ACADEMIA 'NOBELIZA' CORINA SEM CORAR
A atribuição do Nobel da
Paz a María Corina Machado é algo mais do que um
acto político de contestação ao governo
venezuelano de Nicolás Maduro. Junta-se ao “cerco”
militar naval contra o país detentor das
provavelmente maiores reservas petrolíferas
conhecidas em todo o mundo, montado pelos EUA com
oito vasos de guerra, aviões, dois mil mísseis e
um submarino nuclear estacionados no limite das
águas territoriais da Venezuela desde o passado
mês de setembro.
O pretexto invocado por
Donald Trump é o absurdo segundo o qual o “ditador
absoluto” de um dos países mais ricos em recursos
de todo o planeta, em vez de usar essa sua
condição para enriquecer, seria suficientemente
estúpido para tentar fazê-lo traficando droga. O
"nobel" para Corina junta-se a tudo isto (ver https://www.telesurtv. net/historial-fascista-maria.. ./).
1.
E junta-se-lhe enquanto uma
das mais notórias demonstrações de duas das mais
perigosas tendências do estado de guerra mundial
latente que tem vindo a adensar-se nas últimas
duas décadas. O uso dos dispositivos legislativos,
judiciários e judiciais contra personalidades,
nações e organizações desafetas (conhecido por
Lawfare), à escala interna dos países, como no
domínio das relações internacionais, degradando
aqueles que se opõem à unipolaridade “ocidental”,
por um lado.
E, por outro lado, a
intensificada operação que de manipulação dos
organismos supranacionais criados em nome de algum
tipo objetivo e imparcial de regulação das
relações internacionais, as chamadas instituições
de Bretton Woods (FMI, Banco Mundial e outras), a
Organização Mundial do Comércio (OMC), a União
Europeia ou o Mercosul, o Tribunal de Haia (ou
Corte Internacional de Justiça, dependente da
ONU), o Tribunal Penal Internacional (TPI) ou a
própria ONU, claro, para além de um longo
etecetera.
Está bem estabelecido que
se trata de ferramentas geopolíticas que, na sua
maioria, visaram estabelecer a ordem da dominação
da potência emergente da II Guerra, os EUA e seus
“estados vassalos” (na linguagem do antigo
secretário de Estado norte-americano, Zbignew
Brzezinski).
Mas a evocação da isenção
era um argumento para que se exigisse alguma
cautela nas tentativas da sua manipulação que, nas
últimas décadas, se tem processado num plano a tal
ponto escandaloso, que o seu descrédito é hoje uma
trivialidade.
2.
O Comité de Oslo,
transformando o Nobel da Paz em arma de guerra não
é exceção. Uma breve viagem por muitos dos mais
recentes nobelizados demonstra como a geopolítica
do Nobel convergiu quase invariavelmente com a
enfatização dos inimigos dos nossos inimigos, ao
serviço dos amigos “ocidentais”. Walesa venceu em
1983, quando se tratava de desgastar a URSS,
através da Polónia e da Igreja Católica local e do
Vaticano. Vinte anos mais tarde, em 2003, ganhou a
iraniana Shirin Ebadi, quando o Irão passou a
estar na mira preferencial do “Ocidente de onde
não voltaria a sair até hoje. Em 2009, foi a vez
de Al Gore, pelo seu “ativismo” contra as
alterações climáticas, vocação que descobriu
depois de deixar a vice-presidência dos EUA, sem
que a causa o tivesse perturbado quando podia ter
feito alguma coisa por ela. Obama foi galardoado
em 2009, depois do desmantelamento dos regimes que
do norte de África ao Afeganistão abriram a caixa
de Pandora dos refugiados contra a Europa, em
particular depois da “intervenção democrática” na
Síria e do envio de mais um contingente de 130 mil
soldados para Cabul nos dias da atribuição do
prémio. Liu Xiabobo destacou-se em 2010, quando a
política norte-americana apontou a sua manobra
hostil contra a “ameaça chinesa” enquanto “inimigo
estratégico”. Em 2011, foi a vez do Iémen, com
Tawakel Karman, quando a nação do Mar Vermelho
passou a estar na agenda das baterias ocidentais,
através da guerra promovida pelos sauditas. A
União Europeia, em 2012, como não, pela sua
contribuição “para o avanço da paz e
reconciliação, democracia e direitos humanos na
Europa” (sic do Comité Nobel). Da ex-Jugoslávia às
intervenções no espaço pós-soviético, passando
pela gesta armada francesa no Sahel, tínhamos,
antes mesmo da Ucrânia, paz para dar e vender por
onde quer que conseguíssemos passar, como bem
sabemos. O Iraque esteve na ordem do ano, em 2018,
com Nadia Murad, quando o país das Armas de
Destruição Maciça, se encontrava maciçamente
destruído pelas armas ocidentais e começava a
orbitar no xiismo, saindo do “controlo ocidental".
