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11 de fevereiro de 2018

A Opel e a Autoeuropa

Resposta a uma mentira mil vezes repetida... e a um artigo de sarjeta




João Silva, ex-dirigente da Fiequimetal e da CGTP-IN


A Opel não fechou por falta de acordo, mas por incumprimento do acordo por parte da empresa

Desde que os trabalhadores da Autoeuropa se viram forçados a recorrer a formas de luta, perante a irredutibilidade da administração na intenção de impor um sistema de turnos rotativos, implicando o trabalho obrigatório ao sábado - remunerado abaixo da prática existente na própria empresa -, temos assistido a uma campanha de contrainformação, em que não têm faltado os ataques às organizações representativas dos trabalhadores, designadamente aos sindicatos, a tentativa de partidarização da luta e toda a espécie de chantagens, incluindo o velho recurso à ameaça de deslocalização da produção - de tal forma descontextualizado que a própria administração teve necessidade de vir a público desmentir.
Na tentativa de darem um ar de credibilidade às ameaças, apresentam como exemplo a Fábrica da Opel na Azambuja, afirmando ou insinuando que teriam sido os trabalhadores os culpados pelo seu encerramento em 2006 e, consequentemente, pelo seu próprio despedimento.

O mínimo que se pode dizer é que se trata de um atentado à inteligência, dignidade e sentido de responsabilidade, tanto dos trabalhadores da Autoeuropa como da Opel, que sempre cumpriram com zelo e dedicação os seus deveres e sempre defenderam e defendem a busca do acordo como forma de resolução dos conflitos, sendo a luta, designadamente a greve, o último recurso. Enquanto dirigente sindical, acompanhei de perto o processo negocial que levou ao acordo social na Opel em 2005, assim como a luta contra o encerramento da fábrica e, em nome da reposição da verdade, posso afirmar que é falsa e sem fundamento a afirmação de que a luta pelos direitos tenha sido a causa da deslocalização da produção.

A proposta apresentada pelos trabalhadores em 2005, visando a melhoria salarial e das condições de trabalho, vinha na sequência da prática de anos anteriores, constituía uma base de negociação e tinha em conta os acordos anteriormente estabelecidos. Foi a intransigência da administração, ao fazer depender o acordo da aceitação integral de um sistema de flexibilização do horário, com graves implicações na vida dos trabalhadores, muitos dos quais com 30 ou mais anos de trabalho repetitivo na linha, que levou ao impasse negocial e não deixou alternativa à adoção de outras formas de luta, as quais tiveram o ponto alto na greve do dia 10 de março de 2005.

Aos esforços que se seguiram, da parte da comissão de trabalhadores (CT), na procura de uma solução negociada, a administração contrapôs a dramatização do processo, apresentando como única saída a concordância com as suas propostas, tidas como condição e garantia de projetos futuros para a fábrica. Foi neste contexto de impasse negocial e de pressão sobre o futuro do emprego que teve lugar a consulta aos trabalhadores, tendo 54% votado pela aceitação da proposta da empresa.

O acordo social foi assinado em junho de 2005, para vigorar em 2005, 2006 e 2007. Num comunicado conjunto, então subscrito pela administração e pela CT, afirmava-se que, "por um período de três anos, foi possível introduzir, para a fábrica da Azambuja, um mecanismo de flexibilidade, criando assim uma ferramenta de ajuste da oferta à procura, indispensável no mercado de veículos comerciais, fortemente dependente dos grandes negócios de frotas". Estava assim criada a tão propalada paz social na empresa

No final do ano, a GM enaltecia o desempenho da fábrica, registando um aumento da produção de 11,2% em relação ao ano anterior, cotando-se entre as três melhores unidades da Europa em segurança, qualidade e eficiência.

A fábrica respondia às necessidades da produção e dava lucro. Em meados de 2006, cerca de um ano após a assinatura do acordo, os trabalhadores foram confrontados com a intenção da GM de transferir a produção da Azambuja para Saragoça, com o pretexto dos custos decorrentes da distância dos centros logísticos, localizados em Espanha e na Alemanha. Com esta decisão a multinacional americana faltou ao compromisso com os trabalhadores, violando o acordo social para três anos, ao mesmo tempo que quebrava o contrato com o governo português, que a obrigava a manter a produção na Azambuja pelo menos até 2009, como contrapartida do apoio concedido de mais de 40 milhões de euros para modernização da linha.

A partir desse momento, os trabalhadores tudo fizeram para tentar impedir a consumação deste crime económico e social cometido pela GM no nosso país. À greve de protesto, seguiu-se uma grande manifestação em Lisboa, onde estiveram presentes o secretário-geral da FEM (Federação Europeia da Metalurgia), representantes do comité europeu de empresa e de diversas fábricas do grupo - incluindo Saragoça - e centenas de dirigentes, delegados sindicais e membros de CT, portadores da solidariedade dos trabalhadores de todo o país.

Em diversas fábricas da GM na Europa, realizaram-se múltiplas iniciativas de solidariedade, incluindo paralisações do trabalho e recolhas de fundos dinamizadas e coordenadas pelo comité europeu de empresa, numa ação de solidariedade transnacional ainda hoje considerada inédita em situações semelhantes.
Entretanto, a GM prosseguiu o processo de reestruturação na Europa, que levou ao encerramento de fábricas na Bélgica (2700 trabalhadores) e na Alemanha. Em Saragoça, foi um grande movimento de luta dos trabalhadores, que teve como ponto alto a manifestação que reuniu 15 mil pessoas, no dia 17 de setembro de 2009, que garantiu a continuidade da fábrica.


Se mais não houvesse, ficava assim demonstrado que o fecho da fábrica na Azambuja nada teve que ver nem com as reivindicações nem com a luta dos trabalhadores.
Se há experiência a extrair, é a da confirmação de que o capital não tem pátria e as multinacionais se deslocalizam não por terem prejuízo mas para irem atrás dos mercados, atraídas pelos apoios financeiros dos Estados - que funcionam como autênticos leilões de fundos públicos - e de mão-de--obra barata, à procura de obterem os maiores lucros no menor espaço de tempo possível, à custa de uma cada vez maior exploração de quem trabalha.

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