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3 de novembro de 2018

É de esperar uma crise de grandes proporções ?


É de esperar uma crise financeira de grandes proporções?
Respostas com J. M. Naulot
Jean-Michel Naulot foi banqueiro durante 37 anos e membro do Colégio da Autoridade dos Mercados
Financeiros (AMF) de 2003 a 2013. É autor de Crise financière: pourquoi les gouvernements ne font rien
[Crise financeira: porque é que os governos não fazem nada] (Seuil, Outubro de 2013). O seu último livro
intitula-se Éviter l’effondrement [Evitar o desmoronamento] (Seuil, 2017).

Num recente artigo num blogue, o economista liberal Charles Gave explica que está «cheio de
medo» e aconselha-nos a apertar o cinto de segurança na expectativa de uma crise financeira muito
em breve. É lúcido ou alarmista?
Devo dizer que em quarenta anos de banca, nunca vi um período como o que estamos actualmente a
atravessar! Desde há alguns meses, toda a gente prevê uma grave crise financeira, até mesmo antigos
governadores de bancos centrais como Jacques de Larosière e Jean-Claude Trichet, até o FMI... E no
entanto nos mercados continua-se a dançar! O próprio Jerome Powell, o presidente do banco central dos
EUA, parece estar bastante inquieto e mantém um ritmo constante de altas das taxas de juros para acalmar
este arrebatamento.
Quando se evoca a elevada valorização dos mercados, respondem-nos que o crescimento existe graças à
política de Trump! Em 1999-2000, alguns observadores também notaram a valorização muito elevada dos
valores da internet, e explicavam-nos que, graças à revolução tecnológica, estávamos a entrar num mundo
sem ciclos económicos... Em 2006-2007, diziam-nos que os produtos estruturados, os famosos
subprimes, não eram perigosos porque o preço das casas continuava a subir nos Estados Unidos. Desde a
eleição de Donald Trump, os mercados accionistas dos EUA progrediram 40%! Esquecem-se de dizer
que, proporcionando consideráveis vantagens fiscais às empresas e às categorias abastadas, Trump
aprofundou de maneira espectacular o défice orçamental, num momento em que a Fed está muito menos
presente no mercado da dívida porque quer reduzir o seu balanço. Como explicar esta cegueira dos
operadores? Eles jogam na tendência, como dizem os operadores de mercados. A alta chama a alta até até
ao momento em que os mercados caem como uma pedra.
São sempre os fundamentais que acabam por
prevalecer.
Estamos a sair de um período de dez anos absolutamente inédito na história económica, em que os bancos
centrais de todo o mundo, dos Estados Unidos à China e ao Japão, passando pela zona euro, pelo Reino
Unido e pela Suíça, criaram moeda como nunca antes. Essa criação monetária foi realizada de duas
maneiras pelos bancos centrais. Primeiro, de maneira directa com as políticas de quantitative easing
(compra pelos bancos centrais de dívidas públicas e privadas, e por vezes de produtos subprimes e de
acções). Depois, de maneira indirecta, com a manutenção das taxas de juros à volta de zero. Essa política
justificava-se na altura da crise, mas tornou-se absurda dois ou três anos depois, e ainda mais dez anos
depois, como ainda acontece actualmente na zona euro.
Quando se cria demasiada moeda, de certeza de que as coisas vão acabar muito mal, porque toda essa

moeda vai para o sistema financeiro, já que as necessidades da economia real são limitadas. Goethe já no-
lo tinha ensinado há dois séculos... No seu Fausto. Segunda Parte, descreve uma cena na Corte do rei em

que Mefistófeles, o diabo, inunda a Corte com notas de banco, e depois todo o universo... Toda gente se
alegra, festeja, se embriaga, tem o sentimento de uma riqueza muito grande... até que as notas se
transformam em escaravelhos!
Quando andei a investigar sobre o período que antecedeu a crise de 1929 para o meu livro, encontrei um
texto impressionante escrito pelo Conselho do Banco Central dos EUA em Fevereiro de 1929:
aterrorizados devido à alta dos mercados e pelo facto de não terem aumentado as taxas de juro
suficientemente cedo, os membros do Conselho escrevem que a história económica nos ensina que,
quando a liquidez monetária é demasiado abundante, as coisas acabam sempre em depressão. Este texto
foi escrito seis meses antes de a crise rebentar...

