Linha de separação


21 de abril de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO - 13 – BUROCRACIA - II

Devemos distinguir entre os pequenos e os grandes burocratas. O pequeno burocrata é normalmente um indivíduo pouco competente, mal dirigido por hierarquias sem qualificação adequada, que pode infernizar a vida das pessoas individualmente. São como um prurido no tecido social.
O grande burocrata é, como vimos, altamente competente no seu círculo de conhecimentos e dispões de largos poderes discricionários. É como um vírus que contamina e debilita toda a sociedade.
Os “senhores do mundo” de que falava Jean Ziegler precisam de destes últimos. Personalidades unidimensionais, formatados numa visão do mundo unívoca e unilateral, normalmente com elevados padrões de eficiência, como samurais do sistema, indiferentes aos sentimentos humanos alheios. O mito da tecnologia e da pseudo certeza científica, que se traduz em verdadeiros dogmas, é o infestante ideológico do burocrata: são especialistas.
Escreveu Brecht no seu “Galileu Galilei” acerca dos especialistas: ”Com o tempo vós podeis descobrir tudo o que há para descobrir e no entanto o vosso progresso afastar-vos-á cada vez mais da humanidade. O abismo entre ela e vós pode tornar-se um dia tal que ao vosso grito de alegria perante alguma nova conquista científica responderá um grito de horror universal”.
A situação só piora quando transportada para as ciências sociais, para a economia.
Stefan Zweig explica que “segundo Erasmo de Roterdão o humanismo consiste em substituir a ideia religiosa pela ideia de uma irresistível ascensão humana”. O burocrata assume o papel de  moderno inquisidor ao serviço “dos novos senhores do mundo”. Escreve Marx acerca do economista “vulgar:“Assemelham-se nisto aos teólogos (…) Toda a religião que não é a sua é uma invenção dos homens, enquanto que a sua própria é uma emanação de Deus” (Miséria da Filosofia)
Vem a propósito lembrar ainda o que Ortega y Gasset escreveu sobre os especialistas.
“Antes os homens podiam dividir-se em sábios e ignorantes, em mais ou menos sábios e mais ou menos ignorantes. Mas o especialista não pode ser subsumido em nenhuma destas categorias. Não é um sábio porque ignora formalmente tudo o que não entra na sua especialidade, mas também não é um ignorante (...) Temos de dizer que é um sábio - ignorante, coisa de sobremaneira grave. Em política, em arte, nas outras ciências tomará posições de primitivo, de ignorantíssimo, mas tomá-las-á com a energia e suficiência de um sábio, sem admitir – e isto é paradoxal – especialistas destas coisas. Ao especializado a civilização fê-lo hermético e satisfeito dentro das suas limitações”.
Poderão dizer que criticando a especialização limita-se a criatividade. Não, defendemos a criatividade, mas não a dos especialistas. Os especialistas são a contra cultura. A negação da cultura. A cultura tem de ser generalista, ou melhor, abrangente por natureza, englobando obviamente as disciplinas humanísticas. O especialismo representa a desarticulação do saber – como também referiu Ortega e Gasset. (1)
O burocrata é o mais perigoso vírus social, capaz de corromper os tecidos sãos da sociedade onde se aloja, colocando-se ao serviço de poderes discricionários. Direitos sociais, justiça, ideais democráticos, nada se pode considerar imune a estes nematelmintos ao serviço da usura financeira.
Muito se falou da burocracia no mundo socialista. Não é disso que especificamente tratamos agora, porém torna-se necessário referir que a burocracia está no pólo oposto do pensamento marxista.
O mais poderoso antídoto contra os burocratas é a motivação e a participação democrática dos cidadãos alargada a todos os níveis: nos órgãos de poder e nas empresas.
O poder, seja local, regional ou nacional, deve ser permanentemente auscultado com a possibilidade dos eleitores revogarem os mandatos dos eleitos no caso de manifesto incumprimento, incompetência, mentira. As empresas não podem ser monarquias em nome da “eficiência” – para quem?. Não podem ser uma espécie de “távolas redondas” feudais – que era feito do povo na lenda do rei Artur? - em nome das oligarquias. Sem democracia, sem direitos de cidadania nas empresas, a democracia política não passa de uma fachada formal, gerida por burocratas amorais, às ordens do poder oligárquico neoliberal.
Será que isto causaria instabilidade? O laudatório à estabilidade formal procura simplesmente debilitar as resistências sociais à acção dos burocratas. Veja-se onde nos levou a estabilidade burocrática e não esqueçamos que “a burocracia é fautora de guerra civil”.
(1)          - Viria a propósito citar Bento Jesus Caraça, o que faremos noutro tema
A seguir: 14 – Neoliberalismo

Sem comentários: