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27 de novembro de 2018

Marx e a teoria do proletariado

As revoluções de 1848-1849
Marx e a teoria do proletariado

Maria da Piedade Morgadinho



«Na actividade do próprio Marx e Engels o período da sua participação
na luta revolucionária de massas de 1848-1849
destaca-se como um período central».

(V. I. Lénine, Obras Completas em francês, t. 16, p. 24)

Neste ano em que estamos a assinalar o 200.º aniversário do nascimento de Marx, passa também o 170.º aniversário do Manifesto Comunista e das revoluções burguesas de 1848-1849.
O Manifesto, redigido semanas antes de eclodir em Paris a revolução que foi o arranque das revoluções europeias daqueles anos, saiu da tipografia com a vitória do proletariado revoltoso e das massas populares que derrubaram a monarquia e proclamaram a 2.ª República. Não terá tido uma influência directa sobre estes acontecimentos, mas as condições históricas explicam o aparecimento simultâneo do Manifesto e das revoluções que então ocorreram.
Há precisamente 170 anos a Europa foi varrida por uma poderosa vaga revolucionária que se estendeu a vários países: França, Alemanha, Bélgica, Suíça, Inglaterra, Itália, Áustria, Hungria, etc. Portugal não ficou imune a esta situação que teve igualmente repercussões no nosso país.
Estas revoluções, para além das causas que lhe deram origem, foram também fruto do amadurecimento das condições resultantes dos movimentos revolucionários, das grandes lutas populares de massas dos anos 20 e 30 do mesmo século na Europa ocidental, muitas delas de carácter insurreccional, como a histórica sublevação  dos operários tecelões de Lyon, em 1831. Este movimento revolucionário europeu galgou o oceano e atingiu vários países da América, à época colónias espanholas (México, Peru, Chile, Argentina, etc.), e a colónia portuguesa do Brasil. Os seus povos despertavam para a conquista da independência.
Se os factores imediatos que desencadearam as revoluções europeias de 1848-1849 foram diferentes de país para país, causas houve de carácter geral e profundo que estiveram na sua origem.

