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4 de maio de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO- 15- MENOS ESTADO - I

Por esse mundo fora (e em Portugal também) os lucros da finança e dos grandes grupos sobem, os impostos que efectivamente pagam, descem. Apesar das crises os 1 200 bilionários aumentaram as suas imensas fortunas acumulando 4,5 biliões de dólares (triliões americanos). No entanto a fome e a pobreza alastram, os Estados endividam-se.
Eis o “Menos Estado” em toda a sua plenitude. O neoliberalismo é a sua expressão doutrinária na actualidade.
O processo não tem nada de original nem de “modernidade”; pelo contrário é uma constante das sociedades desde a criação do que se designou por “Estado”, dando origem a classes sociais de interesses contraditórios e antagónicos.
A História mostra-nos um processo que em linhas gerais se repete, seja no Egipto faraónico (30 séculos de civilização!), na Grécia, em Roma, no feudalismo ou no capitalismo. Em todos os períodos e sistemas políticos e económicos se registam sucessivas oscilações de concentração e difusão do poder do Estado que muito simplificadamente vamos resumir.
A partir de uma fase inicial de poder disperso, em povos que partilham territórios e hábitos idênticos, por força dos interesses comuns ou das armas, quando não de ambas as razões, as comunidades são reunidas sob uma mesma liderança. É o princípio da formação ou da reorganização do Estado. O Estado estabelece-se com base na constituição de forças armadas e de um corpo de funcionários, para submeter e controlar territórios e populações e para a cobrança de impostos.
De início, na fase de expansão e consolidação o Estado e o seu chefe (pode ser rei, imperador, presidente), detém grandes poderes, mas a gestão local, tem de ser exercida por uma camada social que detém ou controla o poder armado, judicial e mesmo produtivo, cria-se uma aristocracia ou oligarquia que em breve fará reverter em seu benefício as riquezas produzidas.
No entanto, numa fase inicial para se estabelecer e consolidar, este poder aristocrático necessita de uma forte autoridade central que é consagrada pela manipulação religiosa e ideológica. A partir do objectivo original de gerir e garantir a produção material necessária, acentua-se divisão da sociedade entre senhores e dominados, proprietários e proletários. O poder desta oligarquia ou “aristocracia” consolida-se, deixa de ser um poder delegado e dependente do central, assume-se como poder próprio cada vez mais autónomo, a rapina dos povos e populações submetidos é cada vez maior, passando a ser a expressão efectiva do poder.
Simultaneamente, a parte do rendimento nacional em despesas improdutivas aumenta de forma desmedida, nobres ou oligarcas competem no luxo; acumulam riquezas incalculáveis, são também a causa das misérias, das desgraças e das revoltas do povo. É o esteio da crise económica e social enquanto o Estado deixa de poder cumprir as suas funções e obrigações.
Sendo o Estado entregue aos interesses privados e imediatos surgem os germens da crise e da desagregação social. O mais curioso é que este processo é cíclico. No Egipto torna-se nítido dado a constância do contexto civilizacional durante tão longo período, mas de formas semelhantes observamos estas mutações nos mais diversos lugares e épocas: China, Japão, Roma, Europa.
O processo histórico mostra-nos como a degradação das funções do Estado conduz ao enfraquecimento do espírito colectivo, à decadência civilizacional e à crise. À medida que enfraquece o poder do Estado aumenta a autoridade despótica de aristocracia, oligarcas, plutocratas. Esclareça-se que reis considerados absolutos, de que Luis XIV é um exemplo acabado, não foram senão agentes, títeres dessas oligarquias com títulos de nobreza. O esplendor e rituais que os cercavam eram a farsa equivalente à deificação de faraós e imperadores. A Versailles de Luís XIV foi o álibi para manter a aristocracia parasitária imune às revoltas que sua mãe tinha conhecido.
Segundo Platão nos seus “Diálogos”, Sócrates refere o governo aristocrático como gerando a discórdia. “Subjugam-se os cidadãos, os homens livres são tratados como servidores e perdem seus direitos”. “Tais homens são ávidos de riquezas, adoram o ouro e a prata, furtam-se aos olhos da lei, têm tesouros e riquezas escondidas, habitações rodeadas de muros, verdadeiros ninhos privados nas quais gastarão à larga”. Quanto à oligarquia: “ (é) um governo cheio de vícios inumeráveis, onde o rico manda e o pobre não participa no poder (…) Quanto mais a riqueza e os ricos são honrados menos estima se tem pela virtude e pelos virtuosos, por consequência o governo não é entregue aos mais capazes e virtuosos, mas aos ricos ou aos que melhor defendam os seus interesses. (…) Resta ainda uma liberdade: a de uns serem excessivamente ricos e outros serem excessivamente pobres e indigentes”.
Os antagonismos sociais criados pelas oligarquias que controlam as riquezas e o poder retiram aos governos na sua dependência capacidade de agir. A corrupção, as contradições internas, as intrigas dessa camada cada vez mais arrogante e impune consagram a desagregação social.
Para proteger os seus interesses as oligarquias não hesitam em buscar apoio externo. É, por exemplo, o caso da aristocracia ateniense aliada ao seu arqui-inimigo de Esparta para manter o poder (governo dos “30 tiranos”). Nestas condições, os países sob o controlo das oligarquias, fazem sucessivas concessões ao estrangeiro, na prática caiem na completa dependência, não podem seguir políticas autónomas, pouco lhe resta de soberania. Por vezes, apenas um rei ou governantes fantoche, uma imagem de poder ilusório que se mantém para garantir a repressão sobre as camadas exploradas.
É altura de nos perguntarmos: afinal onde estamos actualmente? A resposta é: numa espécie de feudalismo. Um feudalismo oligárquico. No feudalismo medieval a base do poder era a posse da terra, isso definia a riqueza, hoje é o poder financeiro e a sua capacidade de pressionar os Estados em função dos seus interesses de maximizar os seus lucros e o seu poder económico.
Os “30 tiranos” – o senado oligárquico que destruiu a democracia ateniense - são as hoje as megaempresas financeiras e transnacionais
A seguir: 16 – Menos Estado - II

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