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6 de maio de 2024

PSD o partido das surpresas desagradáveis

 Paes Mamede

Não abonam a favor do Governo os argumentos atabalhoados com que justificou o seu espanto pelo estado das contas públicas

Otítulo não é meu, roubei-o a outro larápio (o Nuno Serra, no blogue Ladrões de Bicicletas), porque descreve bem o que se passa. Pela terceira vez consecutiva, quando chega ao governo, o PSD recorre ao mesmo truque: jura ter encontrado as contas públicas num estado que não esperava.

Foi assim com Durão Barroso, quando acusou o Governo de Guterres de ter deixado o país “de tanga”. O mesmo aconteceu com Passos Coelho, que dizia ter herdado de Sócrates uma situação “mais pesada” do que afirmara o Governo anterior. Em ambos os casos, a denúncia das surpresas desagradáveis serviu para justificar o facto de os Governos recentemente eleitos adoptarem políticas contrárias ao que haviam defendido na campanha eleitoral (aumentar em vez de diminuir os impostos, cortar em vez de aumentar as pensões, etc.).

O Governo de Luís Montenegro reproduziu agora o guião: diz o seu ministro da Finanças, Joaquim Sarmento, que encontrou as contas públicas “bastante pior” do que esperava. A repetição do truque seria razão suficiente para desconfiarmos. Mas neste caso há mais três motivos que tornam o discurso do novo Governo ainda menos convincente.

O primeiro é o contexto. Durão Barroso chegou ao poder num momento de rápida deterioração da economia internacional (a Alemanha entrara em recessão em 2002 pela primeira vez em vários anos), com reflexos na economia portuguesa e nas contas públicas nacionais. Os portugueses sentiam no bolso a degradação das condições de vida, o executivo de Guterres caíra sem glória e as pessoas estavam dispostas a acreditar que o Governo anterior tinha feito alguma coisa de errado, dando a Barroso o benefício da dúvida. Do mesmo modo, Passos Coelho tornou-se primeiro-ministro no meio de uma crise internacional profunda, conseguindo convencer muita gente de que as culpas pela austeridade, que abraçou, eram do Governo cessante.

O contexto actual tem pouco a ver com os anteriores. Apesar das dificuldades recentes, a economia portuguesa está a crescer acima da média europeia. Todas as entidades que fazem projecções macroeconómicas para Portugal têm revisto em alta as suas estimativas do crescimento do PIB para

O que o PSD prometeu durante a campanha foi fazer um milagre. Não vale a pena agora tentar convencer-nos de que o milagre não vai acontecer por culpa do Governo anterior

2024. Mais importante ainda, a trajectória das finanças do Estado tem sido marcada pela redução da dívida e do défice. A crítica a fazer ao Governo anterior é ter dado, não pouca, mas demasiada prioridade à “consolidação” das contas públicas. Isto inclui o Orçamento do Estado para 2024, preparado e aprovado bem antes das eleições. Por muito que o Governo de António Costa se esforçasse (se fosse essa a intenção), não conseguiria nas semanas seguintes ao acto eleitoral minar as contas públicas ao ponto de inviabilizar o programa de Governo da AD (não sem incorrer em ilegalidades evidentes).

O segundo motivo que nos leva a desconfiar da recente dramatização protagonizada pelo ministro das Finanças é a sucessão de cenas anteriores ensaiadas por este Governo. A 11 de Abril, por exemplo, Joaquim Sarmento já havia mostrado “surpresa, espanto e preocupação” com a informação de que o Banco de Portugal teve em 2023 um prejuízo superior a mil milhões de euros. Acontece que as perdas dos bancos centrais foram generalizadas em toda a Europa e em grande parte do mundo — essencialmente, porque os bancos centrais tendem a adquirir activos com taxas de juro fixas e a remunerar depósitos a taxas variáveis, pelo que perdem dinheiro quando os juros aumentam muito num curto espaço de tempo, como aconteceu no último ano e meio. Assim, aqueles resultados não foram surpresa para ninguém — a única surpresa é mesmo o suposto espanto de Joaquim Sarmento. A dramatização forçada é aqui demasiado evidente.

Por fim, não abonam a favor do Governo os argumentos atabalhoados com que justific

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