são todas da Nota da Lusa, no “expresso.pt” e no “eco.sapo.pt” e também no Diário de Notícias e Jornal de Notícias de 27ABR24.

(4) Por exemplo Vasco Lourenço, em entrevista ao Público de 21ABR24.

(5) A partir da apresentação de Jorge Sarabando do livro de Ribeiro Cardoso O 25 de Novembro, o depois, na Unicepe a 27NOV24.

(6) Referido por Duran Clemente no seu livro, Crónicas de um Insubmisso.

Sem comentários: