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8 de setembro de 2025

Acerca do acidente do elevador da Glória

 Como habitualmente os papagaios televisivos - mesmo de alto nível - mostraram a sua arte de fugir às questões. Porém, o que o relatório preliminar nos diz é já suficiente para perceber por que o acidente se deu. Em primeiro lugar refira-se que nestas coisas técnicas, deve ter-se em conta que: se alguma coisa pode correr mal, há de correr.

As empresas que operam no sector ferroviário (veículos que circulam em carris), quer empresas que produzam peças ou sistemas, quer operadores, quer realizem a manutenção, têm de cumprir requisitos de qualidade extremamente rigorosos, definidos na Norma Internacional da Indústria Ferroviária (IRIS), baseada na ISO 9000 (Gestão da Qualidade), especificamente adaptada ao sector e à melhoria contínua.

A norma segue o modelo de normas de qualidade das indústrias aeronáutica e automóvel, dado que as consequências de falhas em sistemas ferroviários são potencialmente trágicas. Assim, há que identificar e a gerir os riscos de uma forma estruturada.

Neste processo inclui-se a Análise Modal de Falhas suas Causas e Efeitos. Diz-se modal porque estuda os modos pelos quais as falhas podem ocorrer, definindo-se para cada peça ou equipamento o seu nível risco e portanto os níveis de exigência de qualidade e procedimentos.

Temos então Q1, implica uma falha com riscos de segurança para pessoas e bens; Q2, será um nível de risco inferior; Q3, uma falha que não põe em risco pessoas e bens. Por exemplo, uma lâmpada que se funde desde que haja outras na instalação. (1) A redução de riscos associados a Q1, faz-se normalmente pela redundância dos equipamentos, elementos de segurança de emergência ou em certos casos pelo seu sobredimensionamento. A existência de segurança de emergência (no caso a travagem de emergência, que aparentemente não existia) deve ser testada regularmente e objeto de simulação.

A análise anterior, recorre a uma grandeza fundamental para a manutenção: o MTBF Tempo Médio Entre Falhas, isto é, o período de tempo em que se assume que um dado equipamento ou peça funcione com segurança atendendo às condições de funcionamento estipuladas. Este valor é obtido a partir do fabricante (que define as condições estipuladas), na internet para equipamentos idênticos ou pela experiência própria ou alheia. Com estes valores é possível estabelecer uma manutenção preventiva, evitando falhas, acidentes e ações corretivas 

Neste âmbito há que ter em conta a fadiga dos materiais, o enfraquecimento da sua resistência podendo levar a falhas inesperadas em estruturas e componentes. Fatores como variações de temperatura, vibrações, alternância de carga (carga cíclica) influenciam a fadiga, levando à rutura súbita dos materiais. A fadiga pode ser avaliada através de ensaios de simulação e claro tal como anteriormente pela experiência em casos semelhantes, estabelecendo a manutenção preventiva adequada.

Segundo a Norma, a concretização de um determinado objetivo deve ser organizada em termos de "processo", definido num Manual de Procedimentos, parte de um Manual de Garantia de Qualidade. O processo é descrito nas suas diversas atividades sendo cada uma objeto de Instruções Operacionais e Planos de Inspeção e Ensaios.

As Instruções Operacionais definem a organização dos diversos intervenientes, suas funções e responsabilidades e os documentos aplicáveis às diversas funções. Os Planos de Inspeção e Ensaios, descrevem os controlos e inspeções a serem realizados, desde os aprovisionamentos até à entrada em serviço das instalações, referindo as Normas e documentos aplicáveis, designadamente os emitidos pelo projeto. A equipa de Ensaios utilizará documentos tipo como Instruções de Inspeção e Ensaio e respetivas Fichas.

As funções e responsabilidades de cada elemento, são definidas de acordo e com a respetiva qualificação e experiência profissional. Assim, as assinaturas do executante, do responsável pela verificação e pela sua validação (em certos caos - aeronáutica - a validação corresponde a uma terceira assinatura) estão evidenciadas em documento que especifica quem tem autoridade para executar o quê de acordo com currículo anexo, validado em auditoria.

Os registos da qualidade são arquivados em dossier ou ficheiro próprio, em que o responsável pela sua organização é o Gestor do Processo.

1 - Já aqui abordamos algumas destas questões em "Duas ou três coisas sobre apagões"

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