O capitalismo atingira já um considerável nível de desenvolvimento mas as antigas relações de produção feudais, que resistiam tenazmente e persistiam na sua própria sobrevivência, constituíam sérios obstáculos ao seu maior desenvolvimento e expansão. A existência, em vários países, de domínios feudais, de estados, ducados, principados, etc., impedia que se desenvolvessem mais as forças produtivas capitalistas.
A esta contradição juntavam-se outras inerentes ao capitalismo. As manufacturas, as fábricas cresciam sem cessar e com elas as fileiras de uma classe operária ferozmente explorada.
Progressivamente, aprofundava-se a contradição fundamental do capitalismo, a contradição entre o crescente carácter social da produção e a forma privada de apropriação, ou seja, a contradição entre o capital e o trabalho; aprofundava-se o antagonismo entre o proletariado e a burguesia capitalista. Tais contradições tinham expressão na contínua intensificação das lutas da classe operária e na crescente repressão que contra ela exercia a burguesia.
A classe operária não cessava de crescer, não apenas numericamente mas também na sua tomada de consciência de classe explorada, no seu descontentamento, na sua revolta. Simultaneamente, desenvolvia-se a sua unidade e no seio do proletariado surgiam as suas primeiras organizações.
Mais atrasadas na luta, apesar da ruína em que estavam mergulhadas resultante da agudização das contradições entre a cidade e o campo, as massas camponesas não acompanhavam, nesse momento, a luta do proletariado.
É nestas condições que surge o rastilho que faria despoletar o poderoso movimento revolucionário, as sublevações nos principais centros industriais: a grave depressão económica de 1847 que sacudiu a Europa.
Aos enormes prejuízos de uma terrível crise agrícola somavam-se as consequências de uma crise financeira e industrial: o desemprego em massa, a miséria, a pobreza e a fome alastravam pelos bairros operários. A luta de classes na sociedade capitalista entrava num novo período da sua história.
Marx e Engels foram protagonistas deste movimento revolucionário na Europa, participando directamente no desenrolar dos acontecimentos em vários países. Deste período, Lénine diria, mais tarde, que ele se destacou «como um período central» na actividade de ambos. Efectivamente, até então, Marx e Engels haviam baseado em parte o seu estudo e análise da sociedade capitalista em experiências históricas anteriores, como fora, por exemplo, a grande revolução francesa de 1789. Agora, ao tomar parte nelas, tratava-se da possibilidade de comprovar na prática a justeza das suas concepções acerca do desenvolvimento e transformação revolucionária da sociedade capitalista. Agora, tratava-se da passagem a uma nova fase do seu fecundo trabalho teórico e da sua actividade política entre o proletariado revolucionário daquela época.
Neste período revolucionário é de destacar, também, o papel da Liga dos Comunistas cujos membros estiveram desde o início na primeirra fila dos combates. Aliás, fora por sua iniciativa que Marx e Engels redigiram o Manifesto Comunista,
Referindo-se a essa participação, Marx e Engels, na Mensagem da Direcção Central à Liga, de Março de 1850, escrevem: «Nos dois anos de revolução de 1848-49, a Liga afirmou-se duplamente; por um lado, porque os seus membros intervieram energicamente no movimento por toda a parte, na imprensa, nas barricadas e campos de batalha, à frente nas fileiras do proletariado, da única classe decididamente revolucionária. A Liga afirmou-se, além disso, pelo facto de a sua concepção do movimento, tal como foi exposta nas circulares aos congressos e da Direcção Central de 1847, assim como no Manifesto Comunista, se ter mostrado a única correcta...» (1).
As revoluções europeias de 1848-1849 foram derrotadas.
Graças à traição da burguesia liberal, que se aliara aos senhores feudais, uma brutal repressão abateu-se sobre a classe operária e as massas populares, como foi, por exemplo, o caso da França.
Engels, na Introdução à edição alemã de 1891 da obra de Marx, A Guerra Civil em França, comemorativa do vigésimo aniversário da Comuna, referindo-se à insurreição de Junho de 1848 em Paris, escreve: «Após uma luta heróica de cinco dias, os operários foram derrotados. E seguiu-se então um banho de sangue dos pioneiros desarmados como nunca se tinha visto um igual...». «Era a primeira vez que a burguesia mostrava até que louca crueldade de vingança é levada, logo que o proletariado ousa surgir face a ela como classe à parte, com interesses e reivindicações próprias. E, ainda assim, 1848 foi uma brincadeira de crianças perante a sua raiva de 1871».
Em meados de 1849, Marx, depois de ter sido sucessivamente expulso de vários países europeus pelas autoridades reaccionárias, acabou por se fixar em Londres.
Os ensinamentos retirados daqueles anos tumultuosos das revoluções burguesas, tiveram expressão nas obras de Marx e de Engels redigidas e publicadas a partir daqui.
Questões tão importantes como a natureza de classe e o papel do Estado, problemas de estratégia e táctica do movimento operário face ao comportamento dos vários sectores da burguesia, o papel de vanguarda do proletariado e a necessidade do seu partido independente, a aliança com o campesinato, as alianças sociais e políticas, os compromissos, a unidade, o internacionalismo proletário, a teoria da revolução social, o combate ideológico contra concepções quer reformistas, quer sectárias, a defesa intransigente das suas concepções científicas e revolucionárias sobre a sociedade estiveram no centro da atenção, estudo e análise crítica de Marx e Engels.
