XÉRCITO UCRANIANO VAI VIRAR BAIONETAS CONTRA KÍEV?
Oct 2
Como
já afirmei muitas vezes ao notar a crescente fraqueza do regime de
Maidan e do estado ucraniano, o exército ucraniano pode tornar-se uma
grande força de destruição, tanto do regime, quanto do estado. Derrota
após derrota, catástrofes militares após catástrofes militares, os
soldados ucranianos, muitas vezes corajosos, morrem puramente em prol da
vantagem política interna e externa dos líderes ucranianos.
Assim,
de Mariupol a Bakhmut, de Avdeevka a Krinky e agora de Sudzha a Kursk, o
presidente ucraniano Volodomyr Zelenskiy e a sua equipe produtora de
televisão da série ‘Slugi naroda’ (Servos do Povo), que se transformou
em partido político, recusaram-se a permitir que as forças ucranianas,
muitas vezes cercadas e derrotadas, se retirassem para salvar mentiras e
manter encenações. Haverá uma altura em que os oficiais e os soldados
ucranianos se irão levantar para pôr fim à sua própria matança.
Os
‘Servos do Povo’ e o resto da elite da ucraniana, ao privilegiarem
consistentemente as suas necessidades pessoais de propaganda política e
política interna sobre as vidas dos soldados e a simples lógica militar,
estão a fomentar a raiva e a sede de vingança entre as tropas de base.
Vários vídeos postados por militares nos últimos meses expressam nos
termos mais duros a frustração, a raiva, a dor e o ódio em relação a
Zelenskiy e aos seus ‘Servos’ que muitos oficiais e tropas sentem. Veja,
por exemplo, este vídeo de um soldado ucraniano enfurecido ameaçando
Zelenskiy e toda a elite: “Vocês pagarão por tudo”.
Como
observei anteriormente, os modelos que nos devem guiar para analisar
esta situação são os levantamentos e as revoluções que ocorreram no
passado, motivadas pela guerra, particularmente derrotas em guerras.
Na
Rússia de 1917 e na Alemanha de Weimar, os soldados desmoralizados,
descontentes e degradados viraram as baionetas contra os poderes
instituídos. Na Rússia de 1917, isso aconteceu no sentido literal,
quando os soldados se tornaram a terceira parte da “santíssima trindade”
bolchevique de “operários, camponeses e soldados”, que povoaram o
Partido, derrubaram a dinastia Romanov e depois o Governo Provisório, o
Exército Vermelho, e povoaram o aparelho do novo Estado soviético. Na
Alemanha de Weimar, os soldados derrotados, revoltados com a “punhalada
nas costas” do Tratado de Versalhes, tornaram-se a espinha dorsal do
Partido Nacional Socialista ou Nazi. O próprio Adolph Hitler era um
desses soldados perturbados e em busca de vingança. Mesmo na vitória, os
soldados podem ser transformados pela experiência da guerra de um modo
totalmente imprevisível. A vitória da Rússia sobre Napoleão e a sua
ascensão à liderança na Europa intensificaram o sentimento dos oficiais
do Exército Imperial de estarem a desempenhar um papel histórico, que se
transformou num sentimento de que a Rússia precisava de abandonar a
autocracia e instituir um regime constitucional se quisesse manter a sua
posição na vanguarda internacional.
O
presidente ucraniano Volodomyr Zelenskiy declarou recentemente (janeiro
de 2025) que as forças armadas da Ucrânia somam cerca de 800.000
soldados, (ver aqui). Isso parece impressionante, embora seja
provavelmente exagerado neste momento – como é costume de Zelenskiy – em
várias centenas de milhares. No entanto, isso ainda representa uma
força formidável não apenas para as forças russas se desgastarem, mas
para os políticos ucranianos administrarem. E eles não estão a
administrar bem. Como demonstrei inúmeras vezes anteriormente; as forças
armadas ucranianas, como todo o estado ucraniano, estão repletas da
corrupção mais cínica e massiva – uma corrupção que está a
intensificar-se à medida que a guerra está a ser perdida e o futuro das
pessoas precisa de ser comprado.
Deixando
de lado a série interminável de derrotas no campo de batalha, o
exército está a ser composto agora por civis relutantes, muitos
arrancados das ruas, das suas casas, das suas esposas e filhos e
forçados a lutar no que muitos ucranianos agora entendem ser uma causa
perdida. Grande parte da população está a esconder-se ou a esconder os
seus maridos, filhos, irmãos, primos e amigos dos bandos itinerantes de
“mobilizadores” do exército estatal. Além disso, há cada vez menos
voluntários ucranianos. Em janeiro, havia menos de 1.000 num momento em
que o país está com uma extrema necessidade de combatentes para conter
as crescentes ofensivas russas em quase todas as frentes. Há ainda
relatos de 63.000 ucranianos desaparecidos em combate, (ver aqui), Mas
mais: muitos que estão nas listas e supostamente a combater na frente
estão na verdade a esconder-se em áreas da retaguarda, recusando-se a
lutar, (ver aqui). Além de mais de um milhão de baixas ucranianas
(incluindo centenas de milhares de mortes), apagões de energia e outras
dificuldades, muitas delas sofridas por famílias com membros ainda a
lutar na frente, será que tudo isso pode acabar bem?