Os grandes responsáveis pela crise que está a chegar serão os políticos que não retiraram os ensinamentos
do que se passou em 2008-2009, ainda que tenha havido um sobressalto temporário, e os banqueiros
centrais que imprimiram notas como nunca antes. Pessoalmente fui contrário à independência do Banco

de França em 1993, porque penso que para conduzir adequadamente uma política económica é preferível
ter nas mãos as duas alavancas, a política orçamental e a política monetária. Nessa altura queríamos evitar
uma criação monetária excessiva destinada a financiar gratuitamente as necessidades do Tesouro.
Olhando para trás, interrogo-me: se não tivéssemos dado a independência aos bancos centrais, eles teriam
criado mais moeda? Duvido! Até Jacques de Larosière, antigo banqueiro central, afirma que os bancos
centrais caíram na dependência dos mercados financeiros. É absolutamente necessário corrigir os
estatutos dos bancos centrais no mundo ocidental, impondo como primeiro objectivo, antes do controlo da
inflação, a estabilidade financeira. Na década de 1920, o Banco Central dos EUA também dizia que não
se devia aumentar as taxas porque a inflação estava controlada. Viu-se o resultado! É sempre quando os
aumentos das taxas ocorrem demasiado tarde que as crises se desencadeiam.
Na realidade, quando analisamos a história das grandes crises financeiras sistémicas, verificamos que elas
eclodem quando estão reunidos três factores: uma criação monetária excessiva, uma dívida elevada, uma
regulação insuficiente. Um aumento das taxas de juro que chega demasiado tarde faz com que os
investidores tomem consciência de forma brutal do nível da dívida. Com efeito, nos períodos de euforia
os actores, famílias, empresas, instituições financeiras, esquecem-se de que estão endividados. Hoje esses
três elementos estão reunidos. Estamos inevitavelmente em vésperas de uma nova crise.
As medidas tomadas após a grande crise de 2008-2009 são suficientes? Os Estados estão mais bem
armados para enfrentar essa eventual crise?
As medidas tomadas após a crise de 2008 são suficientes? De maneira nenhuma! A transparência dos
mercados financeiros foi melhorada e os bancos foram robustecidos, mas não se fez o essencial: reduzir o
desequilíbrio entre uma esfera financeira desmesurada e a economia real. Desde a década de 1980, a
economia tem sido desestabilizada a intervalos regulares pelos excessos da finança, com consequências
terríveis no campo social e mesmo no campo político. O desemprego e a precariedade, as desigualdades,
que estão em níveis históricos nos Estados Unidos, a pobreza, todos esses indicadores estão no vermelho,
em graus diversos, no mundo ocidental. O ascenso dos populismos, isto é, da cólera popular, é o espelho
das crises financeiras e das suas consequências. Na próxima crise serão os dirigentes políticos a ser
culpabilizados e não os banqueiros, porque não puseram em prática o roteiro com que se comprometeram,
