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18 de abril de 2020

Repugnante

Agostinho Lopes
Ou escandaloso. Ou qualquer outro adjectivo similar serve para classificar e
qualificar o Relatório da 11ª Missão de Avaliação do Credor ao Pós-
Programa de Ajustamento de Portugal tornado público a 8 de Abril passado.
Isto é, no intervalo de tempo entre a reunião do Grupo Euro que não concluiu
e a reunião do mesmo Grupo, a 9 de Abril, que obteve os «brilhantes»
resultados que se conhecem.
No Sumário Executivo do Relatório escreve-se, numa tradução à letra: «Este
relatório apresenta as conclusões da décima-primeira missão de vigilância
pós-programa (PPS) do staff da Comissão (Europeia), em ligação com o staff
do BCE, que teve lugar em Lisboa durante 11-12 de Fevereiro.» com a data
de fecho de 6 de Março. Onde também se escreve: «Independentemente das
medidas Covid 19, existiam pressões do lado da despesa orçamental em
particular nas remunerações dos trabalhadores públicos, bem como na
despesa com pensões e saúde (...)»
Para não ficarem dúvidas, no texto do Relatório sublinham-se as
preocupações com o descongelamento e revisão das carreiras e um
aumento geral dos salários da Funcão Pública, e com um «aumento
extraordinário das pensões baixas – acima da referência da normal
indexação das pensões à inflação e ao crescimento do PIB».
Em plena pandemia, com o Estado de Emergência declarado, e perante o
silêncio da generalidade dos media (1) (mais preocupados com os exercícios
contorcionistas de Centeno e o «repugnante» do Ministro holandês), o que
vem dizer os serviços de vigilância da Comissão Europeia (CE) ao pós-Pacto
de Agressão da Troika? Sem qualquer pudor e total desfaçatez, e já depois
do levantamento (???) das imposições do Tratado Orçamental/Pacto de
Estabilidade, a CE alerta: cuidado com as pressões dos gastos com a saúde,
com os vencimentos dos funcionários públicos (agora se percebe melhor
aqueles 1% de aumento da função pública de Centeno e C.ia durante o
debate do OE2020) e com as pensões/reformas!

Com o vírus a pôr nu as fragilidades de um Serviço Nacional de Saúde (quão
insubstituível e inquestionável se mostrou agora!) corroído por décadas de
«contenção orçamental» degradando a sua capacidade operacional,
eliminando camas de internamento (só entre 2011 e 2015 foram 2.000),
serviços e instalações, não renovando equipamentos, reduzindo o nº dos
seus profissionais, a Comissão Europeia, vem dizer que gastamos de mais
no SNS! Que é preciso reduzir essa despesa para não fazer crescer a
sombra da Dívida Pública. Extraordinário!
Com o vírus a evidenciar a falta de profissionais de saúde – médicos,
enfermeiros, técnicos de diagnóstico, auxiliares – resultado da sua
“migração” para os grupos de saúde privados e para o estrangeiro, por causa
dos baixos vencimentos e más condições de trabalho, a CE vem dizer que os
salários do funcionários público, dos mais baixos da Europa, pressionam a
Dívida Pública.

Com o vírus a mostrar quão baixas são as pensões e reformas de milhares
de trabalhadores portugueses, obrigando-os a albergar-se em lares e
residências de idosos sem qualidade, a CE vem preocupada lembrar que
essas pensões e reformas de miséria afectam os sublimes rácios da Dívida e
do Défice!
O Relatório mostra uma 4ª preocupação: a redução da «lucratividade» dos
bancos! Pobres bancos, sacrificados no altar da estabilidade financeira. Por
isso mesmo a Comissão abençoa «uma nova activação do mecanismo de
capital contingente» ou seja, a conhecida transferência que o Governo PS
com a ajuda de PSD e CDS, acolheu no OE2020, de 650 milhões de euros
do Fundo de Resolução, isto é de dinheiro dos contribuintes, para o Novo
Banco. Aqui, não vê a Comissão Europeia pressões nem riscos para o
Défice e a Dívida!
Mas não há qualquer contradição entre o dito Relatório e as decisões do
Eurogrupo e outros anúncios dos órgãos da UE. É a harmonia universal.
Apenas uns anunciam agora como somar dívida à dívida e os outros
antecipam o que aí vem para Portugal pagar a dívida…
É tudo simples e muito claro. Nem se percebem, aliás, as lamúrias pela
solidariedade europeia. O apelo «Por um despertar colectivo» subscrito por
jornais europeus entre os quais o Público. As visões trágicas de Soromenho-
Marques «Esse abismo que nos olha» pedindo «federalismo como (...) uma
vacina». As dúvidas de Teresa de Sousa «Palmas? Não é caso para isso». É
preciso ter fé como Assis: «a solução encontrada pelo Eurogrupo contribuirá
em muito para a superação da grave crise que se antecipa». Ou como os
que anunciam um novo Plano Marshall, ou Plano Draghi! Ou não leram a
notável (e hipócrita) resposta dos Ministros alemães dos Negócios
Estrangeiros e das Finanças – «Uma resposta solidária à crise do
coronavírus» – a quem o Público ofereceu uma página a 06ABR20!!! Que
solidariedade! E até, que acto de contrição (deve ser do tempo pascal) ao
reconhecer que «uma política de austeridade como a que se seguiu à crise
financeira (…) levou a que os Estados membros fossem tratados de forma
desigual.» Hossana! Certamente por falta de espaço, esqueceram-se de
informar qual o aumento da contribuição do Orçamento alemão para o
Orçamento Comunitário...para responder à crise.
(1) Há uma notícia de L.Reis Ribeiro, no Dinheiro Vivo de 09ABR20.

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