Já nos anos 20, do século,
os canhões da paz de Oslo começaram a disparar
para o leste da Europa. Dmitry Muratóv, Rússia em
2021, Ales Bialiatski, oposicionista bielorrusso
em 2022, a par da ONG “humanitária” russa
“Memorial” assim como o “Centro de Liberdades
Civis” da Ucrânia, O Irão voltou a ser carregado
com um Nobel da Paz em 2023, e em 2025, chegou a
vez da Venezuela.
3.
Corina Machado já tinha
sido galardoada com o Prémio Sakhárov, do
Parlamento Europeu, juntando-se a uma longa lista
de individualidades patrocinadas pelo governo
norte-americano através da USAID e demais
“fundações” consabidamente de cobertura para
operações de influência conduzidas pela CIA, por
vezes sem o conhecimento e consciência dos
próprios à data das suas distinções.
Não é bem o caso de María
Corina Machado, à qual dedico umas linhas num
pequeno ensaio que escrevi sobre a Venezuela e que
sai a público na próxima semana. A Corina bem se
pode, de facto, aplicar o velho ditado de “diz-me
com quem andas, dir-te-ei quem és” (ver imagem
abaixo e, com ela, ver as reações dos "democratas"
europeus ao prémio, aqui: https://www.dn.pt/.../ uma-mensagem-poderosa-reaes- ao...).
Reagindo já à atribuição do
Nobel, para além da choraminguice emocionada do
porta-voz do Comité e da própria laureada no
momento, convenientemente filmado, da comunicação
à interessada, María Corina explicou rapidamente o
significado da atribuição, dirigindo-se a Donald
Trump (ver aqui https://zonacero.com/.../ contamos-con-el-presidente- trump...).
Não é coisa nova, em todo o
caso. Já em 2024 num programa de corte
humorístico, via Internet, Corina respondia ao
apoio de Elon Musk, formalmente em tom ligeiro,
mas com o conteúdo mais revelador que se usa
quando se brinca a sério: “sabe o que é que vai
poder investir na Venezuela? Não vai haver outro
país onde possa fazer mais negócios do que na
Venezuela, os tais foguetões vamos lançá-los de
Cabruta, vamos pôr Internet em toda a Venezuela, a
Internet da Venezuela vai ser rapidíssima.
Energia! Quer energia limpa? Aí tem... A
capacidade hidroelétrica da Venezuela não é
igualada por nenhum outro país do hemisfério.
Temos a nona reserva de água doce do planeta, está
tudo por fazer, vai pôr os nossos miúdos a serem
trilíngues, não há jovem que não fale espanhol,
inglês e não use a linguagem digital. Todas essas
empresas de processamento de dados, de servidores,
para cá, para cá, para cá! Vamos instalá-las aqui,
vamos colocá-las lá no estado Bolívar com energia
limpa. Consegue imaginar como vai ser? Olhem, este
país vai voar”
Percebemos para onde, não
percebemos? O Comité Nobel também.
Rui
Pereira - Prof Catedrático na Universidade Lusófona do
Porto
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