nomeadamente no G20 de Londres, em Abril de 2009. Nessa altura falava-se de refundar o capitalismo.
Estamos bem longe disso!
Se os dirigentes políticos fizessem o esforço de compreender as questões da finança, de conhecer os seus
mecanismos, talvez as coisas pudessem alterar-se mais em Bruxelas. Quando estava encarregado dos
mercados financeiros, Michel Barnier tinha feito esse esforço. Mas hoje em dia os dirigentes procuram
em primeiro lugar o consenso e defendem as suas praças financeiras. Quanto ao Parlamento Europeu, está
cercado pelos lobbies. Jean-Paul Gauzès, que foi um relator notável durante a negociação da directiva
sobre os hedge funds, nessa altura teve de realizar duzentas reuniões com representantes de lobbies! Ao
fazer o balanço das reformas, podemos considerar que, nos Estados Unidos e na Europa, só se percorreu
um terço do roteiro das reformas a realizar. No rescaldo da crise, foram nomeados para os postos-chave
responsáveis que asseguraram a a continuidade, quando o que era preciso era uma ruptura. Por exemplo,
para a presidência do Conselho de Estabilidade Financeira, braço armado do G20, foram nomeados dois
ex-funcionários da Goldman Sachs, Mario Draghi e depois Mark Carney. Obama rodeou-se de todos
aqueles que tinham lutado contra o o enquadramento da finança no tempo de Clinton. Em França, houve
afirmações contraditórias sobre a reforma da finança. Esta timidez nas reformas após uma crise tão grave
é uma oportunidade perdida, e vamos pagá-lo muito caro. Em três ou quatro anos, poderíamos ter
enquadrado muito melhor os mercados financeiros, reduzido os volumes de produtos derivados, limitado
os riscos dos hedge funds, todos eles domiciliados em paraísos fiscais, evitado que os famosos robôs do
trading de alta frequência representassem metade das transações, assegurado um melhor enquadramento
do shadow banking, que de facto representa 47% da finança mundial, enquadrado melhor os novos
produtos. O saldo dos fundos de índice, por exemplo, passou de 700 mil milhões de dólares em 2007 para
4,5 biliões [4500 mil milhões] de dólares hoje. Ora esses fundos têm um efeito acelerador das tendências.
Não sabemos quais serão os efeitos durante a próxima crise. Além disso, eles emprestam todos os seus
títulos. Num dado momento, o FMI considera que um mesmo título pode ser reivindicado por dois actores
e meio... O que aconteceria se toda a gente clicasse ao mesmo tempo para recuperar o seu dinheiro? Eram
possíveis reformas simples sem risco de desestabilizar os mercados. Simplesmente faltava vontade
política. Quando os textos das reformas são complicados, é porque os lobbies pediram isenções...
A par da reforma dos mercados financeiros, muito insuficiente, encarou-se o problema dos bancos que
estavam completamente subcapitalizados e portanto não tinham meios para enfrentar turbulências. Mas

