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16 de abril de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO - 11 – FLEXIBILIDADE - II

A recomendação feita às pessoas ao serem atacadas por meliantes é que não procurem resistir: entreguem vossos bens e procurem ir à vossa vida, pelo menos em paz e com a saúde possível (mesmo sem os bens).
Poderia perguntar-se, mas o Estado não protege as populações? Claro, mas não tem meios ou tem outras prioridades. E os vizinhos não se podem juntar para defender os direitos das pessoas? Sim, mas isso seria perderem…liberdade.
A flexibilidade laboral é isto.
Pressupõe dois aspectos: Primeiro: indivíduos isolados – nada de contratações colectivas nem sindicatos reivindicativos, que possam oferecer resistência, pois, diminuem a liberdade da contratação individual (?!). Segundo: Que o Estado, em nome da liberdade económica proteja os interesses do capital em detrimento dos direitos do trabalho.
Quando se diz que os subsídios de desemprego (ou outras prestações sociais) favorecem o aumento dos salários e portanto fazem crescer o desemprego, dado haver menos postos de trabalho disponíveis (tese dos laureados com o Prémio de Economia do Banco Central da Suécia, dito Prémio Nobel de Economia, mas que efectivamente não o é) adopta-se a visão neoclássica/ neoliberal de que o trabalho e por consequência os trabalhadores são uma mercadoria como qualquer outra e que os mercados devem deixar-se entregues aos seus próprios mecanismos de regulação sem ou com o mínimo de interferência externa. Na realidade, a interferência existe, da forma tão repressiva quanto necessário, mas na defesa dos interesses do grande capital monopolista e especulador.
Claro que aquela tese pode ser demonstrada por meio de elaboradíssima matemática. Pouco nos impressiona esta argumentação, grandes entidades financeiras que faliram não estavam apenas atulhadas com os chamados produtos tóxicos, estavam atulhadas de programas informáticos e elaboradíssimos cálculos de probabilidades de risco. O verdadeiro conhecimento não consiste em saber se determinados fenómenos ou situações podem ser expressos por fórmulas matemáticas, mas em saber se a fonte do nosso conhecimento – matematicamente expresso – são leis objectivas da Natureza e confirmações obtidas pela experiência suficientemente generalizada ou apenas proposições da nossa mente com base em indevidas deduções a partir de casos isolados e de circunstâncias omitidas ou ignoradas.
Parece não ter chocado absolutamente nada certos sábios o facto que nos principais países capitalistas desde os finais dos anos 70 os salários reais cresçam menos que a produtividade e que nas últimas décadas se tenha verificando a estagnação e mesmo a redução dos salários reais, tendo o desemprego aumentado sempre.
Quando se envereda por este caminho da redução de salários o problema é que não se consegue parar. Muito antes de Keynes, isto até já tinha sido percebido por Malthus (imagine-se!) há quase 200 anos.
Acerca das austeridades – que são o sucedâneo das flexibilidades laborais: dizia então Malthus: “se a transformação do rendimento em capital for levada para além de certo ponto, deve ao diminuir a procura efectiva de certos produtos deixar as classes operárias sem trabalho, é evidente que os hábitos de parcimónia levados demasiado longe podem ser seguidos imediatamente dos efeitos mais desastrosos”. Porém é esta “parcimónia” e o aumento da parte do rendimento para o “capital” que a flexibilidade expressamente pretende.
Sábios do neoliberalismo dizem-nos que a flexibilidade permite que não haja receio de empregar dado que assim as “empresas” não terão problemas em despedir quando os negócios não correrem como esperado - ou mesmo quando e como bem lhes aprover, como tratámos na primeira parte do tema. Não é preciso que candidamente nos venham dizer que a flexibilidade "são  rosas";  claro que o objectivo último da flexibilidade não é despedir mais pessoas, isto é o óbvio: trata-se apenas de aumentar a taxa de exploração, termo que na linguagem “politicamente correcta” se traduz por “reduzir custos laborais”.
Acaba por ser curioso não terem reparado que “à fortióri” validavam Marx: “parece que a produção capitalista de boa ou má vontade inclui condições independentes que apenas momentaneamente permitem aquela prosperidade relativa da classe trabalhadora e certamente apenas como anunciadora de uma crise”.
A pílula dourada da flexisegurança resume-se, pois, a: desemprego já; segurança, se for e como for possível.
Propõe-se agora à reflexão que se compare a “modernidade” das teses da flexibilidade com o que diziam importantes economistas que pelos vistos, estes, não sofrem de “arcaísmos”.
- “Nos anos de boas colheitas o preço do trigo deve manter-se elevado a fim de evitar que os trabalhadores se alimentem com demasiada facilidade e façam má cara ao trabalho” – Sir William Petty (político e economista inglês de finais do século XVII)
- “É um grande inconveniente acostumar o povo a comprar trigo a preço muito baixo; torna-se menos laborioso, alimenta-se de pão com menos despesa e torna-se preguiçoso e arrogante: os rendeiros dificilmente encontram obreiros e criados; são também mal servidos nos anos de abundância” - François Quesnay (economista; meados século XVIII)
Enfim, qual o derradeiro argumento da flexibilidade: não resistam, as coisas são como são…
De facto, nestas condições, os meliantes estão à solta no mundo do trabalho – e não só: por toda a economia.
Como conclusão: uma cena de um filme norte-americano. Um pai, antigo mineiro, pergunta ao filho, quadro na Wall Street, se ele sabia qual a diferença entre as pirâmides do Egipto e o Empire States Building, e dá-lhe a resposta:
- É que no tempo dos faraós não havia sindicatos!
Eis, pois, a modernidade neoliberal, bem flexível.

A seguir: 12 – Burocracia (dada a actual visita de responsáveis do FMI, BCE e CE)

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