ACERCA DA VANTAGEM COMPARADA
É de toda a conveniência saber em que lei se vive. No passado as pessoas viveram em muitos casos na sujeição de preceitos e dogmas de que ignoravam as razões, mas sofriam as consequências.
Acontece actualmente algo muito semelhante. Vive-se sob a égide de uma lei que não foi discutida nem votada, que não é sequer uma lei é uma mera opinião tornada dogma. A congregação para a doutrina desta fé chama-se OMC, Organização Mundial do Comércio. Falamos da “vantagem comparada” e do fundamentalismo do “comércio livre”.
O “comércio livre” – “free-trade” – significa a ausência de restrições, como pagamento de direitos ou outras, para proteger a produção interna. O principal argumento é que os “consumidores” poderão adquirir os bens mais baratos e de melhor qualidade independentemente de serem produzidos internamente ou no estrangeiro. As tarifas ou outras medidas resultarão em preços mais elevados e a competição é restringida. Assim, cada país deve produzir e importar os bens que pode produzir de forma mais eficiente, ou seja, em que detenha maior “vantagem comparada”. Desta forma o mercado é ampliado e cada país deve aproveitar da melhor forma os seus recursos.
Eis, resumidamente exposto o “free-trade, essa “excelente doutrina dos fortes contra os fracos” como a classificou Oliveira Martins no século XIX.
As promessas são atractivas. A realidade bem diferente. À medida que se aprofundou o comércio livre aumentaram as desigualdades entre os países ricos e os países pobres, sendo a sua expressão máxima a globalização neoliberal que conduziu a crises económicas, financeiras e sociais por todo o globo e, contrariamente ao que muitas vezes se afirma, aumentou a pobreza a nível mundial. As excepções em alguns países apenas confirmam a regra: foram países que não seguiram nem seguem os paradigmas neoliberais.
Apenas um exemplo recente: a adesão do México ao NAFTA (Associação Norte Americana de Comércio Livre). Em 10 anos o índice de pobreza passou de 30 para 40%; regiões encontram-se económica e socialmente devastadas devido à expulsão dos camponeses das suas terras pelas transnacionais da indústria alimentar dos EUA.
Outro caso que poderá ser analisado foi o do colapso económico e social da Argentina no início deste século provocado por práticas de comércio livre associadas a uma indexação da sua moeda ao dólar dos EUA.
Esta situação é muito idêntica à dos países mais frágeis da UE, entre os quais Portugal.
Note-se que logo em 1997, a UNCTAD no seu Relatório sobre Comércio e Desenvolvimento Económico, demonstrava que a globalização estava associada a um aumento da desigualdade em vários países.
Nenhum país hoje desenvolvido se tornou assim baseado no comércio livre. Só depois de adquirir superioridade através de direitos aduaneiros, legislação, manipulação de câmbios, subsídios, etc., o adoptou impondo-o às colónias e aos países sob seu domínio.
Efectivamente a teoria da vantagem comparada não incorpora as suas consequências económicas e muito menos sociais. Paul Samuelson diz que os salários irão alinhar pelos níveis de produtividade das industrias exportadoras, que sendo as mais produtivas supõe – erradamente – serem os mais elevados. Na realidade, isso dependerá precisamente da especialização que for obtida.
Os salários alinham então de facto pelos salários das actividades predominantemente exportadoras, só que serão os mais baixos. Haverá um nivelamento sim, mas por baixo, à parte factores políticos e sociais. A experiência mostra-nos isto mesmo.
Porém o neoclássico Samuelson admite que “embora com o comércio internacional o PIB possa crescer ele poderá reduzir de tal modo a parte que cabe a cada grupo que alguns acabam por ficar mais pobres”.
Além disto a hipótese de que todos têm acesso às mesmas tecnologias não é nem sequer remotamente correcta, se a isto associarmos a livre circulação de capitais os seus efeitos podem destruir quaisquer pequenos efeitos que a desregulação do comércio pudesse trazer.
Podemos daqui concluir que o comércio internacional entre economias de dimensão e níveis de desenvolvimento muito diferentes se fará pelo crescente aumento de desigualdade entre regiões. Se a isto associarmos uma moeda sobreavaliada então encontraremos a justificação para a degradação da Balança Comercial.
É evidente que a teoria da vantagem comparada – e da vantagem para o “consumidor” – cai pela base em condições de desemprego.
Em termos de comércio livre a vantagem comparada entre um país rico e bem equipado e um país pobre e sem equipamento moderno conduz a uma especialização desastrosa, pois o segundo perde toda a possibilidade de se desenvolver ou mesmo manter a sua indústria. É precisamente o que se passa no nosso país num processo de desindustrialização, redução da produção agrícola e das pescas, que se traduz no desemprego, na continuada quebra do produto industrial, na estagnação do PIB, nos défices da BC.
Na realidade, os países só podem estabelecer relações de mercado livre – ou relativamente livre – de forma mutuamente vantajosa nas associações com produtividades semelhantes.
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A seguir: 6 – Keinesianismo
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