trata-se de uma simples actualização. Se os bancos estavam tão subcapitalizados em 2008, foi porque
tinha sido adoptada uma reforma muito prejudicial em 26 de Junho de 2004 em Basileia, numa reunião
dos banqueiros centrais reunidos sob a presidência de Jean-Claude Trichet. Evoco-a porque essa reforma
continua ainda hoje a ser um enorme problema. Trata-se da alocação dos financiamentos bancários no
mundo. Durante essa reunião decidiu-se duas coisas. Primeiro, autorizou-se os bancos a calcularem eles
mesmos os seus fundos próprios regulamentares a partir de modelos internos. Aqui estamos a meio
caminho entre regulação e auto-regulação... E aceitou-se que os bancos dividissem os riscos declarados
aos reguladores em função da qualidade do risco. Essa reforma teve três consequências. Em primeiro
lugar, a criação monetária foi considerável, já que de um dia para o outro foi possível conceder quatro ou
cinco vezes mais crédito às multinacionais. Assim, na zona do euro, em quatro anos, a criação monetária
aumentou 40%! Em segundo lugar, isso agravou as desigualdades na distribuição de crédito. Por último,
isso deu imediatamente um poder considerável às agências de notação, porque a divisão dos riscos
dependia da nota atribuída. Até aí a missão das agências de notação era aconselhar os investidores, não
era tornarem-se um dos reguladores bancários. As consequências dessa reforma foram imensas. Que
dirigente político se interessou por isso naquela altura? Nenhum! O Comité de Basileia, provavelmente
medindo os erros do passado, quis reformar marginalmente este sistema em 2017. Defrontou-se com uma
enorme oposição dos banqueiros centrais. A reforma adoptada é mínima, e será aplicável... em 2028!
Os banqueiros centrais também dispararam um verdadeiro fogo de barragem contra a reforma que Michel
Barnier propôs em Fevereiro de 2015 e que foi abandonada no ano passado. Essa reforma tinha um duplo
objectivo: proibir as actividades especulativas dos bancos, o que teria tido um efeito dissuasor, e transferir
para filiais as actividades mais arriscadas, nomeadamente certos produtos derivados, o que teria tido o
efeito de os tornar mais onerosos e de reduzir desse modo os volumes tratados pelos bancos. É claro que
isso se traduziria numa baixa de rentabilidade dos bancos, mas é preciso saber o que se quer. Em cada
quinzena transaciona-se o equivalente do PIB mundial nos mercados de produtos derivados, e 90% deles
são-no entre instituições financeiras e não com empresas... Mais uma vez, o que se recusa é abordar o
problema da hipertrofia da finança.
Os Estados hoje estão mais bem armados para enfrentar uma crise sistémica? É pouco provável. Os
bancos centrais têm margens de manobra mais fracas do que em 2008. Nos Estados Unidos, a Fed tem
uma pequena margem para baixar as suas taxas, mas na zona euro, no Reino Unido e no Japão as margens
de manobra são nulas. Até ainda temos taxas negativas na Alemanha, o que não faz sentido nenhum e
irrita profundamente, e com razão, os aforradores alemães. Seja como for, não podemos continuar
indefinidamente esta fuga para a frente na criação monetária. Se bastasse criar dinheiro para apagar os
ciclos, há muito que se saberia. Isto só pode acabar mal.
E os governos, têm margens de manobra? A dívida pública mundial passou de 70% do PIB em 2000 para
107% em 2017, muito próximo do recorde histórico atingido durante a Segunda Guerra Mundial. É difícil
ver como é que os governos se lançariam novamente num relançamento keynesiano. Esta dívida não se
deve, no essencial, a uma má gestão dos dinheiros públicos. Explica-se em grande parte pelas crises
financeiras dos últimos trinta anos. Existe uma ligação directa, uma correlação perfeita, entre a dívida e as
crises. Quando eclode uma crise financeira, aumenta-se as despesas públicas para apoiar a procura e
combater o desemprego, os défices públicos aumentam e as dívidas públicas sobem. Também se baixa as
taxas de juro para restaurar a confiança dos investidores, e após alguns anos as dívidas privadas das
famílias, das empresas, das instituições financeiras, começam novamente a aumentar... E ocorre uma
nova crise por causa do excesso de endividamento, o que exige relançamento keynesiano e taxas de juro
zero... Existe uma estreita correlação, diabólica, entre as crises financeiras e o endividamento. Se não
atacarmos o coração do capitalismo financeiro para tentar reatar com o capitalismo industrial, os
desequilíbrios não pararão de se agravar.
Os bancos centrais, em particular o BCE, viram a dimensão do seu balanço crescer
consideravelmente por terem comprado quantidades muito grandes de títulos de dívida dos Estados
membros da zona euro. Isso é perigoso?
O aumento dos balanços dos bancos centrais é um facto inteiramente novo. Estamos portanto num
universo desconhecido. Para tomar o exemplo do maior banco central, a Fed, o seu balanço representava
entre 4% e 5% do PIB dos EUA desde a Segunda Guerra Mundial. Actualmente representa 22% do PIB.
As autoridades monetárias dos EUA consideram por isso que é urgente reduzir esse balanço. Está em
jogo, pensam elas, a credibilidade do banco central. Warren Buffett disse um dia que a Fed se estava a
tornar um «hedge fund»! Na zona euro, o balanço do BCE representa mais de 40% do PIB, no Japão mais
de 90%, na Suíça mais de 100%. Na Suíça, o balanço do Banco Central é mesmo constituído em 20% por

