É oportuno apresentar o que consta no relatório elaborado em 2010 pela comissão especialmente designada na U E para o estudo da competitividade europeia:
“Tem sido sugerido que os grandes aumentos de salários (unit labor costs) poderiam explicar, se não a crise pelo menos a sua profundidade e duração. Contudo o desenvolvimento dos salários não parece ter tido um significativo efeito para além de serem associados ao aumento geral de preços. Tal como previamente discutido, se há alguma relação entre os salários e o desempenho à exportação será fraco e de segunda ordem de grandeza comparada com a deterioração da balança comercial – e portanto a primeira (isto é, o salário) não pode ser a causa da segunda (ou sejam, os défices da balança comercial).”
Quanto a nós, e em complemento do que dissemos antes (1), tem que ver com algo que o neoliberalismo recusa considerar: a estrutura económica e a especialização a que mecanismos de mercados controlados em função dos interesses dos mais fortes condenam os países mais frágeis economicamente.
Vale a pena reter ainda outra conclusão do mesmo relatório, embora Portugal não se possa incluir nos Estados a que os autores se referem: “grandes aumentos nos salários de alguns Estados Membros não tiveram reflexos na sua quota-parte de exportações no comércio mundial nem mesmo dentro da zona euro”. Isto é, precisamente o contrário que propagandistas religiosamente escutados pela comunicação social afirmam.
A crise actual é um caso de recessão na procura que, para além de algumas especificidades, poderíamos considerar clássico. Há quem sabiamente afirme que não, que se trata, isso sim de uma crise dos mercados. Forma curiosa de nada dizer. Então como se explica a crise dos mercados?
Claro que a finança e os oligopólios – de mão dada com os “seus” políticos e exegetas - não querem reconhecer as verdadeiras causas da crise para não perderem os privilégios que anteriormente acumularam. Neste sentido, as reduções de salários e os apelos para reduzir o “estado social” tem como consequência evidente o aprofundamento da crise.
O rendimento dos trabalhadores é o factor chave na geração da riqueza nacional de um país. Os baixos salários são um entrave ao desenvolvimento económico.
O salário é no contexto de uma política progressista e patriótica, um factor de desenvolvimento económico. Uma das funções do salário é o estabelecimento de adequadas formas de avaliação do desempenho e da correspondente recompensa, como factor decisivo da motivação e do consequente aumento da produtividade. Mas não só, é necessário que os trabalhadores se identifiquem com as políticas seguidas, que as reconheçam e as tomem como suas.
Se queremos reduzir os custos das empresas temos de ir não aos salários, mas aos custos que o grande capital financeiro e oligopolista impõem ao sector produtivo, em particular às MPME. A questão que pode pôr-se é: então o Estado não tem obrigação de intervir como regulador?
Terá, mas que esperar quando a filosofia posta em prática pela política neoliberal é que só ao capital ao privado é permitido conduzir acções no campo da economia real? O Estado acaba por abandonar a capacidade de regulação ou esta regulação reduz-se a um simulacro ao sabor dos mesmos interesses privados que deveria controlar.
O salário é um valor social. A actual teoria económica do capitalismo, o neo-liberalismo, no essencial não reconhece os valores sociais associados à macroeconomia. Nas suas teses, a macroeconomia é o somatório de microeconomias, as empresas, em concorrência perfeita – algo que não existe na prática – ignorando os factores de custo e de benefício social, designadamente o custo social do desemprego, das desigualdades na distribuição do rendimento, nos desequilíbrios regionais, entre outros.
O dinheiro só tem valor se for retribuição em troca de trabalho humano. Só o trabalho humano, a força de trabalho, cria valor. A actual crise mostra justamente que o dinheiro gerado na especulação financeira não tem qualquer valor real. Transformar “capital fictício” em “valor” só pode ser feito pelo “trabalho”. É esta a razão das actuais políticas de austeridade impostas pelos directórios supranacionais, cujas medidas se limitam a aumentar a exploração da generalidade dos trabalhadores.
O trabalho não é apenas um valor económico, é o criador de “valor”, a origem de todos os valores quer económicos como sociais. O “valor” por excelência, sem o qual os demais não terão qualquer espécie de consistência.
Os direitos dos trabalhadores não são “privilégios”, nem “mordomias” como a propaganda populista pretende fazer crer, são valores civilizacionais da maior elevação. Quando os trabalhadores lutam pelos seus direitos lutam afinal pela sociedade no seu todo, pela sua elevação civilizacional.
Considerar direitos laborais, que são direitos de cidadania, “privilégios e mordomias” mostra a degradação moral, intelectual e ideológica a que chegou o primarismo do pensamento reaccionário. (2)
1) Ver: 5 - A vantagem comparada e a 1ª parte deste tema.
2) Ver: 1 – Políticos e Políticas
NOTA - Sublinhados nossos
A seguir: 10 – Flexibilidade - I
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