POLÍCIAS , Agostinho Lopes
A manifestação das forças de segurança foi a oportunidade para a convergência dos «amigos da polícia» com o elogio dos «movimentos inorgânicos» e o ódio aos sindicatos, com muita reaccionarice e anticomunismo à mistura. Para tomar a nuvem por Juno também.
Longos comentários e debates, ou seja, muita letra e treta, para ocultar, iludir, mascarar três questões essenciais.
- A responsabilidade da política de direita pelos persistentes e graves problemas profissionais que atingem a generalidade das forças de segurança. Muitas legislaturas e governos são passados sem qualquer avanço na sua resolução. Responsabilidades dos advogados das «contas certas». Dos fundamentalistas de uma gestão orçamental sujeita aos critérios do Pacto Orçamental e imposições comunitárias. Dos combatentes pelo Estado mínimo, com azia, alergia aos funcionários públicos, à despesa pública, à carga fiscal, julgados sempre em demasia. Dos velhos e novos neoliberalismos.
- A escusa a pôr os nomes aos bois, metendo como autores e patrocinadores daquela política todos os partidos, sob eufemísticas designações, como «Estado» (mais uma falha!), «poder político», «forças partidárias tradicionais» e outras mistelas. «Os partidos tradicionais permanecem acantonados, bloqueados, e sem saber como reagir face a estes movimentos inorgânicos e às respostas populistas que se lhe colam» (1). E nessa indiferenciação, nesse anonimato, igualam as responsabilidades do «arco da governação», PS, PSD e CDS, com o PCP e outros que, insistentemente, repetidamente, denunciaram os problemas e fizeram propostas para a sua resolução. Assim alimentando também o «inorgânico», o «populismo», o confronto cego e inútil com o Estado. Quando se cita em destaque um deputado do CDS, na manifestação, em plena exercício de hipocrisia e demagogia, afirmando «Estas mulheres e estes homens chegaram ao seu limite de capacidade e resistência» (2), está-se a absolver um dos partidos responsável pelo «limite» a que se chegou!
- A magnífica manifestação e concentração de milhares dos profissionais das forças de segurança, transformada num epifenómeno de um grupo provocador e de um deputado de extrema-direita. Houve captura e instrumentalização política por essa gente? Sim, com grande ajuda mediática. Sim, é perigoso. Mas tal não pode obnubilar a luta e a manifestação realizada e o papel das suas organizações profissionais que aliás, criticaram e condenaram a sanguessuga oportunista. Tal não pode eliminar o património de luta passada, inclusive a dura luta pela legalização das suas estruturas e actividades sindicais. Um percurso só finalizado – ainda que não completamente satisfatório – na primeira década do século XXI. Tal não pode apagar as manifestações e concentrações passadas, nomeadamente a de 21 de Abril de 1989 – «Secos e Molhados» – e outras, como a de Outubro do ano passado. O que aconteceu na passada 5ª feira, 21 de Novembro só foi possível pelo caminho, aberto depois do 25 de Abril, de organização, unidade e luta, e sacrifício de muitos activistas – não esquecer o Comissário da PSP desterrado para Bragança por Cavaco Silva! E foi possível, apesar da oposição sistemática de sucessivos governos do PS, PSD e CDS ao reconhecimento dos seus direitos associativos e constitucionais. Contrariamente a análises e comentários tendenciosos, ou simplesmente ignorantes, o que aconteceu no dia 21 de Novembro, não foi o resultado do dito Movimento Zero, que apenas tentou parasitá-lo, mas o longo e persistente trabalho associativo das estruturas da PSP e GNR e outras. E essa importante jornada de luta pelos seus interesses e direitos foi concretizada. Não é possível escrever, no desvirtuamento e desvalorização do que aconteceu, «que aquele que era anunciado como o maior protesto de sempre de elementos das forças de segurança, (…) acabou por ter menos impacto do que se supunha.» Porque segundo o Expresso: «É certo que a iniciativa juntou milhares de polícias e guardas (…) junto à Assembleia da República, mas por exemplo, não se chegou ao ponto de haver confronto nas escadarias de São Bento, como noutras ocasiões.» (1). Mas era isso que as organizações que convocaram o protesto pretendiam? É esse o critério para avaliar do êxito da iniciativa? Reduzir aquela jornada de luta à oportunística manobra de um «movimento inorgânico», ou «espontâneo» como querem outros, é no mínimo ridícula. Mas leva água no bico, como todos sabemos.