acções... Ele compra todo o tipo de activos em divisas para lutar contra a revalorização do franco suíço,
enquanto ao mesmo tempo o governo suíço pratica uma política excedentes orçamentais que tem por
efeito revalorizar o franco suíço! A independência dos bancos centrais...!
Na zona euro, o BCE é um animal bastante peculiar: em caso de perdas significativas, por exemplo na
sequência do incumprimento de um país da zona que gerasse perdas significativas, seria necessária a
unanimidade dos 19 Estados para aumentar o capital. É um pequeno calcanhar de Aquiles. As compras de
títulos do BCE têm portanto a fortiori um limite. A política de quantitative easing está a chegar ao fim e
poderá ser reactivada apenas de forma limitada em caso de crise. Na realidade, para salvar o euro em

2012, Mario Draghi actuou em duas etapas. Primeiro apoiou-se nos bancos da zona euro, emprestando-
lhes maciçamente a taxa zero, o que lhes permitiu comprar dívida pública. A partir de 2015, ele próprio

fez compras maciças. Mais exactamente, pediu aos bancos centrais nacionais da zona euro que
comprassem dívidas públicas. Ao fazê-lo, deu uma bela facada nos tratados europeus que desde a origem
proibiam o Banco Central de financiar os Estados. O resultado desta política do BCE é que hoje os bancos
detêm 17% da dívida pública, em vez de 3% nos Estados Unidos, e os bancos centrais 21% em vez de
12% nos Estados Unidos. O sistema bancário europeu está saturado de dívidas públicas (38% das dívidas
em vez de 15% nos Estados Unidos). Ao mesmo tempo, com a União Bancária, afirmam ter cortado o
vínculo entre os bancos e os Estados! Na realidade, criámos uma enorme bolha obrigacionista na zona
euro, uma grande parte da qual está nas mãos do sistema bancário.
O Deutsche Bank alemão e os bancos italianos são, como se sabe, muito frágeis. É possível imaginar
que um desses bancos entre em colapso, como aconteceu com o Lehman Brothers no passado?
Não consigo responder-lhe sobre o Deutsche Bank, cuja situação não conheço, e mesmo que a conhecesse
abster-me-ia de contribuir para espalhar boatos contra os quais lutei como regulador! Quanto aos bancos
italianos, os números são conhecidos: eles detêm montantes muito importantes de dívidas públicas
nacionais e entre 250 e 300 mil milhões de euros de créditos de cobrança duvidosa. Um aumento
duradouro das taxas teria efeitos calamitosos nos seus resultados. Geraria perdas nos saldos de dívidas
públicas e uma deterioração da qualidade dos créditos de cobrança duvidosa.
Para responder de maneira mais geral à sua pergunta, não acredito, mas naturalmente posso estar
enganado, na repetição do Lehman, ou seja, a falência de um grande estabelecimento. Em 15 de Setembro
de 2008, a decisão de deixar cair o Lehman foi desastrosa. De um dia para o outro, tudo parou na finança.
Os bancos deixaram de emprestar, receando nunca serem reembolsados e sobretudo deixarem de se poder
financiar. O impacto sobre a economia real foi imediato. Por trás do discurso muito moralizador na altura
das autoridades dos EUA e de vários banqueiros nos Estados Unidos e na Europa, de que «é preciso dar
um exemplo», havia na realidade um discurso que o era muito menos: é preciso derrubar um
concorrente»! Foi uma loucura. Observadores atentos assinalaram que o secretário do Tesouro dos EUA,
Henry Paulson, tinha feito toda a sua carreira na Goldman Sachs e tinha sido seu presidente durante oito
anos. Os mesmos também observaram que no dia seguinte à queda do Lehman, ele decidiu desta vez
salvar a AIG, entrando com 180 mil milhões de dólares. Ora a Goldman Sachs tinha compromissos muito
importantes na AIG. Graças a essa contribuição, alguns meses depois a AIG passou um cheque de 12 mil
milhões de dólares à Goldman Sachs, o que evitou a este banco encontrar-se em grandes dificuldades...
O que é necessário nestas crises é ser eficaz, agir com muita rapidez e discernimento, evitando os efeitos
do contágio. Em 1998, quando o hedge fund LTCM fez tremer o planeta porque tinha posições perdedoras
nos mercados da ordem de 125 mil milhões de dólares, ao passo que geria apenas 4 mil milhões de
fundos, num fim-de-semana o governo dos EUA impôs aos bancos que trabalhavam com o LTCM que
entrassem com dinheiro para salvar o fundo. Evitou-se uma catástrofe mundial. Em Março de 2008, o
governo dos EUA ajudou o banco de investimentos Bear Stearns organizando o seu resgate pelo JP
Morgan. Amanhã, se o Deutsche Bank encontrar graves dificuldades, vai ser a própria Sr.a Merkel a
conduzir o assunto com o BCE! Ela fará tudo para organizar o seu resgate. Não se deixa cair um banco
que emprega 100 000 pessoas e que desempenha um papel decisivo no apoio à indústria alemã. Os textos
muito precisos da União Bancária sobre a gestão dos casos de bancos em dificuldades são deste ponto de
vista boas resoluções que se estilhaçarão na altura da crise.
Os Americanos foram deste ponto de vista mais prudentes na redacção dos seus textos regulamentares,
deixando uma grande flexibilidade nas medidas a tomar. Os casos difíceis serão sempre tratados pelo
Secretário do Tesouro, pelo Presidente da Fed e pelas autoridades de regulação, se necessário com uma
contribuição financeira do Estado. É triste dizê-lo, porque prometeram aos cidadãos que não voltariam a
ser a obrigados a contribuir, mas não devemos enterrar a cabeça na areia. A própria Janet Yellen declarou

