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3 de fevereiro de 2018


O sol e a peneira
 Jorge Cordeiro
Tomando o acessório pela essência na expectativa de que, iludidos por aquele se não veja esta, o argumentário que tem envolvido o debate sobre “transparência” só pode ter por objectivo tomar-nos, a todos, por tolos. Não é credível que quem se empenhe em descentrar as razões que estão na origem do tráfico de influência e da corrupção acredite que seja possível tapar o sol com a peneira. Mesmo em dia de nebulosidade intensa, naquelas horas em que o dia se faz noite ou naqueles mais breves momentos em que a lua se interpõe entre a terra e o sol, a verdade é que não há peneira que encubra o que sol acaba sempre por alumiar.


Sempre se dirá, e com verdade, que nenhuma lei pode eliminar deliberados comportamentos condenáveis. Mas é ainda uma verdade maior afirmar que as regras, sobretudo a ausência delas, não só não contribuem para os prevenir como os estimulam e abrigam. A maleita é suficientemente viral para poder ser combatida com paliativos: sejam códigos de conduta, piedosas intenções regulatórias ou descaradas soluções de lobbing de influência.  Aprovem-se os códigos de conduta que se entenderem mais que não seja para se não parecer o que à mulher de César se exigia que fosse. Mas não se queira com o marginal fugir ao essencial: debelar a promiscuidade entre poder político e económico, pôr fim à ligação umbilical dos grupos monopolistas aos partidos que têm governado o País.

Neste curioso afã de alguns para se assumirem como paladinos da transparência há quem veja num qualquer bilhete de futebol – peão, superior ou central – um factor corruptível a que é preciso pôr cobro. A intenção fica bem, é popular como os tempos recomendam, é até comovente. Ainda que ponha a nu esta nossa limitação de situar nesse ininterrupto trânsito entre as cadeiras dos conselhos de administração e as dos conselhos de ministros, destes para chairman e CEO de grupos económicos que tutelaram e agora administram, o problema a que se devia, de facto, dar combate. Assim como não se questionarão regras que impeçam a oferta de uma perna de presunto pata negra ou uma caixa de vinho afamado por ser superior ao valor que se determine. É saudável e educativo. Mas o que queríamos ver mesmo resolvido, talvez por insuficiência de percepção relativa de factos, é este  escândalo de ilustres integrantes de afamados escritórios de advogados, hoje negociarem meticulosos cadernos de encargos de futuras privatizações em nome do governo e, amanhã, lá estarem a representar os grupos económicos, a mover acções contra o Estado ou a justificar incumprimentos de obrigações contratuais que eles próprios elaboraram. 



A vertigem de movimentos é de nos deixar sem fôlego: a ex-ministra das Finanças a sair do governo correndo para o berço de quem especula com a dívida nacional; o vai-vem do antigo ministro de Durão e Portas, José  Luís Arnaut que entre a privatização dos CTT e a sua passagem para a Goldman Sachs que os adquiriu, aterra agora nomeado chairman da ANA, navegação aérea; a transferência de Óscar Gaspar, Secretário de Estado da Saúde de Sócrates para a associação do sector privado da área que tutelava; essa nebulosa de PPP e “doações” a privados de erário público que marca a passagem de Sérgio Monteiro pelo Governo anterior, premiada com a ida para o BdP para vender o Novo Banco; ou quem nomeado pelo governo de Passos como negociador da privatização da ANA, a ela presidiu enquanto pública e dela transitou para a Vinci já privatizada, acabe nomeado pelo actual governo para presidir à NAV. Depois da recente nomeação de Frasquilho fica-se com ideia mais nítida do que significa “alargados consensos”.  

Neste jogo de sombras e pantomina aí está saída da cartola a ideia de legalizar o lobbing como sucedâneo do nepotismo e tráfico de influência, agora credibilizado com a instituição da sua prática a que não faltaria a devida entidade reguladora para travestir de inocência o que se prolonga de pérfido. 

Quer falar-se seriamente em transparência? Combata-se a  promiscuidade entre os poderes político e económico,  campo fértil para a corrupção e para o desvio de erário público. Enfrente-se o regime de incompatibilidades e impedimentos. Abandone-se de vez as resistências de PS, PSD e CDS à fixação de requisitos mais apertados para exercício de cargos políticos alegando limitação de direitos fundamentais ou argumentando que é tudo uma questão de educação. Vá-se ao essencial: a titulo de exemplo, estenda-se às empresas maioritariamente públicas as limitações já existentes; decrete-se o impedimento nas situações em que mesmo não tendo participação relevante na entidade contratante o deputado execute ou participe na execução do que foi contratado; aumente-se para cinco anos o período de impedimento do exercício de actividades privadas após exercício de funções públicas. 

Já cansa a conversa de que os melhores não vêm da política, dela não dependem e sabem fazer outras coisas na vida. Como se vai vendo com sucesso e grande proveito próprio e alheio

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