Desse período são de destacar: O 18 de Brumário de Louis Bonaparte (1851-1852) e As lutas de classe em França (1850), de Marx; A guerra camponesa na Alemanha (1850) e Revolução e contra-revolução na Alemanha (1851-1852), de Engels; e a Mensagem do Comité Central da Liga dos Comunistas (1850), de Marx e Engels.
Nestes seus trabalhos, a formulação, pela primeira vez, de teses tão importantes como, por exemplo, a que se refere à necessidade da destruição completa pelo proletariado, no decurso da revolução, da antiga máquina do Estado da burguesia, e a criação de um novo poder político exercido pela classe operária, usando pela primeira vez a expressão «ditadura do proletariado», Marx e Engels elevaram o marxismo a níveis superiores do seu desenvolvimento e reafirmaram o seu carácter científico.
Os acontecimentos de 1848-1849 deitaram por terra completamente as influências ainda existentes do socialismo utópico e as teorias do socialismo pequeno-burguês.
A derrota da revolução não abalou as suas convicções, a sua confiança na classe operária e no seu papel de principal obreiro da transformação revolucionária da sociedade, da construção do socialismo e do comunismo,
Inicialmente, entre o Verão de 1849 e Junho de 1850, Marx e Engels consideram a vitória das forças reaccionárias, grande burguesia liberal e feudais, como transitória e defendiam a perspectiva de um novo surto revolucionário a breve prazo, agora do proletariado com a pequena burguesia. Porém, advertiam os operários para a necessidade do partido autónomo e independente e para não se deixarem induzir em erro pela fraseologia dos democratas pequeno-burgueses.
Mais tarde, na segunda metade dos anos 50, analisando a evolução da situação e aprofundando mais as causas que estiveram na origem do período revolucionário de 1848-49, particularmente as causas económicas, Marx reconsiderou aquela posição. Reconheceu que fora efectivamente a crise do comércio mundial de 1847 a sua verdadeira causa, mas a prosperidade industrial que surgiu pouco a pouco, a partir dos meados de 1848 e atingiu o seu apogeu em 1849 e 1850, dera um novo impulso à reacção europeia.
Perante esta situação, Marx desenvolveu intensa actividade e em sessões políticas, conferências, reuniões, encontros com os operários revolucionários sobre o Manifesto Comunista, e defendendo a ideia de que a revolução e a transição da sociedade capitalista para a sociedade socialista e desta para a sociedade comunista não seria um processo imediato, mas sim um processo longo, complexo, de grande fôlego, eventualmente através de muitos anos, com com várias etapas e fases. Processo que só uma classe, consequentemente revolucionária, «revolucionária até ao fim», que nada tinha a perder na revolução senão as suas algemas – o proletarido – teria condições para desencadear e dirigir esse processo.
Associada a esta ideia uma outra conheceu igual desenvolvimento na elaboração teórica de Marx: o internacionalismo proletário, o carácter internacional da luta do proletariado de cada país, ideia que já tinha encontrado expressão nas palavras finais do Manifesto: «Proletários de todos os paaíses, uni-vos!».
Marx, e do mesmo modo Engels, não se limitou à elaboração teórica. Desenvolveu também o principal papel na criação, em 1864, da associação do proletariado mundial – a Associação Internacional dos Trabalhadores, a I Internacional, de significado inquestionável para o desenvolvimento da unidade, organização e luta da classe operária.
Acontecimentos históricos posteriores às revoluções de 1848-1849, como foi o caso da Comuna de Paris, em 1871, outros se lhes seguiram, já no século XX, que demonstraram de forma inequívoca ser correcta a teoria revolucionária do proletariado criada por Marx e Engels – o marxismo. E, em primeiro plano, pela repercussão, pelas realizações, pelas transformações que originou no mundo inteiro a Grande Revolução Socialista de Outubro de 1917, na Rússia, que passado um século continua a influenciar os dias em que vivemos.
A Revolução de Outubro não confirmou apenas a validade da herança teórica que Marx e Engels nos legaram. Ela confirmou igualmente ser válida a contribuição dada por Lénine ao seu desenvolvimento e enriquecimento nas novas condições históricas de desenvolvimento do capitalismo (sua fase de imperialismo). Essa a razão pela qual, com todo o rigor, a denominamos de marxismo-leninismo, ou seja, o marxismo da nossa época.
Já depois da Revolução de Outubro de 1917, passados mais de 50 anos, os comunistas portugueses, que têm como base teórica do seu Partido o marxismo-leninismo, puderam ver, na prática, com os seus próprios olhos, no seu próprio país, em 1974, na Revolução do 25 de Abril, a validade e a actualidade desta «concepção do mundo, necessariamente criadora e, por isso, contrária à dogmatização assim como à revisão oportunista dos seus princípios e conceitos fundamentais». (2)

Notas
(1) K. Marx e F. Engels, «Mensagem da Direcção Central à Liga», de Março de 1850, in Obras Completas em três tomos, t. 1, p. 178.
(2) Partido Comunista Português, Programa e Estatutos, Art.º 2 dos Estatutos, Edições «Avante!», Lisboa, 2013, p. 90.

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