há dois ou três anos que é prematuro dizer que os fundos públicos não voltarão a ser usados para salvar
um banco em caso de crise. Após cada crise financeira desde 1929, os dirigentes políticos declaram que
daí em diante se acabou o recurso aos fundos públicos para salvar uma instituição, e as suas palavras são
desmentidas com a chegada da crise seguinte... A este propósito, a medida tomada no caso da União
Bancária para recorrer aos depositantes para além de 100 000 euros em caso de crise de uma instituição é,
penso eu, muito perigosa: em caso de boato sério sobre uma instituição, corre-se o risco de os
depositantes voarem como pardais, acelerando as dificuldades dessa instituição. Vimo-lo no caso recente
do Banco Popular: 20% dos depósitos deixaram o banco em três ou quatro dias antes da aquisição pelo
Santander...
O euro pode não sobreviver a uma crise financeira de grande dimensão?
Com crise financeira internacional ou sem ela, é claro que o euro pode desaparecer. Foi o que quase
aconteceu em 2010, e nessa altura teria acontecido em condições dramáticas, uma vez que todos os

bancos da zona euro detinham stocks consideráveis de dívida pública de outros Estados da zona. Tinham-
lhes explicado durante dez anos que agora uma dívida grega, espanhola ou alemã era a mesma coisa! O

