Amores Para a Vida ?
Jorge Cordeiro
Nos momentos da verdade os reais
sentimentos vêm sempre ao de cima. É assim na vida ou no amor por via do
carácter ou da afectividade, conforme o domínio em que se expressa. Assim é
também na política por via das opções de classe. A recente rejeição pelo PS da
reposição do valor do trabalho extraordinário, reduzido a metade a pretexto da
troika pelo governo PSD/CDS, parece comprovar esse aforismo popular de que há
amores que não se esquecem.
É-se levado a admitir que a
evidência, revelada nos últimos tempos, de que o crescimento económico tem na
afirmação e conquista dos direitos o seu melhor aliado e o factor que o
sustenta, não parece ser argumento suficiente. Há quem teime em não o aceitar.
Os ganhos devidos aos trabalhadores e que a sua luta contribuiu para alcançar
(seja a reposição dos feriados ou o aumento do Salário Mínimo Nacional)
foram-no num quadro de frontal resistência do patronato que, incapaz de se lhe
opor inteiramente, tem procurado pela sua acção torpedeá-los. Inconformado e
tendo na legislação laboral o instrumento que lhe foi facultado, o capital
prossegue uma acção para assegurar medidas que lhe permita manter e
intensificar os níveis de exploração que ambiciona. A evidenciá-lo aí estão os
dados que mostram a reduzida evolução dos salários, a desregulação dos horários
de trabalho, a rasura de direitos por via da caducidade da contratação
colectiva.
Uma acção que encontra, no
passado e no presente, a cumplicidade de sucessivos governos por via de uma
legislação moldada aos interesses das confederações patronais. A legislação
laboral, mais em concreto a eliminação das normas gravosas que têm marcado a
sua evolução, surge como questão decisiva. Não há nesta matéria postura de
meias tintas, exercícios de equilíbrio em cima do muro ou retóricas sobre copos
meio cheios ou vazios. Ou se opta por reequilibrar os pesos já em si distintos
entre capital e trabalho e se rearmam legalmente os trabalhadores para não
estarem em absoluta desvantagem ou se faz o inverso. Não há arbitragem que
valha a uma disputa na arena do conflito de classes em que o “juiz” impõe a uns
que entrem de mãos vazias enquanto que os oponentes se apresentem armados até
aos dentes. Ou se opta por eliminar a caducidade na contratação colectiva
introduzida em 2003, que se constitui como uma debulhadora de direitos, ou se
escolhe o campo dos que vêem aí uma arma de chantagem para forçar a troca direitos pela existência de
contratos. E não se invoque em defesa da caducidade o aumento do número de
trabalhadores abrangidos por contratos colectivos que, de facto, nem existe. A
questão não é essa, mas sim a de saber se os direitos aumentaram num quadro em
que patronato, com o patrocínio da UGT, tudo faz para os rasurar. Clarifique-se
de que lado se está em matéria de horários de trabalho. Se se pretende cobrir a
sua total desregulação por via do banco de horas desestruturando a vida
familiar ou se quer dignificar a vida dos trabalhadores, assegurando que os
avanços tecnológicos se reflictam em menos e não mais tempo de trabalho. E
sobretudo rejeitem-se as elucubrações sobre tempos médios de trabalho,
construídos para ter os trabalhadores sequestrados pelos ritmos de produção e o
estrito interesse da empresa, ou os enaltecimentos a altruísmos empresariais
que asseguram creches abertas 24 horas para depositar crianças que deviam ter
um ritmo de vida familiar adequado ao seu crescimento. Os tempos próximos
ajudarão a esclarecer posicionamentos. Assim como ajudarão a vencer lapsos de
memória dos que, olhando para o Código de Trabalho, só descortinam normas
gravosas associadas ao governo de Passos Coelho esquecendo a demolidora
ofensiva anti-laboral que foi imposta em 2003 por PSD/CDS e em 2009 pelo PS.
Sendo certo que com a sua luta os trabalhadores resistiram e conquistaram
direitos, e continuarão a fazê-lo, não é indiferente o quadro de legislação
laboral que têm de enfrentar.
Em matéria de direitos dos
trabalhadores há quem, empedernido por décadas de serviços prestados à
exploração, se apresente sem cura à vista. É o caso de Silva Peneda, uma
reminiscência do cavaquismo que ainda esbraceja. Em carta aberta aos “parceiros
sociais”, Peneda lança, a
propósito da Autoeuropa, o repositório de
calúnias contra o PCP ao afirmar que «a sua sobrevivência como força
política depende da desordem e da falta de confiança que consiga instalar no
tecido económico». É bem possível que Peneda figure entre os que, a
pretexto da estabilidade das multinacionais, partilhe da convicção que vale
tudo e a tudo a elas se tolerará, seja a falsificação dos resultados dos testes
de poluição ou este escândalo de uso de humanos para testar emissões poluentes
por parte da Wolksvagen. Sabendo de ciência certa que emissões poluentes nunca
fizeram bem aos neurónios, é de supor que os dislates argumentativos do texto
de Peneda resultem dos efeitos poluidores de uma eventual passagem que tenha
feito por essa multinacional alemã.
Sem comentários:
Enviar um comentário