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29 de maio de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO – 20.2 DIVIDAS II – “A vossa pátria é a banca” (1)
Em 1788 as finanças francesas apresentavam um défice de 126 milhões de libras para uma receita de 503 milhões, com 318 milhões de pagamento de juros à finança holandesa principalmente. Era o resultado do Estado ser dominado por uma camada rentista que não prescindia dos seus privilégios e não pagava impostos: a nobreza e o alto clero. O resultado foi como se sabe a Revolução.
As dívidas actuais criadas pelos privilégios da finança internacional, nomeadamente quanto a impostos, e pelo domínio de políticas subordinadas aos seus interesses, criaram uma situação análoga à descrita - da qual só se sairá também por uma revolução.
Quando falamos em revolução não queremos significar o agitar de armas nas ruas. Trata-se do sentido dialético do termo, de transformações qualitativas e de superação das contradições existentes, motivadas pelas desigualdades na repartição do rendimento e pela subordinação dos interesses sociais aos lucros monopolistas e ao capital especulativo. É o que se pode definir por uma política patriótica e de esquerda.
O défice público em Portugal não teria nada de dramático (conforme o quadro mostra) relativamente às principais economias da UE. Pelo contrário, se considerarmos o défice relativamente à população Portugal é dos que tem menor relação. Dir-se-á: o que importa é a relação com o PIB. Pois é! Portugal teria com uma outra política fiscal (2), combatendo a corrupção, o desperdício e a incúria, margem significativa para o investimento público necessário ao crescimento do PIB, nunca com políticas de austeridade.
Quanto à questão da “Europa Connosco” (quem se lembra…); da “solidariedade europeia” e das vantagens de termos um presidente da Comissão Europeia português, estamos conversados. Na realidade, não existe actualmente nada, pelo menos em termos de conteúdos concretos, que se possa designar por UE. Existe, sim, como os recentes desenvolvimentos mostram uma UE da Finança, sob a regência do grande capital alemão que necessita de robustez financeira e mão-de-obra barata para manter a competitividade da sua superioridade tecnológica.


UE
Portugal
Alemanha
Itália
França
Reino Unido
Bélgica
Divida (*)
9 849,4
160,5
2 079,6
1 843
1 591,2
1 162,6
341
% total UE
100
1,6
21,1
18,7
16,2
8,5
3,5
% População
100
2,1
16,3
12,1
12,9
12,3
2,2

Fonte – AMECO - General government consolidated gross debt (quadro 18.1.1) - Maio 2011
* - Valores em milhares de milhões de euros
A origem da dívida está nos défices da Balança de Transacções, mas basicamente na Balança Comercial (BC), pelo que a resolução dos problemas do país não tem outra saída senão com políticas que favoreçam o aumento da produção nacional e a substituição de importações como componente fundamental do aumento de exportações.
Note-se que o problema não é só do nosso país, é da forma como a UE funciona e está estruturada. Dos 27 países, em 2010 apenas 9 tinham BC intra-comunitária positiva: ou seja, 18 países tinham BC negativa. Porém, dois países, Alemanha e Holanda, detinham 78% daquele saldo. Se acrescentarmos a estes a Bélgica, a Rep. Checa e a Hungria, cuja economia está intimamente ligada à da Alemanha, aquele valor atinge 91%! Quer dizer muito simplesmente que a livre circulação de mercadorias se faz essencialmente em benefício do grande capital e da finança alemã.
Entre 2007 e 2009, segundo dados da Eurostat, a dívida pública na UE 27 passou de 58,8% para 73,6% do PIB, um aumento de 1,4 biliões de euros (1,4 x1012). Terá sido por aumentos de salrios, de pensões, de prestações sociais, do investimento público neste período? Claro que não. Entre 2008 e 2010 os governos da UE investiram 69 226 mil milhões de euros para compensar as perdas da banca devido aos seus activos “tóxicos” (J. Lourenço – foicebook - 29-04-11). Então por que razão as medidas para resolver aquela situação incidem sobre aquelas verbas? Não seria lógico que se combatessem as causas que deram origem à crise?
Como se sabe a origem da crise residiu na cobertura governamental à inércia e compadrio das instituições com responsabilidade na regulação financeira para com a especulação e a fraude. Não se tratou apenas de fechar os olhos, o que se passou foi apoiado, elogiado, incentivado.
Falavam-nos de cátedra apontando como exemplo a Irlanda – também os EUA, cuja dívida atinge 14,3 biliões de dólares (triliões americanos)…- estes eram exemplos do êxito pela redução de impostos ao capital, liberalizações laborais e financeiras, desregulamentações, etc. Todo o cardápio dos prodígios neoliberais. Porém, como Alice no País das maravilhas o baralho de cartas desmoronou-se: tudo era fictício. Em 2008 o endividamento das famílias atingia na Irlanda 190% do PIB; a bolha financeira e imobiliária rebentava; as empresas fecharam ou saíram do país; no inicio de 2010 o desemprego atingia 14%. Em Portugal o governo assobiou para o lado como se não fizesse parte da UE e da zona euro; os comentadores deixaram de cantar o fadinho da Irlanda e com a mesma música passaram para outra letra; ganham a vida assim, o que se há-de fazer…
As medidas aplicadas à Irlanda com o sistema bancário à beira da falência, são conhecidas: seja na Grécia, na Irlanda, em Portugal, em África ou na América Latina a receita, como na medicina do século XVIII, é sempre a mesma: a sangria, isto é austeridade e privatizações.
Os resultados serão idênticos envolvendo os países num círculo vicioso: cortes orçamentais reduzem a procura, reduzem o crescimento económico, perspectivam estagnação ou recessão, diminuem a possibilidade das dívidas serem pagas. A reacção dos “mercados financeiros” é a de aumentar os juros. Justamente foi o que se passou e passa na Grécia, na Irlanda, em Portugal com os PEC e se passará com as “ajudas” FMI, BCE, UE., tal como se passou nos países já designados por Terceiro Mundo.
O funcionamento perverso desta UE – que solidaridade? que Europa connosco? – pode avaliar-se pelo facto dos empréstimos serem concedidos aos Estados a taxas de cerca 6%, quando as instituições que os concedem se financiam junto do Banco Central a 1%.
O presidente do BCE ao declarar que “nem se pense em taxar transacções financeiras (…) há desvantagens económicas, financeiras e técnicas” (euroobserver.com 01.jan.2010) justifica o comentário do marxista Samir Amim para um ministro: « A vossa pátria é abanca. Não é a Europa!»
1 – Citado por Samir Amim numa entrevista em 09.março.2009, referindo-se a dirigentes e responsáveis da EU (www.legrandsoir.info – 12.maio.2009)
2 – Estima-se que 10% do PIB, cerca de 16 000 milhões de euros, estejam fora do país em off-shores.
A seguir – Dívidas III - O processo neocolonial em curso (o PNEC)

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