Linha de separação


31 de maio de 2024

O Ocidente em neurose

O discurso da escalada militar está na moda, mas tanto no Médio Oriente como na Ucrânia, a política ocidental está em sérios apuros. Quanto mais as elites ocidentais pressionam contra o nascimento do "novo mundo" através da “salvação do sionismo” ou da Ucrânia” e esmagando a dissidência, aceleram o seu naufrágio.

O caloroso abraço de despedida do Presidente Xi a Putin após a cimeira de 16 e 17 de maio, selou aquele nascimento que o New York Times, considera um “desafio ao Ocidente”. O New York Times resume desdenhosamente a mudança em curso como anti-ocidentalismo. Reflete a miopia não querendo ver aquilo que está claramente à vista de qualquer um: se fosse simplesmente “anti-Ocidente” – nada mais do que negação da negação – então a crítica teria alguma justificação. Mas não é mera antítese.

A declaração conjunta China-Rússia, evoca as leis elementares da própria natureza ao esboçar a usurpação pelo Ocidente dos princípios fundamentais da humanidade, da realidade e da ordem – uma crítica que enlouquece o Ocidente coletivo. O “liberalismo” (seja lá o que isso signifique hoje) “está doente” e em retrocesso. Ao colocar ênfase na escolha individual, o liberalismo atenua os laços sociais, toda conexão social torna-se temporária e contingente.

A declaração conjunta de Xi-Putin não é, portanto, apenas um plano de trabalho detalhado para um futuro dos BRICS (embora seja de facto um plano de trabalho muito abrangente para a cimeira dos BRICS em outubro). A Rússia e a China apresentaram  uma visão dinâmica de princípios concretos, pilares para uma nova sociedade pós-ocidental.

Ao jogarem diretamente nas fontes primordiais mais profundas que a preferência individual – fé, família, terra e bandeira – a Rússia e a China juntaram os cacos do liberalismo e e criaram um novo Movimento Não-Alinhado através da promoção do direito de autodeterminação nacional e o fim de sistemas de exploração centenários.

A Rússia e a China assinaram na declaração conjunta algo semelhante à amizade “sem limites” declarada em fevereiro de 2022, mas que vai mais longe, retratando o seu relacionamento como “superior às alianças políticas e militares da era da Guerra Fria. A amizade entre os dois Estados não tem limites, não existem áreas ‘proibidas’ de cooperação…”.

Isto viola uma regra ocidental de longa data: os EUA devem ficar ao lado de um, a Rússia ou a China, contra o outro; mas nunca permitir que a China e a Rússia se unam contra os EUA! O profundo desdém pela Rússia – incluído no medo como um suposto concorrente geoestratégico – convida à repetição das mesmas abordagens, sem a devida reflexão sobre a mudança das circunstâncias, criando o risco de uma escalada que poderá contribuir para aquilo que o Ocidente mais teme – uma perda de controlo, fazendo com que o sistema caia em queda livre.

Ray McGovern, ex-consultor presidencial dos EUA, narrou que os conselheiros de Biden garantiram-lhe que poderia aproveitar o medo (sic) da Rússia em relação à China – e criar uma barreira entre eles. A presunção de fraqueza russa tornou-se clara quando Biden disse a Putin em Genebra: "Tem uma fronteira de vários milhares de quilómetros com a China. A China procura ser a economia mais poderosa do mundo e o maior e mais poderoso exército do mundo”. Esta reunião deu a Putin a confirmação que a avaliação dos EUA estava totalmente ultrapassada quanto às relações Rússia-China.

Biden, após a cimeira quis partilhar mais “sabedoria” sobre a China: “A Rússia está numa situação muito, muito difícil neste momento. Eles estão sendo espremidos pela China”. Putin e Xi passaram o resto de 2021 desiludindo Biden.

Em 30 de dezembro de 2021 numa conversa telefônica, Biden garantiu a Putin que “Washington não tinha intenções de implantar armas de ataque ofensivas na Ucrânia”. Em janeiro de 2022 Lavrov revelou que quando se encontrou com Blinken em Genebra, ele fingiu não ter ouvido falar do compromisso de Biden com Putin. Em vez disso, Blinken insistiu que mísseis de médio alcance dos EUA poderiam ser implantados na Ucrânia, mas que os EUA podiam estar dispostos a considerar a limitação do seu número.

Em Agosto de 2019, quando os EUA se retiraram do tratado que proíbe mísseis de alcance intermédio na Europa, os EUA já tinham implantado mísseis na Roménia e na Polónia (dizendo que o objetivo era “defenderem-se contra o Irão”). No entanto, eram deliberadamente configurados para acomodar mísseis com ogivas nucleares, de cruzeiro e balísticos. O tempo para que chegassem a Moscovo seria de 9 minutos da Polónia, 10 da Roménia, 7 na Ucrânia ou com um míssil hipersónico, que os EUA ainda não possuem, seriam apenas 2 a 3 minutos.

A Ucrânia é portanto a guerra existencial da Rússia, não importa o que aconteça. Lavrov previu uma escalada no fornecimento de armas ocidentais à Ucrânia. A agenda para infligir uma derrota estratégica à Rússia, militarmente e de outra forma – é pura fantasia e será combatida resolutamente”.

A inadequação militar europeia explica, presumivelmente, a ideia discutida de adicionar um componente nuclear. Dito claramente, com os EUA incapazes de sair ou de moderar a sua determinação em preservar a hegemonia o discurso da escalada militar está na moda; mas a política ocidental está em sérios apuros. Será que o Ocidente tem a vontade política ou a unidade interna para prosseguir este rumo agressivo?

Fonte: https://strategic-culture.su/news/2024/05/27/brink-dissolution-neurosis-in-west-as-levee-breaks/  Alastair Crooke, ex-embaixador britânico



Sem comentários: