O GOLPE. Agostinho Lopes
«Os golpistas assaltaram a minha casa e a da minha irmã, incendiaram domicílios, ameaçaram de morte ministros e seus filhos e vexaram uma autarca, agora mentem e tratam de culpar-nos do caos e da violência que eles provocaram. A Bolívia e o mundo são testemunhos do golpe».
Evo Morales, Twitter, 11 de Novembro de 2019
O Golpe
Em total desrespeito pela vontade popular expressa nas eleições realizadas a 20 de Outubro, que ditaram a reeleição de Evo Morales como Presidente da Bolívia, as forças reaccionárias e anti-democráticas bolivianas, com a cúmplice acção das forças policiais e militares e suportada por inaceitáveis pressões e ingerências externas, levaram a cabo uma violenta acção terrorista contra os movimentos populares bolivianos, seus dirigentes e responsáveis estatais, apesar dos múltiplos apelos ao diálogo e iniciativas de solução política no marco democrático e constitucional protagonizadas por Evo Morales.
Reflexão
Um dia destes o Deputado Europeu do PSD Paulo Rangel titulava o seu habitual artigo no Público (05NOV19): «Os protestos na América Latina: uma vaga provocada ou geração espontânea?». E depois de algumas elucubrações reacionárias sobre a Venezuela, a Argentina e o México, chegava ao Chile. Alarmado, porque «A situação mais relevante, alarmante e surpreendente vem a ser o Chile. Apesar de um notório fosso social, a verdade é que o Chile figura entre as democracias mais estabilizadas e institucionalizadas da América do Sul, com indicadores positivos em muitas áreas». [Não se repare, por agora, na louvação de uma democracia que funciona com a Constituição neoliberal herdada da Ditadura de Pinochet, nem nos indicadores positivos (quais? será porque cumpre rácios do Pacto de Estabilidade da UE?) compatíveis com monstruosas desigualdades sociais!]. Segundo Rangel, «Uma parte importante dos observadores latino-americanos» (1) – consideram como origem das manifestações populares no Chile (e de outros protestos cívicos e políticos) a «interferência conspirativa do socialismo bolivariano de Maduro (e antes de Chávez)». Mas como não lhe parece que «o regime de Maduro tenha instrumentos e condições para alimentar um tal fenómeno», Rangel opta por uma velhíssima tese, bem nossa conhecida, o dedo de Moscovo! Assim mesmo: a Venezuela sim, se «for apenas a plataforma da liderança do Kremlin, quiçá via Cuba». Notável!
Mas agora, terá o sr. Deputado de nos explicar qual o dedo no Golpe da Bolívia, para afastar Evo Morales!?
Ou, como a generalidade dos media portugueses, acha que não houve golpe?
O Público de 2ª feira titula notícia na 1ª página: «Militares põem fim brusco à era Evo Morales na Bolívia»! Que tal este “baptismo” de um golpe de Estado?. Na 3ª, fala de «o aparelho militar o ter abandonado». Uma jornalista da RTP3, na 2ª à noite afirmava: «Há quem lhe chame um golpe de Estado»! O Expresso Diário de 2ª não soube de nada. Mas para o Expresso Curto do mesmo dia «Evo Morales renuncia (…)
. A decisão surge depois de os chefes das Forças Armadas e da polícia terem exigido que abandonasse cargo (…)». No Expresso Curto de 3ª, a grande dúvida: «foi um golpe de Estado?» E logo remete para 4 especialistas consultados pelo El País – um sim, outro talvez, e dois não. Tudo esclarecido. Não há dúvida, Balsemão é mesmo co-Presidente do Foro Ibero-América! Outros exemplos se poderiam acrescentar.
. A decisão surge depois de os chefes das Forças Armadas e da polícia terem exigido que abandonasse cargo (…)». No Expresso Curto de 3ª, a grande dúvida: «foi um golpe de Estado?» E logo remete para 4 especialistas consultados pelo El País – um sim, outro talvez, e dois não. Tudo esclarecido. Não há dúvida, Balsemão é mesmo co-Presidente do Foro Ibero-América! Outros exemplos se poderiam acrescentar.
Ou seja, como não podem apoiar/defender o golpe explicam-no e justificam-no, e fazem a sua anulação semântica. (2)
Todos na mesma onda da Comissão Europeia, para quem o problema se resume à realização de eleições.
A. Lopes
- Uma grande parte desses observadores devem ser seus correligionários do Foro Ibero-América – uma espécie de OEA de reformados, com alguns “ibéricos” à mistura, como Pinto Balsemão, seu co-Presidente e o Banqueiro Artur Santos Silva – em que participou em fins de Outubro.
- As mesmas televisões para quem a violência em Hong-Kong tem horas e a violência no Chile, ou na Bolívia com incêndios das casas dos governantes eleitos, agressões e muitos mortos têm segundos! No Público de 3ª feira, uma grande fotografia dos confrontos de Hong-Kong (que duram há meses) a ocupar a 1ª página e zero sobre a violência do golpe na Bolívia!
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