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23 de abril de 2020

Uma afirmação infeliz

João Ferreira do Amaral à Renascença
"Nos meios governamentais foi proferida uma afirmação que é efectivamente muito pouco feliz. Foi o caso que, a propósito das medidas de apoio a tomar pelo Governo para mitigar a recessão económica, se enunciou o que se considera uma verdade insofismável “que os aumentos das despesas públicas de hoje são os impostos de amanhã” (não sei se estou a citar exactamente, mas o sentido era este).
A infelicidade da frase está, em primeiro lugar, que não é verdadeira e em segundo lugar, em que dá a entender que o Governo toma uma posição favorável à austeridade.
Convém começar justamente pela austeridade, tema em que existe muita confusão. As políticas de austeridade recomendam que em situação de recessão - em que o défice público em percentagem o PIB tende a aumentar, uma vez que a cobrança de impostos desce e a despesa tende a aumentar com o aumento do desemprego - o Estado deve realizar um esforço adicional de redução da despesa para manter o equilíbrio orçamental.
Estas políticas dão péssimos resultados, principalmente quando as famílias estão muito endividadas porque criam uma espiral recessiva que faz aumentar inaceitavelmente o desemprego e ironicamente tornam ainda mais difícil equilibrar as finanças públicas (sabemo-lo bem desde o programa da Troika). Ora a frase que critico dá a entender que o Governo aposta na austeridade. Julgo não ser esse o caso, mas parte da infelicidade da afirmação está justamente em dar uma ideia errada do que se pretende fazer.
Por outro lado, é uma frase que é falsa: aumento da despesa pública hoje vai, pelo contrário, permitir que a recuperação económica se faça mais rapidamente possibilitando, no futuro um decréscimo da carga fiscal. O aumento da despesa pública hoje (se bem dirigido) pode ser a redução da carga fiscal de amanhã.

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