sistema financeiro europeu teria implodido. Gato escaldado de água fria tem medo... Por conseguinte, os
bancos da zona euro já não dão ouvidos àqueles que hoje continuam com esse discurso. Eles detêm dívida
pública, mas essencialmente nacional. É aquilo a que se chama a fragmentação dos mercados. As
autoridades monetárias lamentam-no, mas é uma boa gestão do risco, e assim uma implosão do euro seria
menos dramática.
O próprio Mario Draghi, que outrora declarava que o euro era «irreversível», reconhece que já não é
assim. Em resposta a uma pergunta de dois parlamentares italianos em Janeiro de 2017, ele começou a
sua resposta com: «Se a Itália se retirar do euro...» No entanto, alguns dirigentes políticos, e às vezes
algumas agências de notação, procuram meter medo agitando a ameaça de um forte aumento da dívida em
caso de saída do euro. Deixam pairar a dúvida sobre a aplicação da Lex Monetae, que diz que em matéria
monetária são as decisões nacionais que se aplicam aos investidores. Qualquer Estado é livre de mudar de
moeda e de pagar a sua dívida na sua nova moeda. O Código Monetário e Financeiro afirma, no seu artigo
primeiro, que «A moeda da França é o euro». O euro não é uma divisa estrangeira, é a moeda de cada
país. Se a Itália sair do euro, pagará a sua dívida em liras com um montante inalterado, qualquer que seja
o montante da desvalorização. Não se deve fazer do euro uma questão política e dizer disparates. Deve-se
raciocinar em termos de direito internacional e em termos económicos.
Ora, vinte anos após a criação do euro, o balanço económico é muito negativo: crescimento europeu
metade do crescimento americano, desindustrialização de alguns países, desigualdades espectaculares
entre países do Norte e países do Sul, tensões muito fortes entre dirigentes, nomeadamente por causa da
dominação alemã sobre a economia e as instituições. O euro intensifica as divisões em vez de fazer
avançar a Europa. A morfina monetária permitiu provisoriamente fechar os olhos a uma crise que pode
despertar a qualquer momento, como um vulcão adormecido.
Para que o euro fosse bem sucedido, eram necessárias duas coisas: que as políticas convergissem,
nomeadamente nos domínios social e fiscal, e que existisse uma solidariedade financeira entre a
Alemanha, grande beneficiária do euro, e os outros países. Mas nestes dois pontos estamos no grau zero, e
a Alemanha afirma cada vez mais claramente que não quer pagar. Os fundadores do Tratado apostaram
em que os povos da zona euro penderiam muito rapidamente para o federalismo. Não é nada o que está a
acontecer! Imagina-se os Estados Unidos sem transferências financeiras entre regiões? Jean Tirole, que é
favorável ao euro, estima que as transferências financeiras deveriam representar cerca de 20% do PIB da
zona! Estão a acontecer todas as disfunções anunciadas pelos economistas que antes da criação do euro
duvidavam dos avanços federais: movimentos dos capitais em direcção às zonas mais atractivas ao nível
fiscal e ao nível dos custos de produção e da tradição industrial, moeda subavaliada para alguns países
(15% para a Alemanha, segundo o FMI) e sobreavaliada para outros (12% para a França), desequilíbrios
dos pagamentos correntes (em vinte anos a Alemanha passou do equilíbrio para um excedente de 8% do
PIB), desindustrialização (produção industrial: - 10% na França desde 2000, + 35% na Alemanha),
emigração dos jovens do Sul para o Norte. Economicamente, socialmente e politicamente, esta evolução é
explosiva. A fuga dos capitais do Sul para o Norte está até a acelerar-se desde há dois ou três anos,
sobretudo desde a crise política italiana, como mostram os saldos do sistema de pagamentos da zona euro
Target2: o Banco Central alemão empresta mais de 900 mil milhões de euros aos países do Sul, o Banco
Central italiano pede emprestados quase 500 mil milhões de euros.
Quanto ao sistema bancário europeu, ele detém, entre bancos centrais e bancos, 40% da dívida pública da
zona, na tentativa de manter taxas próximas de zero no conjunto dos países da zona. É difícil ir muito

mais longe. Nestas condições, a fragilidade da zona euro é considerável, e a sobrevivência desta moeda
não está de modo nenhum garantida no caso de uma crise financeira internacional grave. Também se
pode, num sonho, imaginar que essa crise tenha o efeito de cerrar as fileiras na Europa, de provocar uma
tomada de consciência e de desencadear finalmente um reflexo de solidariedade financeira e fiscal...
Temo que não passe de mais um sonho!

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