Apontamentos sobre os lucros não tributados do sector financeiro e os benefícios fiscais
Enquanto se continua a aumentar a carga fiscal sobre os trabalhadores e pensionistas, em nome da obtenção de mais receita fiscal para suprir o défice público, a verdade é que importantes volumes de rendimentos (nomeadamente rendimentos sobre o capital) e património (nomeadamente sobre o património mobiliário) continuam a não ser tributados, sobretudo devido às isenções e benefícios fiscais existentes.
O sector das actividades financeiras e seguros é um deles. Em 2009, de acordo com a informação disponibilizada pela administração fiscal relativa ao IRC, o sector das actividades financeiras e seguros apresentou resultados contabilísticos positivos (lucros) de mais de 12,5 mil milhões de euros, ou seja, 41% dos lucros totais declarados por todos os sectores de actividade. Só este facto é já demonstrativo da expropriação que o sector financeiro, particularmente a banca, exerce sobre os restantes sectores de actividade económica.
Contudo, ao nível fiscal, como matéria colectável, só 3,9 mil milhões de euros foram considerados como lucros passíveis de serem tributados. O que é o mesmo que dizer que 8,6 mil milhões de euros de lucros não foram simplesmente tributados, o que significa uma taxa efectiva média de imposto de apenas 6,9%. Se este volume de lucros tivesse sido tributado, o Estado podia ter recolhido mais cerca de 2,2 mil milhões de euros de receitas.
Quanto investimento de proximidade podia ser efectuado com este dinheiro! Por exemplo, para aliviar a carga fiscal sobre o trabalho e as micro e pequenas empresas. Ou para requalificar a ferrovia nacional, sobretudo a de mercadorias, ligando todas as capitais de distrito e as principais plataformas logísticas. Ou ainda, para a requalificação urbana e a reconversão energética do edificado.
Face a 2007, o peso do lucros do sector das actividades financeiras e seguros passou de 39% para 41% em 2009 (em plena crise!!!), mas o seu peso na matéria colectável total passou de 28% para 23%. Ou seja, aumentam os lucros, diminuem os impostos a pagar.
Se olharmos para os objectivos de redução da despesa pública inseridos no memorando de entendimento com a UE/FMI, percebemos as escolhas políticas subjacentes. Continua-se sem tributar todos os lucros do sector das actividades financeiras e seguros, preferindo-se, por exemplo para 2012, cortar 195 milhões de euros na educação, 550 milhões de euros na saúde, 100 milhões de euros nos subsistemas de saúde dos trabalhadores do sector público, mais 445 milhões de euros nas pensões, mais 150 milhões no subsídio de desemprego, mais 175 milhões nas transferências para as autarquias, mais 150 milhões a tributar as prestações sociais (!?), mais 450 milhões no aumento do IVA e 250 milhões nos restantes impostos sobre o consumo.
São as escolhas. Entre o sector financeiro e as pessoas, PS/PSD/CDS escolhem, como sempre o sector financeiro, nomeadamente a banca.
Pior ainda, não só não pagam mais impostos, como ainda vamos continuar todos a pagar para continuar a ajudar a banca, com mais garantias, financiamentos e transformando mais dívida privada em pública, como aconteceu por exemplo no caso do BPN e do BPP. É de sublinhar que dos 78 mil milhões de euros do empréstimo externo negociado com a UE/FMI, 12 mil milhões de euros poderão ser para injectar dinheiro na recapitalização do sector bancário. Ao mesmo tempo que o Estado ainda irá garantir 35 mil milhões de euros de dívida titulada a ser colocada por parte do sector bancário.
Garantias que já estão a ser usadas pelo Banca, como é o caso por exemplo do BES. Não deixa de ser curioso e irónico que o Estado quando é fiador da Banca ajuda a esta a obter empréstimos com taxas de juro mais baixas, para depois, em parte, esta emprestar a taxas de juro muito mais elevadas ao próprio Estado, isto porque as agências de notação de risco internacionais e os credores internacionais não consideram «boa» a dívida pública emitida por esse mesmo Estado, por existir risco de incumprimento (!?)
E claro está, o resto do dinheiro não é propriamente uma ajuda, serve para pagar 34 mil milhões de euros em juros à UE/FMI (uma taxa de juro superior a 5% quando a taxa central do BCE é de 1,25%) e resgatar a tesouraria da nossa banca credora alemã, francesa e inglesa. Não é um resgate a Portugal, é um resgate à banca europeia e nacional, expropriando os trabalhadores, pensionistas e as camadas mais desfavorecidas da população portuguesa. Aliás, como fizeram e estão a fazer à Grécia e à Irlanda.
Importa dizer também, que a questão das taxas efectivas de imposto serem mais baixas que as taxas nominais deriva da dimensão dos benefícios fiscais em Portugal. Entre 2005 e 2010, os benefícios fiscais resultaram numa receita fiscal não recolhida (numa despesa fiscal) de 15,6 mil milhões de euros, ou seja, o mesmo montante que o défice público de 2009, antes da última revisão do INE. Dos quais 10,8 mil milhões em sede de IRC, sobretudo para as grandes empresas e empresas do sector financeiro, mais do que está ser pedido agora para a redução da despesa pública até 2013 (10,4 mil milhões de euros). Dos quais 8,4 mil milhões de euros para as empresas que operam na zona franca da Madeira, ou seja, mais que o valor das receitas das privatizações previstas até 2013.
E claro está, que os rendimentos de capitais e os incrementos patrimoniais ao nível mobiliário continuam a não ser tributados como deviam.
Cá temos nós novamente as opções... e ainda dizem que não há dinheiro!
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