A
Rússia está supostamente a exigir uma redução de 80 por cento do
exército ucraniano, (ver aqui). Tal corte nas forças armadas de Kiev —
dependendo de quando ocorrer e após qual o nível de desgaste que tiver
sido atingido — deixaria centenas de milhares de homens malvados,
raivosos, insensíveis à violência e talvez armados nas ruas — um
exército agora de homens provavelmente desempregados, sem propósito,
maleáveis e em busca de vingança.
Se
ou quando Zelenskiy, ou qualquer outro líder ucraniano, assinar um
acordo de paz concordando em renunciar à Crimeia e aos quatro oblasts
que a Rússia reivindicou até agora, mesmo que apenas “temporariamente” e
não legalmente, o número de militares enfurecidos e das suas famílias
só irá aumentar, particularmente entre os numerosos e influentes grupos
ultranacionalistas e neofascistas.
Os
grupos neofascistas, como o Azov e, através do Corpo de Voluntários da
Ucrânia, o Setor Direito, estão profundamente enraizados no exército e
ficarão indignados com quaisquer compromissos feitos por um regime
ucraniano com esses “russos sub-humanos” e procurarão “completar a
revolução nacionalista”. Os soldados insatisfeitos e enraivecidos serão
excelentes recrutas e pasto para a realização dessa revolução.
Tudo
isto forma uma matriz de instabilidade e caos potencialmente explosiva,
que pode levar partes substanciais do exército ucraniano a virarem as
suas armas contra Kiev, o que está na base da relutância de Zelenskiy em
participar em compromissos com a Rússia para alcançar a paz. Ele não
pode falar sobre isso sem desmoralizar ainda mais o exército, indignar
os neofascistas e reconhecer tacitamente o poder do elemento neofascista
na política ucraniana – algo que Kiev tem trabalhado arduamente para
encobrir, explicar ou negar.
De
facto, Zelenskiy está encurralado entre duas chamas, internamente
relacionadas com esta questão e, em geral, como está no estrangeiro,
encurralado entre a pressão dos EUA a favor da paz e o avanço do
exército russo. Tal como a sociedade ucraniana, os militares ucranianos
(e talvez também os órgãos de informação e segurança) estão divididos
entre aqueles que já não apoiam a guerra ou não estão dispostos a lutar,
como os mobilizados coercivamente, e aqueles que são virulentamente
contra a paz com os russos, como os neofascistas. Esta polarização de
pontos de vista constitui a base de uma potencial guerra civil ou, pelo
menos, de um intenso conflito interno na Ucrânia, quando se aproximar
qualquer acordo de paz.
Não
é apenas Zelenskiy que deve considerar esta perigosa matriz acima
descrita. Se um acordo de paz for seguido de um golpe neofascista na
Ucrânia e/ou se o que resta do país cair no caos, o que farão a Rússia, a
Europa e os EUA? A Rússia estará provavelmente inclinada a usar a força
militar, “quebrando” qualquer tratado. Moscovo pode argumentar
justificadamente que qualquer tratado que tenha assinado foi acordado
com uma liderança diferente e, com eventual golpe ou ausência de
qualquer regime central e ordem estatal, todos os compromissos estão
cancelados e a Rússia tem de garantir a sua própria segurança
desinstalando o novo regime ucraniano.
Estarão
os EUA, e muito menos a Europa, dispostos a cooperar com a Rússia para
pôr fim a um tal golpe ou substituir um novo regime neofascista? Se não,
haverá uma Guerra Ucraniana NATO-Rússia 2.0, que se seguirá à 1.0 quase
imediatamente? Irá uma “coligação de interessados” europeia enfrentar a
Rússia?
A
revolta de Maidan, alimentada por Washington e Bruxelas, abriu a caixa
de Pandora. O Ocidente continuou a abrir novas caixas durante quase uma
década – armando a Ucrânia, recusando-se a exigir que Kiev cumprisse os
seus compromissos de Minsk, etc. – até que Moscovo abriu a maior de
todas as caixas anteriores. Fechar estas caixas e impedir a abertura de
uma nova e ainda maior Caixa de Pandora pode estar fora do alcance tanto
da Rússia como do “Ocidente coletivo”.
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