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27 de maio de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO – 20.1 – DIVIDAS I – Renegociações (1)

Durante algum tempo a comunicação social multiplicou-se em textos e programas em que se davam conselhos sobre a forma como as pessoas deveriam resolver os problemas das dívidas que os afligiam: renegociar. De repente, o tema desapareceu e “renegociar dividas” passou a ser palavra não apenas proibida, pior que uma obscenidade: um sacrilégio. Como excepção, recentemente houve quem aparecesse, mas a alertar para os perigos – ou mesmo inconvenientes - da renegociação.
Diz-se que agitando um crucifixo ou uma réstia de alhos – o que estiver mais à mão - perante um vampiro, isso tem o condão de os afugentar em puro pânico. Pelos vistos a expressão “renegociar a dívida” tem similares efeitos sobre os neoliberais espíritos.
Dizia-se que renegociar era então uma boa solução para as pessoas, pois aproveitando a concorrência entre os bancos se poderiam obter melhores condições de juro e prazos mais dilatados.
Para quem acredita que pela procura do interesse individual se atinge o interesse geral, não se podia ir de facto mais longe. Note-se porém que sem medidas de fundo, a raiz do problema permanece: o mercado bancário é no mínimo um mercado oligopolista, pelo que a concorrência é mais aparente que real. De qualquer forma, pelo menos os problemas imediatos eram aliviados, quanto ao resto, as suas causas: desemprego, baixos salários, ausência de dinamização económica e regulação financeira, só a intervenção do Estado pode resolver.
Acerca da divida soberana, não deixa de ser curioso que os que falam na “eficiência dos mercados”, no estímulo da concorrência, etc., fiquem à beira de um ataque de nervos, quando se critica as tais agências de rating e se pretende prazos alargados, juros menos elevados - em vez de “spreads” de 6, 7 ou mesmo 9 pontos percentuais - entre outras condições, designadamente as que tenham que ver com as políticas económicas mais vantajosas para o país. Seria afinal o lógico, por via da saudável concorrência que tanto proclamam.
O que os epígonos do neoliberalismo acabam por à fortióri reconhecer é que não existem “mercados financeiros”, não existe concorrência, e não existe eficiência – apenas usura, agiotagem, que descaradamente defendem. Chamar as coisas pelos seus nomes é desde os primeiros filósofos gregos o princípio da racionalidade - no mínimo da honestidade. Então reconheça-se que o que existe para além da idolatria do mercado é um cartel, que joga um jogo viciado contra os povos sob a égide de instituições financeiras totalmente desacreditadas em termos teóricos e práticos, como o FMI e o BCE, ao serviço de estratégias imperialistas e neocolonialistas, como mostraremos.
Poder-se-á dizer que não é fácil negociar com monopólios. Certamente. Claro que uma negociação envolve duas partes – pelo menos – com interesses diferentes, antagónicos mesmo, e tem de ser conduzida com clareza, firmeza e, neste caso, sobretudo com elevado sentido patriótico para resistir à chantagem – que outro nome dar? – dos “mercados financeiros”.
Outros países o fizeram com êxito para o seu desenvolvimento, quebrando o ciclo de austeridade e desemprego.
Falamos por exemplo da Argentina, do Equador, do Paraguai (2) – ao qual acrescentamos a Islândia. Aqueles países recusaram pagar as dívidas ao FMI, ao Clube de Paris e aos banqueiros, iniciando-se então a negociação.
A Argentina tem taxas de crescimento de mais de 8% desde 2003; o Equador 3 a 4%. Estes países não ficaram no caos, pelo contrário registaram-se melhorias nos salários, pensões, condições de vida. O Equador pediu à CADTM para fazer uma auditoria à divida, tendo sido identificado que 80% da dívida era ilegal, isto é, não tinha sido contraída para benefício da população, pelo que o governo progressista de Rafael Corrêa, decidiu não pagar títulos de dívida deste tipo, cujo valor ascendia a 3 200 milhões de dólares. Face a isto os “mercados financeiros” decidiram vendê-la muito abaixo do seu valor. O governo comprou então 91% desta dívida por 900 milhões de dólares, cerca de 28% do seu valor inicial. O povo beneficiou e diga-se, os banqueiros não terão ficado prejudicados, mas isso seriam contas de outra economia.
A Argentina suspendeu o pagamento dos títulos de dívida em Dezembro de 2001.Dez anos depois, está em condições de negociar com o Clube de Paris, exigindo contudo – contra os procedimentos do Clube – que o FMI não participasse, o que foi aceite…
O Paraguai recusou o pagamento da dívida à Suíça, nas condições exigidas, pelo que este país moveu um processo contra o Paraguai, que em resposta apresentou queixa contra a Suíça no Tribunal de Haia por proteger os seus banqueiros. “A Suiça não disse mais nada” – acrescenta E. Touissant.
A Islândia conseguiu juros de 3,3% para o empréstimo que necessitavam, a pagar em 30 anos.
O principal sofisma acerca do défice consiste em referir sempre a necessidade de reduzir a despesa, ora o défice é avaliado por uma relação D - R / PIB. Como se vê para reduzir o défice há que aumentar o denominador, o que por sua vez conduz ao aumento da receita R. A pergunta lógica será: mas para aumentar o PIB não é necessário aumentar a despesa D. Claro que sim, por isso é essencial renegociar a dívida de forma a poder canalizar recursos para o desenvolvimento que permitam em condições e prazos adequados suster e pagar a dívida.
É evidente que renegociar dívidas não basta, a partir daqui é preciso adoptar políticas destinadas a evitar e combater as causas que deram origem ao declínio económico e ao desemprego, isto é, basicamente recusar as políticas neoliberais. A CADTM apresenta algumas medidas que os países endividados devem tomar de imediato. Salientamos:
- suspensão do pagamento e congelamento dos juros
- auditoria para anular a parte ilegítima da dívida
As vantagens que os países endividados têm perante o cartel financeiro, podem ser resumidas em duas palavras: a força da verdade.
O que eles mais temem e os sicofantas ao seu serviço é que se saiba a verdade acerca da dívida, por isso se esconde que vários países suspenderam pagamentos e renegociaram dívidas com êxito. As mentes colonizadas pelo “imperial-liberalismo” temem que se saiba que “os reis da finança vão nus”, que os seus empréstimos são pura agiotagem. Temem que os contribuintes descubram que estão a sacrificar-se para pagar dívidas ilegítimas - aquelas que não foram usadas em benefício das populações, independentemente de falaciosos riscos “sistémicos”.
Diga-se que, lógica e honestamente, é uma violência para com o povo e o país, que se paguem dívidas que a ele nada serviram. Algo equivalente às exacções aplicadas a países conquistados e submetidos pela força. As actuais condições económicas e financeiras impostas são o moderno equivalente do famigerado Tratado de Versailles, do final da I Guerra Mundial.
1 - O foicebook.blogspot, a imprensa e sites progressistas (como o resistir.org) têm tratado o tema da dívida de forma consistente. Portanto não vamos aqui repetir o que de forma esclarecedora tem sido emitido. Tentaremos, dentro dos conceitos do “dicionário”, uma abordagem complementar. Este tema foi antecipado em lugar do anteriormente anunciado.
2 – O texto seguinte referente a estes países baseia-se no essencial num artigo de Mamadou Sarr e Eric Toussaint, presidente do “Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo” publicado no seu site (cadtm.org) em 10 de fevereiro de 2011.

A seguir – Dívidas II – “A vossa pátria é a banca” (Samir Amim)

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